ABC DO JORNALISMO
Alberto Dines
A festa de encerramento deste primeiro ano do pós-graduação em Ciências Brasileiras converteu-se em portentosa Aula Magna proferida pelo Chefe da Nação com profícuos 87 minutos de duração, ao longo dos quais os 176 milhões de alunos aprenderam um monte de coisas sobre eles mesmos. Inclusive os economistas, filósofos, empresários, estatísticos, historiadores, geógrafos e cientistas políticos.
Os jornalistas foram privilegiados com, pelo menos, cinco proposições originalíssimas:
1. "Notícia é aquilo que não queremos que seja publicado. O resto é publicidade."
2. "Portanto, se falarmos menos e falarmos apenas o necessário, certamente ficaremos mais felizes a cada manhã quando abrirmos as páginas dos jornais e das revistas."
3. "A imprensa, na verdade, é como coração de mãe: por mais que a gente briga com ela, a gente sabe que precisa dela."
4. "Então, em vez de brigar [com a imprensa ] é melhor estabelecer uma política de boa convivência que todo o mundo ganhará mais."
5. "A vocês, jornalistas, tenham paciência comigo que eu tenho com vocês [aplausos da bancada da imprensa]."
No fundo, as proposições são complementares, peças de um mesmo raciocínio. Reunidas, relidas e reavaliadas revelam uma curiosa coerência que seria salutar não fosse a cândida revelação nela embutida, quase uma fixação:
É imperioso que a imprensa fale bem do governo. Se os ministros falarem pouco ? escondendo o que poderia gerar debates ?, se os jornalistas tiverem a mesma paciência com o governo que o governo tem com os jornalistas, e, se mesmo assim, as notícias publicadas não agradarem, esquece-se o jornalismo e recorre-se à publicidade. Com uma boa convivência todos ganham mais. A imprensa deve funcionar como um generoso coração de mãe capaz de esquecer os defeitos do filho (o governo), assim como o filho não enxerga as obsessões da mãe (a imprensa).
Interessantes são os comentários que a fala do trono suscitou na imprensa:
** Comentário de Teresa Cruvinel (O Globo, 18/12, pág. 2):
"As mágoas a que se refere [o presidente] vêm do tempo em que o PT era oposição e não merecia os mesmos espaços dados ao governo. Como hoje acontece com o PFL e o PSDB. É natural, embora o PT não tenha do que reclamar, suas denúncias sempre foram divulgadas, bem como suas propostas políticas.
Ruim mesmo foi o remédio receitado: falar menos para que os jornais do dia seguinte fiquem mais agradáveis. Lula e boa parte do governo continuam ignorando que, uma vez no governo, a comunicação com a sociedade, para ter credibilidade, passará pelos meios de comunicação e não pelo marketing, mais importante na campanha."
** Na notícia (isto é, no relato que o governo não gostaria que fosse publicado), o Estado de S.Paulo reproduz trechos do discurso em que o presidente menciona a imprensa e acrescenta algumas informações (notícias?) sobre o comportamento do Secretário de Imprensa da Presidência, Ricardo Kotscho, com os jornalistas que desobedecem suas recomendações (19/12, pág. 5; veja íntegra da matéria na rubrica Entre Aspas, nesta edição do OI).
** A informação (notícia??) publicada pela Folha de S.Paulo (mesmo dia, pág. A 4) tem o mesmo título do concorrente e acrescenta alguns detalhes (noticiosos?) sobre a preparação do discurso e do evento.
Uma coisa é certa: foi infeliz a incursão presidencial na teoria jornalística. Revela uma faceta voluntarista até então reservada aos críticos em matéria econômica ou política e poderá gerar perigosas confusões.
Se a mídia insistir no seu aspecto noticioso ? isto é, publicar notícias ? vai gerar muita irritação. Em compensação, será privilegiada pela publicidade.
Mãe é mãe.