Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A pesquisite e as comidinhas mortas

LEITURAS DE ÉPOCA

Cláudia Rodrigues (*)

A revista Época publicou matéria de destaque sobre alimentação de bebês de 0 a 2 anos. Uma pesquisa da Gerber, fabricante de papinhas, motivou a pauta. A empresa, interessada em saber por que o consumo de comida industrializada para bebês era baixo, descobriu que as mães brasileiras alimentam mal seus bebês. A molecada, que vive de Norte a Sul do país, passa à base de refrigerantes, salgadinhos e doces.

Época publicou a pesquisa, fez uma matéria cheia de firulinhas ? inclusive enfiou uma colherada a mais de citações sobre as últimas medidas tomadas nos EUA para crianças em idade escolar ?, mas não disse nada com nada a respeito de uma boa alimentação para bebês, o que certamente seria de interesse maior para o leitor.

Ficou subentendido que a alimentação ideal para bebês acima de seis meses é papinha. Industrializada.

Exemplo do que se faz nos EUA é importante por quê? E a matéria não era sobre alimentação de bebês? Ah, tá certo, mas é de menino que se torce o pepino. Muito bem, e não havia nenhum exemplo brasileiro?

Labirintite da informação

Por que as revistas brasileiras adoram dar exemplos americanos? Tem Japão, Finlândia, Holanda, Suécia… São tantos países que cuidam melhor das crianças e dos direitos maternos… Ser aculturado pelos EUA já foi um destino sem sorte, agora, persistir desse jeito… Obrigar toda a gente, semana após semana, a saber o que fazem os americanos, o que os americanos fazem em todos os setores de suas vidas…

Será que o repórter não sabe que no Brasil já existem convênios entre prefeituras e produtores de comida natural? Pode ser que não saiba. Ninguém nasce sabendo, embora curiosidade seja uma qualidade primordial para um jornalista. Bem, mesmo não sabendo, não tendo ocorrido ao editor pautar o repórter para encontrar exemplos brasileiros, por que será que, entre as doenças causadas pela má alimentação, a principal e mais nociva delas, o câncer, não foi citado?

Será que é porque a papinha da Gerber tem conservante?

Será que mesmo não tendo conservante a papinha da Gerber e outras papinhas industrializadas ? comidinhas mortas ? sem os tais pedaços sólidos necessários a partir dos seis meses, sem as vitaminas e singularidades de uma comida fresca, são mesmo o melhor para o bebê?

Em resumo, a ignorância alimentar é uma prática das mães brasileiras. Como remédio informativo nada melhor do que a matéria da Época: troque os salgadinhos por uma papinha pronta.

Até a próxima pesquisite. Quem sabe vem sob encomenda de alguma associação de produtores de alimentos orgânicos ou algo que o valha? Pelo menos teríamos uma matéria-press-release interessada em beneficiar a saúde dos bebezinhos, e não da indústria.

Talvez um jornalismo de causas e de bandeiras seja a saída para essa labirintite da informação.

(*) Jornalista