LEITURAS DE VEJA
Raphael Perret Leal (*)
Cássia Eller sempre foi aguerrida. Transgressora, assumia sua homossexualidade sem pudores e, ainda, para desafiar conservadores e tradicionalistas, decidiu ter um filho, de maneira que o pai participasse apenas da etapa reprodutiva. Criaria o filho com sua companheira de longa data. Como cantora, também mostrou-se fora dos padrões. No Rock in Rio, mostrou os seios – Gal Costa fizera isso num show dirigido por Gerald Thomas; neste caso, a seminudez comprometia-se mais com questões estéticas, enquanto na Cidade do Rock Cássia queria apenas fazer troça.
No auge, após ver seu Acústico vender que nem picolé na praia, morreu em circunstâncias misteriosas. Não tinha doenças crônicas, tirando as drogas a que recorria de vez em quando, conforme a própria cantora assumia. Há algumas controvérsias que circundam os depoimentos a respeito do dia de sua morte, o que torna o fato cada vez mais suspeito e obscuro.
Nesse ponto, estou com Artur Xexéo, colunista do Globo: apesar dos pedidos contrários da família e dos amigos, queremos, sim, saber como e por que a cantora morreu. Sua biografia exige este importante dado, tenha sido a causa mortis uma pneumonia aguda ou fruto da abstinência de cocaína. E quando mistério e morte se relacionam, coisa boa não tem. É hora de o jornalismo aparecer.
A pressa e suas mazelas
E o que fez a mídia? Levantou a hipótese das drogas, é verdade, mas tratou-a como se fosse um fato, como se toda a imprensa estivesse com Cássia Eller no dia de sua morte e soubesse o que a matou. O laudo da autópsia nem foi concluído, o inquérito mal começou, e a Veja, no exemplo mais contundente do comportamento dos jornais e revistas diante do caso, estampou em sua capa que as drogas "fazem mais uma vítima".
Isso, sim, demonstra desrespeito à família, aos amigos, aos fãs da cantora: apropriar-se de uma hipótese como fato consumado. Se for verdadeira, a revista vai ficar com fama de que "saiu na frente", embora tenha agido de forma incorreta. Se for falsa, será uma barriga histórica.
A pressa da mídia em querer o furo mesmo sobrepujando os acontecimentos teve pelo menos uma vantagem: trazer à tona, mais uma vez, a questão das drogas, extremamente complexa, que envolve música, arte, sociedade, polícia, segurança, cultura, política, economia. Tal pressa, porém, também acabou expondo outra mazela, dessa vez interna, mais específica da própria imprensa: a busca da espetacularização da notícia, ao sensacionalizar um acontecimento – a morte de Cássia Eller – e, com ela, vender uma informação que nem verdadeira é – a morte de Cássia Eller graças às drogas.
(*) Analista de sistemas e jornalista
Isabela Sampaio Nucci (*)
A revista Veja, publicação semanal mais lida no país e que tem um expediente de profissionais competentes e respeitados, não é só campeã de tiragem. Vence os concorrentes também nos quesitos insistência, birra e implicância. É aquela velha história de sempre bater na mesma tecla, aquela incômoda presença da famosa teimosia burra.
Impressionante a sensação de estarmos lendo sempre a mesma entrevista nas Páginas Amarelas. Pessoalmente, tenho a absurda impressão de que o editor mantém sempre o mesmo texto, modificando somente a fotografia e o nome do entrevistado. Quase todas as semanas lemos a opinião de um sujeito, muitas vezes estrangeiro, que faz previsões mais do que otimistas a respeito da situação do Brasil no mercado internacional, que aponta as maravilhas da globalização e das inovações tecnológicas, geralmente se baseando em dados estatísticos que não fazem parte da realidade do brasileiro. Seria mais interessante se esses doutores aplicassem mais esses conhecimentos no dia-a-dia e, melhor ainda, se a revista diversificasse sua lista de entrevistados.
Tudo para ser boa
A Veja também insiste em eleger inimigos e desafetos e bombardeá-los sem a menor piedade ? força de expressão, pois não acredito que o jornalista deva sentir pena. Essa prática fica evidente nas páginas culturais. Muitos artistas – compositores, escritores, cineastas, cantores e atores – são alvos de críticas esculachantes, independentemente do trabalho que estejam realizando no momento. Fico até imaginando a cena: os chefões reunidos, sentados numa mesa redonda, decidindo quem fará parte da lista dos queridinhos e quem irá para o paredão. Não interessa o que Chico Buarque faça, sempre vai haver uma crítica negativa sobre seu trabalho que, na minha opinião, é inquestionável, perfeito. Será que isso acontece porque ele não é um artista que aprova todos os absurdos cometidos na música brasileira, como Caetano Veloso, que aplaude as bundas e os tapinhas, um dos queridinhos inclusive de FHC?
Não condeno essa respeitável publicação por deixar clara a sua posição política, mas pela maneira como, algumas vezes, faz isso sem o menor critério e fundamentação. Já é mais do que sabido que os movimentos de esquerda não têm a menor chance de receber uma opinião favorável, mas alguns argumentos são ridículos. Para exemplificar, cito a reportagem sobre a Marcha dos 100 mil. A revista publicou uma fotografia de vários líderes de esquerda em cima de um palanque, alguns deles com telefones celulares na cintura. Em volta dos aparelhos havia aqueles famosos círculos que a imprensa freqüentemente usa para chamar atenção para algo. A reportagem ridicularizava o movimento porque esse condenava a privatização da telefonia, mas seus militantes usufruíam dos benefícios trazidos pelas empresas estrangeiras, como a popularização dos telefones celulares. E a presença desses círculos… que muitas vezes aparecem para destacar algum criminoso perigosíssimo, procurado por todo o país.
Veja tem profissionais e uma estrutura realmente invejáveis, e teria tudo para ser, não só a mais vendida, como também a melhor revista do país. Mas deveria desistir de manter esse comportamento birrento e implicante, abolir o uso de argumentos totalmente descabidos, desistir de bater sempre na mesma tecla e defender suas opiniões de maneira digna.
(*) Estudante de Jornalismo da Ufes