Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A minha versão, a sua, a deles e a verdade

DOSSIÊ PERFÍDIA

Vera Silva (*)

Quando criança brinquei muito daquela brincadeira chamada telefone sem fio. Relembrando: numa roda, a primeira pessoa conta um segredo no ouvido da segunda, que passa o segredo para o ouvido da terceira, e assim, sucessivamente, até que a última pessoa da roda fale o segredo em voz alta. É um risada só. Nunca se ouve nada nem de leve parecido com o segredo original.

Conto isto porque, morando em Brasília, como os demais brasilienses ouço coisas escabrosas sobre os bastidores do poder no Brasil (Executivo, Legislativo, Judiciário, governo local). São coisas vistas e ouvidas em restaurantes, nas filas dos cinemas, nos lançamentos de livros, nos shoppings, por pessoas conhecidas que trabalham aqui e ali em algum órgão público. É impressionante como o poder produz casos, fofocas, versões e notícias.

Talvez por isso e por viés profissional tenha aprendido que um fato tem três versões: a minha, a sua e a verdade. Até agora, porque a partir do episódio Dines versus O Globo serei forçada a encarar que um fato tenha quatro versões: a minha, a sua, a deles e a verdade. O episódio todo, desculpem-me os jornalistas, pode ser chamado de um factóide – a versão deles transformada em fato. A partir de um episódio comum em TV criou-se um fato para, desmerecendo o jornalista, invalidar o veículo e desqualificar o autor do livro. Por tabela, atinge-se um projeto para criar uma TV realmente pública no Brasil.

Excesso de imaginação? Talvez, mas estou cada vez mais convencida de que Poincaré tinha razão quando afirmou que "o acaso não é mais do que a medida da nossa ignorância". Estamos cada vez mais seduzidos pela mágica da informação, a ponto de confundirmos importância do veículo com veracidade da informação, ou, em outras palavras, acumulamos sem nenhuma reflexão tanto as informações quanto as emoções que elas nos provocam.

Ética destruidora

Fazendo isto, não conseguimos entender os mistérios humanos, a ética e a falta de ética. É preciso que pensemos ativamente, analisando todas as informações anteriores, em vez de fazermos apenas uma leitura linear dos fatos. Os fatos não ocorrem por acaso, há uma causa em sua ocorrência, e é preciso descobri-la.

Estamos na era da falta de síntese e da conseqüente falta de encadeamento dos fatos. A era da não-história (talvez fosse isto o que aquele historiador americano, Fukuyama, intuiu e chamou de "fim da história"). A criação de fatos que misturam verdades e mentiras parece apontar para a morte da nossa história, para o massacre da verdade e da ética por absoluta impossibilidade de compreendermos como os fatos se encadeiam, em outras palavras, como se pensa.

Por certo Alberto Dines, João Carlos Teixeira Gomes e a maioria dos observadores entendem muito bem isto, por experiências passadas, mas é bom que fiquemos atentos, pois nada mais destruidor do que a falsa ética.

(*) Psicóloga

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