Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A Narcísa pode, a Mesquita não

DIPLOMA EM XEQUE

José Antônio Bicalho (*) e João Norberto Barile (**)

Quem é essa moça, Narcisa Tamborindeguy? E por que ela pode escrever em jornal? E a senhora Cristiana Mesquita? Por que ela nunca pode escrever ou colocar seu rosto na mídia do país?

Num tempo em que coluna social virou coluna política, a discussão sobre a obrigatoriedade do diploma ameaça cair no ridículo. Claro, é assunto importante. Mas pegue um jornal do dia. Qualquer um. Leia de cabo a rabo e diga com sinceridade: poderia ou não ter sido escrito por pessoas mais bem formadas?

Da Narcisa todo mundo já ouviu falar. Difícil não tropeçar em certas figurinhas festejadas pela imprensa. Têm muito a dizer… Rara a semana em que não aparece em algum caderno cultural. É autora do livro Ai, que loucura, que trata de suas peripécias no jet set. Cansou de apenas dar entrevistas. E passou a escrever em jornal. Para regularizar-se em sua nova atividade, está comprando diploma de jornalismo numa "indústria de canudos" do Rio de Janeiro.

Não mata. Mas leva ao CTI

Já a senhora Mesquita começa agora a ser conhecida pelo público do Jornal Nacional. Ela ainda está fora dos padrões globais. Engasga de quando em vez, está pouco à vontade diante da câmera, mas é jornalista no sentido mais nobre da palavra. A senhora Mesquita mudou-se para a Inglaterra há anos. Não tem diploma e, por isso, não conseguia trabalhar no Brasil. Contratada por uma agência internacional de notícias, foi a primeira brasileira a chegar a Cabul, no ápice da guerra do Afeganistão. E a Globo contratou seus serviços antes que outra emissora o fizesse.

Mas Narcisa pode, e a senhora Mesquita não. Ante a atual legislação, que obriga a apresentação do diploma de curso superior em Jornalismo para o exercício da profissão, qualquer sindicato de jornalistas certamente sairia vitorioso numa representação contra as aparições da senhora Mesquita na tela da Globo. Façam isso! O debate ficaria menos hipócrita.

Qual é, na verdade, o objeto de discussão? O diploma, obtido em quatro anos de freqüência mínima às aulas e do pagamento das mensalidades. "O que se discute é a formação necessária para o exercício da profissão", diriam os colegas de Narcisa. Mas 51% das escolas de Jornalismo do país foram reprovadas no último provão. Repito para quem não entendeu a gravidade da informação: mais da metade das escolas que fornecem diploma para o exercício profissional do jornalismo no país é uma "bomba", de acordo com os critérios de avaliação do Ministério da Educação.

É certo que pode haver boas escolas de Jornalismo, pelo menos em tese, que serviriam como referência à boa e indispensável formação dos profissionais da imprensa. Pois, acabando com a obrigatoriedade do diploma, só estas restarão. Toda a grande maioria de embusteiros, larápios e aproveitadores da ingenuidade de moços e moças sumiria do mapa.

Por que então não acabar com essa doença que, se não mata, não deixa a imprensa sair de um eterno CTI? Segundo Alberto Dines, o mais arguto crítico da imprensa brasileira, "os diplomados pelo privilégio foram cúmplices de um dos mais concentrados processos de degradação da história do nosso jornalismo". Este é o ponto.

Fama desproporcional

Estamos discutindo um "privilégio", do qual se beneficiam escolas pouco sérias, jornalistas expurgados das redações e transformados em professores e profissionais medíocres protegidos por reserva de mercado.

A desculpa de que o fim do diploma significará achatamento salarial ou mais demissões é hip&oaoacute;crita. A defesa de salário e emprego é atribuição do sindicato, que deve representar o jornalista que está na redação qualquer que seja sua formação acadêmica ou credo religioso.

Sejamos sinceros: qual a melhor formação acadêmica para um jornalista da editoria de Política, por exemplo? Não parece óbvio que é Ciências Políticas? O mesmo não vale para os cadernos de Economia, Cidades, Cultura, Agropecuária e todos os demais?

O debate atual é pobre porque estamos tratando de uma das mais nobres funções existentes numa sociedade democrática. No lugar da reserva de mercado, deveríamos estar discutindo a necessária exigência da exclusividade para o exercício profissional. E a formação de um conselho de ética atuante e com reais poderes punitivos contra abusos de jornais e jornalistas.

Fico imaginando o que meu avô diria sobre a fama desproporcional entre as senhoras Narcisa e Mesquita e me lembro de frase desta última: "Sou de um tempo em que para se ser conhecido era preciso ser importante. Hoje basta ser conhecido que já se é importante".

(*) Jornalista diplomado <jbicalho@yahoo.com.br>; (**) jornalista não-diplomado <j_barile@hotmail.com.br>