REVISTAS FEMININAS
Ligia Martins de Almeida (*)
A mulher brasileira é magra, alta, se veste bem e está sempre linda. Tem um ótimo emprego ou é uma bem-sucedida empresária. Viaja para o exterior ou compra, aqui mesmo, as maravilhas importadas. Navega pela internet com a mesma tranqüilidade com que serve uma linda mesa para 12 convidados ? claro que com as comidinhas mais sofisticadas, as mesmas, aliás, que também escolhe nos restaurantes mais caros.
Essa, pelo menos, parece ser a mulher para as quais as revistas femininas se dirigem.
Culpa das jornalistas que se formam sonhando em reformar o mundo, melhorar a condição feminina e (também) fazer uma carreira bem remunerada?
Seria injusto responder "sim" a essa pergunta.
Mesmo nas revistas mais sofisticadas, a preocupação com o social está presente: mulheres espancadas pelos maridos, mulheres demitidas por preconceito, ou por não aceitarem o assédio dos chefes, aparecem em suas matérias especiais. Dá para perceber a "luta interna" para fazer passar esse tipo de pauta: afinal, miséria, maus-tratos e feiúra, embora parte do nosso cotidiano, não atraem anunciantes.
Por que uma grife de moda ou uma grande empresa de cosméticos gastaria dinheiro numa revista de papel inferior, mostrando um mundo real, onde as mulheres podem ser bonitas, jovens e bem-sucedidas mas também podem ser feias, gordas, velhas ou negras?
Nesse mundo pós-feminista, as mulheres ? pelo menos as mulheres urbanas, de classe média para cima e de nível universitário ? ganharam o direito ao trabalho, à disputa por cargos públicos e, principalmente, o direito de brigar por seus direitos. Mas, a julgar pelas revistas femininas disponíveis nas bancas brasileiras, o grande problema parece ser o orgasmo. Se não é assim, como explicar a enchente de matérias repetitivas sobre sexo nas revistas femininas? Nada errado, se considerarmos que o direito ao prazer também estava entre as bandeiras do feminismo. O problema é tratar o sexo como se fosse, ainda hoje, a prioridade máxima da mulher brasileira.
Conclusão óbvia
Provavelmente os marqueteiros não implicam com matérias de sexo e acreditam que revista jovem (e, portanto, boa para veicular anúncios) tem que mostrar falta de preconceitos. Mas aí também precisamos ser compreensivos. Afinal, recebendo milhares de cartas de leitoras todo dia, as editoras de revistas femininas devem saber o que seu público quer. As revistas em geral, femininas ou, teoricamente procuram sempre fazer o melhor por seu leitores.
Mas será que conhecemos mesmo as nossas leitoras?
As redatoras e editoras (e eu me incluía entre elas) acham que sim. Afinal, recebemos cartas, as leitoras telefonam, fazemos pesquisas e, ao propor ou editar matérias, procuramos, na melhor das intenções, fazer um texto que realmente "fale" com a leitora. Mas quando a gente vê a nossa revista na mão de uma leitora ? mesmo a leitora ideal, com curso universitário, bom emprego, preocupada com o diálogo no relacionamento e com a educação dos filhos ? percebemos que ela é muito diferente daquela mulher feita à imagem e semelhança das editoras de revistas.
Existe, é claro, aquela minoria que ganha seu dinheiro, veste-se com elegância e tem uma casa que se poderia estar na própria publicação. Mas a grande maioria ? com curso superior ou não ? não escapa de suas tarefas de dona de casa, mãe, e não entende outro tipo de comportamento que não o convencional. São filhas da grande classe média (ainda em ascensão, ou, para usar a palavra da moda, emergente), de princípios morais (certos ou errados, não importa) rígidos. São doutoras ou professoras nada sofisticadas, que não trazem em sua bagagem a informação "de berço". Sorvem as informações das revistas ditas femininas, só que interpretam os serviços de moda, beleza e etiqueta de uma forma totalmente equivocada.
A conclusão então parece óbvia: as revistas brasileiras não conhecem a mulher brasileira. Se conhecessem, as pautas seriam outras e mesmo as boas pautas de hoje seriam encaminhadas e editadas de forma diferente.
É claro que haveria a famosa luta interna. Editoras tentando convencer os patrões e os yuppies das agências que esse seria o caminho certo. Uma luta dura. Mas não é para isso que servem os jornalistas?
(*) Jornalista, trabalhou por 20 anos em revistas femininas