ARMAZÉM LITERÁRIO
Autores, idéias e tudo o que cabe num livro
RESENHA
Leneide Duarte
Propaganda e cinema a serviço do golpe (1962-1964), de Denise Assis, Mauad/Faperj, 100 páginas
Jango caiu por suas qualidades e não por seus defeitos. Essa frase costumava ser repetida por Darcy Ribeiro, que foi Chefe da Casa Civil do Governo João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964. Darcy se referia ao excesso de tolerância ? e a uma certa nonchalance ? com que o presidente e seus ministros viam armar-se o cenário que levaria à queda do governo constitucional.
Uma das armas dos que derrubaram Jango foi o cinema. Para demonstar como o cinema documental e a propaganda que nele se inseria ajudaram a cimentar o golpe durante os dois anos que o precederam, Denise Assis escreveu o livro Propaganda e cinema a serviço do golpe: 1962-1964, um bom trabalho de recuperação da história brasileira.
O livro é, na realidade, a história do Ipês (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais), fundado em 1962 com o único objetivo de preparar a sociedade brasileira para o golpe. Financiado por grandes empresas ? apenas cinco grandes arcavam com 70% das contribuições ? o Instituto minava o governo João Goulart ao demonstrar, por meio de filmes documentais, como o Brasil estava funcionando mal e o que era o ideal de país dos que inspiravam o Ipês. Enfim, o Ipês, cujo ideólogo era ninguém menos que o general Golbery do Couto e Silva, tinha como missão a produção das condições políticas e mentais para o golpe.
Como agia o Ipês? É isso que o livro detalha em um texto que lembra o de uma longa reportagem, com sub-retrancas que são capítulos especiais. Para a análise dos 14 filmes patrocinados pelo Ipês, Denise Assim chamou o roteirista, jornalista e escritor José Louzeiro. Para traçar o perfil das cinco maiores empresas patrocinadoras do Instituto ? Listas Telefônicas Brasileiras, Light, Cruzeiro do Sul, Refinaria União e Icomi ?, a autora do livro pediu a colaboração da jornalista Marion Monteiro.
Uma das revelações do trabalho foi que o consagrado escritor José Rubem Fonseca era o autor dos roteiros dos documentários do Ipês. Denise conta que, além de roteirista, José Rubem era integrante do comitê executivo do Ipês e "se dedicava também à tarefa de redator de cartas endereçadas às instituições formadoras de quadros e lideranças".
Um dos braços mais atuantes dos golpistas do Ipês é mostrado por Denise no capítulo intitulado "Mulheres: Por Deus e pela família". Foi a Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE), que promoveu a famosa Marcha da Família com Deus pela Liberdade. "Um dos pontos estabelecidos para as militantes era nunca dizer que estavam combatendo o comunismo, mas, sim, trabalhando em defesa da democracia." Outra preocupação da CAMDE, além de defender a fam&iaiacute;lia e a moral cristã ? por intermédio de campanhas pagas por jornais e pedindo censura a filmes e peças de teatro ? era difundir o controle populacional. Daí a importância do trabalho entre as mulheres de baixa renda.
Num dos capítulos em que retrata o cenário nacional político e cultural que antecedeu o golpe, Denise derrapa. E isso se dá em dois momentos: quando atribui a Jean Paul Sartre o livro Tristes Trópicos, de Claude Lévi-Strauss, e ao atribuir à Campanha da Legalidade ? orquestrada por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul ? o objetivo de instituir o parlamentarismo. Todos sabem que a campanha teve como objetivo garantir a posse do vice-presidente eleito, João Goulart, depois da renúncia do presidente Jânio Quadros.
Esses escorregões, no entanto, não chegam a comprometer o trabalho de Denise, uma grande reportagem de uma jornalista experiente que contribui com seu livro para recuperar parte da história recente do país.
Armazém Literário ? próximo texto