Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A última flor…

CAIXOTINS

Carlos Brickmann (*)

Saiu no jornal, juro. Um desses cavalheiros atingidos pela Operação Anaconda disse, no jornal de 1? de dezembro, que juntou todo o material jurídico e … textual: "E repascei-o aos advogados". Pior é que o jornal "repasceou" o termo aos leitores.

A moda pegou: embora o termo seja absolutamente correto, e corrente, ninguém mais diz que alguém corre risco de vida. Agora se diz que "corre risco de morte". Não, não está errado; mas é uma expressão menos coloquial. E indica que o jornalista pensa que a outra forma está errada.

Atenção: a gente não vê uma pessoa "há" anos. Quando o Palmeiras e o Botafogo retornaram à Primeira Divisão, eles tinham caído "há" um ano. Deve haver alguma ocasião boa para utilizar "havia um ano", mas não é comum, não. Os Manuais de Redação ensinam direitinho ? basta lê-los.

Na última vez em que as represas paulistas secaram, houve rodízio no consumo de água. E o candidato do governo do estado à prefeitura paulistana tomou uma surra histórica (foi quando Erundina chegou ao cargo). Esse pano de fundo eleitoral talvez explique uma coisa curiosa que está acontecendo em São Paulo: na última grande seca, explicou-se que as represas deixavam de ser operacionais quando armazenavam menos de 5% de sua capacidade. Agora, Cantareira está com menos de 3% e os técnicos explicam que tudo bem, não será necessário o rodízio. Um deles foi mais longe: disse que, se a represa secar, ainda assim será possível espremer mais água para evitar rodízio, racionamento (e queda de votos).

Que os governos pensem nas próximas eleições, OK. Que os técnicos expliquem tudo, OK ? afinal de contas, todo mundo precisa de um salário no fim do mês. Mas que a imprensa aceite essas declarações e não puxe os arquivos, isso não dá para aceitar. Afinal de contas, a represa deve operar ou não deve? Operar abaixo de determinada capacidade prejudica ou não sua recuperação? Cadê o reportariado para esclarecer a questão?

Lula está viajando na região que, conforme definiu, é o "continente árabe". Já acertou um investimento de 150 milhões de dólares para produzir açúcar na Síria. Perguntar não ofende: o Brasil vai exportar cana, que ocupa muito mais espaço, em vez de açúcar? Vai investir lá para que a Síria compre a cana em outro lugar mais próximo? Tem tanto jornalista na comitiva presidencial que alguém poderia responder a essa pergunta.

Só mais uma dúvida: a Síria é um país pequeno, com 17 milhões de habitantes, e mesmo produzindo excelentes doces não vai consumir o açúcar todo de uma usina deste tamanho. Para quem é que a Síria vai exportar o excedente, se tem más relações com a Turquia, o Iraque, Israel? Será que a usina sai mesmo ou é apenas um factóide?

O mal, em viagens como esta, é que os jornalistas ficam muito dependentes das informações oficiais. Mas a matriz não depende de ninguém: pode pesquisar nos seus arquivos e verificar que, há tempos não tão longínquos, o comércio com o Oriente Médio já era apontado como solução para o Brasil. Na época, a Petrobras importava maciçamente o petróleo do Iraque e fazia pesquisas; a Mendes Jr. deixou sua marca em gigantescas obras de engenharia, as maiores que até hoje existem no país; a Volkswagen vendeu automóveis que até hoje rodam por lá.

Um dia, a Petrobras descobriu um campo gigante de petróleo, em Majnoon. O ditador Saddam Hussein obrigou-a então a concordar em ir embora do país. A Mendes Jr. está lutando na Justiça até hoje para receber o que lhe era devido. A Volkswagen também teve que deixar a região.

Isso, naturalmente, não quer dizer que tudo se repetirá. Mas é bom ficar esperto, não é mesmo? Se o mercado fosse assim tão bom, os países desenvolvidos dificilmente o deixariam inteirinho para a gente.

O presidente nacional do PT, José Genoino, diz que investigar o assassínio do prefeito de Santo André, Celso Daniel, é matá-lo novamente. Genoíno sempre foi um dos políticos favoritos da imprensa, por sua gentileza, por sua disponibilidade, pela vontade de fornecer informações. Genoíno: que haverá de tão grave que, ao ser descoberto numa investigação, atinja a memória de um homem covardemente seqüestrado e assassinado?

Vale a pena acompanhar a argumentação do Ministério Público no caso Celso Daniel. Não pela questão do assassínio, que só a Justiça decidirá. Mas pela repetição de nomes em prefeituras diferentes. A impressão é de que pessoas e empresas são como peças de xadrez, que vão mudando de posição no decorrer do jogo. A diferença é que as peças de xadrez trabalham de graça.

(*) Jornalista; e-mail <carlos@brickmann.com.br>