11-S, UM ANO DEPOIS
Antônio Brasil (*)
A maioria do público americano acredita que a imprensa é imoral, pouco profissional, não se preocupa com nada e se tornou um obstáculo para que a sociedade possa resolver seus próprios problemas. Essas conclusões tão pessimistas são resultado de pesquisa recente do (EUA) e merecem alguma reflexão antes que seja tarde demais.
Pesquisa similar, apurada logo após os atentados de 11 de setembro, revelava exatamente o contrário. Havia um clima de trégua e otimismo em relação a uma tendência negativa que persiste por muitos anos. Naqueles dias, a imprensa e os americanos viviam uma lua-de-mel. Mas uma série de excessos e erros na cobertura internacional ? além de dúvidas em relação aos interesses da mídia na cobertura dos escândalos de grandes empresas americanas ? contribuiu para reverter uma situação que parecia muito favorável. Pena! Perdeu-se uma grande oportunidade para reconquistar um público cada vez mais cético em relação ao papel e objetivos da imprensa numa sociedade livre e democrática.
Os interesses econômicos das grandes corporações que controlam os veículos jornalísticos tendem a se sobrepor aos valores do público e ao próprio interesse público. Apesar das ameaças externas e de alguma aprovação da cobertura da guerra contra o terrorismo, prevalece agora um espírito muito crítico em relação à capacidade da imprensa em cobrir questões econômicas internas relevantes para um público que convive com o desemprego e a recessão econômica. Os americanos dão sinais claros de que não estão satisfeitos com uma certa "confusão" entre setores da sociedade que deveriam permanecer em lados opostos. O papel do jornalista como crítico zeloso, verdadeiro cão de guarda dos valores da sociedade, não deveria ser domesticado pelos interesses dos conglomerados econômicos que conquistaram a imprensa nos últimos anos. A busca de informação, a denúncia de escândalos financeiros e os índices das bolsas de valores não são valores coincidentes. Muito pelo contrário. Lá como cá, o público não é bobo. A tudo percebe, responde, critica e, infelizmente, se afasta.
Cobertura de escândalos, de denúncias anônimas em favelas ou de eleições requer uma isenção e distanciamento de interesses econômicos que acordos políticos mal resolvidos ou empréstimos de última hora não permitem. Talvez isso seja possível num intervalo das guerras contra o terrorismo ou no primeiro turno de uma eleição nacional. Mas, certamente, os verdadeiros interesses se tornam mais visíveis após um ano de muito medo e alguma reflexão sobre o futuro de um país como os Estados Unidos. Ou na expectativa de definição política num segundo turno de eleições no Brasil.
São grandes os riscos de ser seduzido pelas novas técnicas de um jornalismo de mercado. Hoje, conquista-se a confiança do público e da crítica com alguns raros momentos de bom jornalismo em meio a muitos anos de prática irresponsável e duvidosa. As novas ameaças são virtuais, generalistas, emocionais e fazem muito pouco sentido para a maioria das pessoas. Possuem histórias e nomes bizarros que aproximam terroristas de profetas como Osama ou Elias. Mas todos têm em comum a falta de maiores explicações.
Cães de guerra
A patriotada do 11 de setembro nos EUA ou o show das eleições brasileiras, principalmente no jornalismo televisivo, têm muito em comum. Eles se tornam verdadeiros shows de desinformação com muitas imagens que não dizem muito, pouco conteúdo que não informa nada e grandes interesses econômicos que controlam tudo. O telespectador é mobilizado, comparece, se emociona, mas não participa. Discreta e silenciosamente, critica e reage somente nas pesquisas. Incapaz de influenciar ou reverter uma situação que considera inevitável, definitivamente comprometida, esse mesmo público, apesar de tudo, não se afasta da TV. Em meio à crise econômica e a uma escalada de violência urbana sem precedentes, não possui muitas opções. Não consegue largar uma droga tão poderosa que causa grande conforto, mas cria dependência.
Nos Estados Unidos, o público recorre ao escapismo de mais um grande sucesso numa nova geração de reality shows: o American Idol quebra todos os índices de audiência nos EUA. No Brasil, sem dúvida, algo muito parecido será milagrosamente "reinventado" pelos produtores de TV. O que é bom para os telespectadores americanos pode não ser muito bom para os brasileiros, mas costuma dar lucros os donos das TVs. Imita-se a televisão americana no que ela tem de pior.
Pesquisas qualitativas rigorosas sobre o público, como mencionada do Pew Center, não parecem ser necessárias. Afinal, elas podem comprovar o que já sabemos, mas preferimos ignorar. É sempre mais fácil culpar e lucrar com a televisão do que tentar fazer algo para melhorá-la. O jornalismo perde mais oportunidade para conquistar os corações e as mentes do grande público. Ponto para o outro lado, o entretenimento alienante, ou o mero "emburrecimento" do público pela TV.
Ao comemorar um ano dos atentados de 11-S, à beira de mais uma guerra, dessa vez contra o Iraque, o jornalismo em crise de identidade e afastado do seu público está na defensiva. Os donos do poder e os cães de guerra, no ataque, agradecem.
(*) Jornalista, coordenador do Laboratório de TV, professor de Telejornalismo da UERJ e doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICT/UFRJ.