Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mão que afaga e a que apedreja

ESTADO & EDUCAÇÃO

Antonio Fernando Beraldo (*)

Não custa lembrar a campanha eleitoral do ano passado, quando o então candidato Lula meditava em alto e bom som algo como "será que um presidente sem diploma é que irá salvar a universidade pública?"

Podemos até ouvir as salva de palmas dos enternecidos reitores presentes e dos empolgadíssimos professores e estudantes, as bandeiras vermelhas enfunadas saudando o venturoso porvir que se descortinava no horizonte… Não mais as salas de aula caindo aos pedaços, as bibliotecas à míngua, os laboratórios em penúria, os projetos de pesquisa andando trôpegos a catar as migalhas das verbas! Não mais providenciais verbas do BNDES para as particulares, nem professores substitutos dispensados quando mais os queríamos, nem alunos das universidades públicas assustados com a possibilidade de ter que pagar mensalidades e, oh!, não mais aquela arrogância monolítica a tentar esconder a mediocridade do ministro Paulo Renato ou a impassibilidade catatônica de Pedro Malan e cia. a prolongar as greves até a "irresponsabilidade" de afrontar o Poder Judiciário. Não mais FHC I & II a chamar os aposentados de "vagabundos", e seus críticos de "neobobos", entre outras graçolas ? a seu conselho, poderíamos também esquecer estas "delicadezas" de sua verve, plena de gafes ofensivas. Seríamos felizes, enfim, como canta aquele bolero.

E não é que mal passados os primeiros cem dias raia o esperado sol do aumento de salário dos servidores públicos federais? Um, apenas UM solitário e espantoso porcento, mais 59 pratinhas e nem uma palavrinha sobre o "ano que vem". "É o que vos concede o Orçamento, legado maldito do cruel tucanato" ? justifica o ministro encarregado das más notícias. "Nada podemos fazer a não ser cumprir esta sina, que remédio!" Então, tá. E como se não bastasse esta desgraça pouca, emerge também das profundas ranfastídeas um projeto de quebra de contratos que nem o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, com toda sua fúria estado-minimista, ousaria maquinar.

O saco de maldades vai desde a "contribuição solidária" no recebimento dos aposentados até a poda na pensão das viúvas, que, como se sabe, são megeras insaciáveis a subtrair do erário montanhas de dinheiro, quase um décimo-milésimo daquilo que o governo deve à Previdência.

Pois é, colega, ninguém veio assistir ao formidável enterro de tua última quimera, mas, acredite, antes de morrer de bronquite, que a reforma da Previdência e o aumento (sic) dos servidores devem ser partes do programa Salário Zero que, na euforia da vitória, o novo governo esqueceu-se de anunciar. Ou, então, a versão tupiniquim da estratégia "choque e pavor", que já me fez mandar um e-mail ao MEC destinando este reajuste (sic) ao programa Fome Zero. Reconheço ser modesta a minha contribuição, mas é de coração este meu gesto singelo, assim como o da modelo Gisele Bündchen.

Seja como for, já recomeça a revoada dos felizardos professores com tempo suficiente para se aposentar, e que ainda trabalhavam esperando o cumprimento das promessas de campanha, saindo de campo com mais uns caraminguás no contracheque. Será que vamos repetir o final da década de 1990, quando as estrepolias ameaçadoras da administração federal promoveram a fuga de milhares de professores universitários rumo a aposentadorias muitas vezes precoces e a salários muito melhores (e com menos trabalho) nas faculdades particulares? Só na Universidade Federal de Juiz de Fora, à época, foram 136 ? mais de 10% do corpo docente.

Será que vem chegando mais uma greve, com os chocados e apavorados funcionários públicos paralisando universidades, hospitais, ambulatórios, repartições e serviços? E, o que é pior, sob a risadinha de mofa dos tucanos, a tripudiar sobre nossas ilusões perdidas? Será que ainda vou ver pichações de "Fora Lula" ou "Lula mente"?

Espero que não. Quero ainda acreditar que tudo isso seja no estilo "põe o bode na sala/tira o bode da sala", conversa para o FMI ver, e que depois de consultar as bases, acondicionar as opiniões dos conselhos, realizar dois ou três seminários, auscultar o PMDB e promover uma meia dúzia de reuniões de dois dias inteiros (reunião de petistas, quando dura menos de meio discurso do Fidel, é chamada de "encontro casual") alguém deverá receber o caboclo Tião-Pé-no-Chão e derramar o bom senso nos pensantes, quem sabe ainda antes da festa de Pentecostes. Oremos, irmãos.

Duda Mendonça rides again

Leio neste Observatório o artigo do jornalista Chico Bruno comentando as pesquisas de opinião pública feitas pela Folha e pelo Globo, e uma outra, realizada pelo Ibope, que, segundo o jornalista, irão embasar as campanhas de esclarecimento do governo sobre as reformas na Previdência [veja remissão abaixo].

Peço licença para citar um trecho, sobre os resultados da pesquisa do Ibope:


"…67% dos 2.000 entrevistados em 145 municípios brasileiros não sabem o que significa Previdência Social, e que, dos 33% restantes, somente 13% a relacionam à aposentadoria ? as demais respostas são estapafúrdias.

Em seguida, o instituto quer saber sobre a reforma da Previdência Social e o resultado é que 31% acham que vai aumentar as aposentadorias, 11%, que vai diminuir, 26% pensam não será alterado o valor da aposentadoria para quem já é aposentado, mas para os que se aposentarem depois da reforma; 15% afirmam que vai diminuir no futuro, mas continuará havendo diferença entre as aposentadorias da iniciativa privada e a dos servidores públicos, e 17% não souberam responder".


Sem comentários.

Então, imagino, o governo Lula irá, bondosamente, "esclarecer" os sem-esclarecimento dos malefícios de termos tantos e tão sórdidos servidores a dilapidar o Tesouro, daí a causa de todos os nossos problemas. E o fará, penso eu, utilizando a mais pura retórica tucana e sem pagar um tostão de direitos autorais. Lembram-se daquela história de que o país tinha mais é que ficar livre do fardo das improdutivas, ineficientes e dispendiosas estatais de mineração, siderurgia, telefonia, energia, transportes etc., e que a voluptuosa grana apurada nos leilões de privatização seria revertida para melhorar as condições de saúde, educação e moradia do povo? Pois é. Deve vir por aí algo neste estilo, "informando" a opinião pública que são os aposentados ? que cometem a falta de educação de não morrer e abusam dos privilégios ? que acumularam criminosamente; são os professores, uns folgados, que fingem que ensinam nossas crianças e nossos jovens; os médicos e os enfermeiros do SUS, que, insolentes, se recusam a trabalhar quase de graça; são as universidades públicas, que parasitam as burras do governo, e ficam brincando de tirar AAAAA no Provão.

Leio na Folha de S.Paulo (18/4, pág. A 6) que a Secretaria de Comunicação Social deverá comandar esta campanha, contando com o suporte do publicitário Duda Mendonça. Lá vem aquele monte de crianças correndo pelos relvados, vestidas de branco, a esvoaçar em torno de um gigantesco prato de feijão com arroz. Corta para meia dúzia de "depoimentos": uma dona-de-casa, um metalúrgico de capacete, um camponês no canavial, um executivo ao celular, uma mãe-com-filhinho no supermercado, uma mulher grávida passando a mão na barriga, essas coisas. Tudo centrado na idéia "futuro garantido com dignidade", ou algo parecida, e aí aparece um sujeito (provavelmente um ator global) recitando cifras do tipo "você sabia que em nenhum lugar do mundo os funcionários públicos se aposentam com salário integral?" ou que "nos Estados Unidos aposentadoria é poupança de uma vida inteira ", ou ainda, que no Japão os idosos cometem haraquiri para não sobrecarregar os cofres públicos?

Salve-se quem puder.

(*) Engenheiro, professor do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Juiz de Fora

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