Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mídia e os bioengraçadinhos

DEU NO NEW YORK TIMES

Eugênio Viola (*)

O presidente da Fundação Oswaldo Cruz disse que no Brasil não há bioterroristas, mas sim "biobabacas" ou "bioengraçadinhos". Paulo Buss se referia ao episódio envolvendo o escritório do jornal New York Times no Rio de Janeiro. Depois de receber uma carta "suspeita", postada em Nova York no último dia 5, o chefe da sucursal, Larry Rohter, encaminhou a correspondência à Fiocruz para análise. O primeiro exame apontava para a existência de bactérias. Foi o suficiente para que o já instaurado clima de paranóia corresse mundo, ganhando espaço na edição online do principal jornal norte-americano, e, com isso, voltasse para nossa mídia em forma de manchetes nas edições de sábado. Afinal, como dizia o saudoso Henfil "deu no New York Times", o que deixou atiçada parte da mídia-tupiniquim. Que "barriga"!

A bactéria encontrada na "carta-mortal-contaminada" (na realidade um folder-convite) tratava-se, segundo explicações do presidente da Fiocruz, de um germe inofensivo à saúde "encontrado no solo e até na pele". Nada a ver com o antraz.

Começava aí o "disse-não-disse", cada um querendo livrar a cara, eximir-se de responsabilidades. A assessoria de imprensa do NYT saiu em defesa do chefe de sua sucursal no Rio de Janeiro, afirmando que Larry Rohter havia se baseado em informações da Fiocruz: "Isso foi dito por autoridades brasileiras". Já o ministro José Serra garantiu que "essa informação não partiu do Ministério da Saúde".

Na guerra para que as edições de domingo cheguem mais cedo às bancas ainda no sábado, os primeiros clichês dos diários são fechados por volta de meio-dia. Em tempos dramáticos, como o que agora vivemos, isso deveria ser revisto para que, em vez de simples erros, não se semeie também o pânico para garantir mais venda, mais lucro. O leitor que tem acesso a apenas uma edição (é claro que não vai comprar todas de um mesmo jornal) fica com informações mal-apuradas, distorcidas e, como nesse episódio, refém de boatos.

O Globo, que na edição de sábado (20/10/01) reservou
manchete para o assunto, só veio corrigir a situação
no 3o clichê de domingo, com o título principal
"Carta ao ?New York Times? não tem bactéria antraz".
Em editorial, na mesma edição ("Fato e Boato")
advertia: "Quem espalha terror é terrorista (…) É
sabido e aceito que cabe à mídia o dever de distinguir
o fato do boato, e não divulgar o segundo para evitar que
se torne indistinguivel do primeiro".

O Jornal do Brasil deu destaque na primeira página (sábado, 20/10): "Carta contaminada no Rio". Mas foi cauteloso na página interna ao tratar como "suspeita de antraz". Já na edição de domingo, num tímido espaço, publicava "Bactéria não chegou ao Rio".

O Estado de S.Paulo foi enfático: "Repórter do ?Times? no Rio recebe carta com antraz". E situou a Reuters como fonte na informação: "Os primeiros testes deram positivo para antraz".

A Folha de S.Paulo deu chamada na primeira página ? "?NY Times? no Rio de Janeiro recebe carta com bactéria" ? e, na página A18, tratou de forma comedida o assunto.

Que há interesses em fazer da mídia palco de batalha, e até mesmo alvo, não há a menor dúvida. Que os americanos têm motivos de sobra para estar em estado de pânico diante da onda de terrorismo, também. A venda de soníferos aumentou 26% depois dos atentados de 11 de setembro, segundo o Jornal do Brasil. Imagine no Afeganistão como deve estar a insônia da população civil, inclusive sem direito a estatísticas e soníferos.

Uma boa receita para os responsáveis por nossa mídia é canja de galinha e cautela para que o pânico não se alastre em nosso país, sem motivo algum.

(*) Diretor do programa Observatório da Imprensa na TV

    
    
              

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