Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A obrigatoriedade é boa ou ruim?

A VOZ DO BRASIL

Rodrigo Quik (*)

Debates infindáveis rondam desde sempre sobre o único programa radiofônico obrigatório do país: A Voz do Brasil. Para que serve, de que adianta, quando, onde e quando surgiu a necessidade de se ter um porta-voz governamental. E por que o ouvinte tem que abdicar de uma hora de sua opção musical ou de notícias para ouvir o que tem acontecido nos Três Poderes?

O país passava por séria crise ? novidade ? no governo do então presidente Getúlio Vargas, e a participação ideológica da esquerda na sociedade crescia, fortalecida pela perda de popularidade do governante. Em 1935, numa tentativa de ter as idéias vigentes divulgadas de uma forma mais ampla, surgiu A Voz do Brasil. Ou seja, nos primórdios do fechamento do regime, da instabilidade política e do levante comunista.

O argumento usado foi o de que o governo deveria divulgar para todo o Brasil suas realizações, no momento em que o rádio atingia importância como meio de comunicação de massa de grande penetração num país de dimensões continentais, e, portanto, com imensas dificuldades na comunicação e transmissão de informação. No apagar da luzes, Getúlio deixou de herança esse obscuro e mal produzido programa de início da noite. E, quase 70 anos depois, A Voz do Brasil continua firme e forte.

Mas, por que tanta gente reclama e o programa continua aí, intocável? Em São Paulo, numerosas rádios já conseguiram na Justiça o direito de não transmiti-lo. No restante do país, porém, salvo exceções, isso não ocorre. Até mesmo por uma questão política. Talvez São Paulo possa se dar o luxo de enfrentar lobbies políticos poderosos, devido a sua quase independência em todos os campos. O problema é que nas outras cidades, inclusive em capitais, não se pode simplesmente radicalizar a relação com o poder, pois não há base de sustentação econômica nem política que garanta a sobrevivência de um meio de comunicação que se indisponha sistematicamente com o governo.

Prós

Com isenção ideológica e cultural, será que A Voz do Brasil é de todo ruim? É sabido que o aparelho mais possuído no país é o rádio. Até mesmo em lugares que não há luz há rádio. Essas localidades têm como único meio de comunicação esse instrumento, a forma exclusiva de aproximação com o país-continente em que essa população habita, trabalha e vota; a única de se manterem informados sobre o que acontece com seus governantes. Independentemente de que seja da maneira correta ou não.

Nos debates em que há componentes da classe média cultural execrando essa forma de comunicação do governo, há sempre elementos de contradição e preconceito. Quase nunca o país é avaliado globalmente, apenas superficialmente. São também essas pessoas que, em época de eleição, posam como conscientes e sabedores do assunto "política", discursando o batido, porém inesquecível chavão "agora eles aparecem". Na verdade, eles estiveram presentes o ano inteiro na Voz do Brasil. Será que essas mesmas pessoas acham que os meios de comunicação privados colocarão de graça um político em seu precioso espaço para propagar suas idéias ou seus feitos?

Os grandes centros podem odiar o programa, mas ele serve, sim, à imensa população que não tem outra forma de saber o que acontece no país, seja por TV, jornal ou internet. Além disso, o poder público tem que ter espaço oficial, até pelo motivo já mencionado, o de que nenhuma instituição privada tem o dever de falar do que é público. Aliás, isso é um dos fatores positivos da mundialmente aclamada democracia brasileira. Justo pelo fato de o governo não intervir nas comunicações, pelo menos deliberadamente, precisa haver um porta-voz oficial. Em todos os países considerados democráticos há espaço na mídia reservado ao governo. E, em muitos tidos como tal, simplesmente dominam toda a comunicação aberta, gratuita.

Contras

Em contrapartida, as rádios reclamam com toda a razão em vários aspectos. O principal ponto aborda a perda de audiência e, conseqüentemente, de anunciantes. O problema é que realmente o programa vai ao ar na hora de rush das grandes cidades. Ou seja, um bom momento para se ouvir rádio. Para se ter uma idéia, antes de entrar no ar a audição é de 20%. Durante, 5%. Depois, 10%. Resultado: perdem todos.

Outro empecilho: sua produção. Não h&aacuaacute; nada mais vagaroso, do ponto de vista da dinâmica de comunicação, do que o programa, podendo ser comparável às aulas de laboratório de cursos de radialismo para alunos dos primeiros períodos, tamanha a lentidão e falta de recurso e senso de onde e como se deve colocar a informação. A impressão que se tem é que lá trabalham as mesmas pessoas de quando foi criado. E com a mesma carga discriminatória que dominou o serviço público nas décadas de 80 e 90: burocracia e ineficiência.

Soluções

O que deveria ser feito?

Antes de mais nada, o diálogo entre as partes envolvidas. Não é possível, em pleno século 21, haver espaço para falta de conversa e consenso entre o poder público e o privado. Ainda mais em se tratando de um assunto tão amplamente debatido.

Uma das alternativas propostas pelas detentoras das concessões é a liberação do horário de exibição do programa. As emissoras propõem a transmissão às 22h, quando a audiência já é mais reduzida. Por outro lado, o governo perderia público, o que não avança a discussão.

O que poderia ser proposto é o parcelamento do programa, como boa parte dos partidos políticos faz atualmente. Poderiam ser dados cinco minutos a cada hora de transmissão, em 12 horas seguidas, nos principais horários, mas no momento em que cada emissora achasse pertinente. Isso geraria a criação de uma dinâmica ? se não do jeito correto, que seja reduzindo drasticamente o tempo ?, e as rádios ganhariam o horário nobre de volta para transmitir e anunciar o que bem entendessem.

Não é bom nem para o poder dominante nem para o dominado criar atritos ? desnecessários, diga-se de passagem. Mas há solução. Basta que os envolvidos queiram resolver. Dessa forma ganharão ouvintes, anunciantes e sociedade.

(*) Jornalista, publicitário, pós-graduando em Gestão da Cultura, produtor cultural e músico das bandas Perdidos na Selva e Narjara