AFEGANISTÃO
Any Bourrier, de Paris (*)
A queda dos talebans e a chegada da missão de paz das Nações Unidas (ISAF) no final de 2001 modificou substancialmente a situação da imprensa no Afeganistão.Em menos de um ano, uma centena de novos jornais e revistas foram lançados em Cabul, a capital.
Trata-se, sem dúvida alguma, de um balão de oxigênio para editores e leitores depois dos 23 anos de chumbo de ocupação soviética, guerra civil entre mujaidins e de repressão implacável por parte dos fundamentalistas islâmicos ? os estudantes de religião formados nas "madrassas", as escolas corânicas do Paquistão.
Mas a nova imprensa é ainda muito frágil.Os jornais recém-lançados só existem porque a ajuda financeira de organizações internacionais é regular e farta.Alguns sobrevivem com dificuldades, outros só duram alguns dias, às vezes uma semana. Isto porque o poder aquisitivo da população é baixo e o Afeganistão tem hoje a maior taxa de analfabetismo do mundo ? 85% dos afegãos não sabem ler nem escrever. Por isso o problema da sobrevivência econômica da imprensa recém-nascida é crucial, já que a ajuda externa só vai durar um tempo, o da permanência da missão da ONU no país. Nota-se, porém, que o entusiasmo dos profissionais é imenso, sobretudo depois que conseguiram a aprovação da "lei da imprensa", votada em março 2002, uma lei que é considerada a mais liberal de toda a Ásia Central.
O plano de ação para a reconstrução da imprensa escrita no Afeganistão foi elaborado e aprovado por cinco ONGs, entre elas Article 19, da Inglaterra, Reporteres sem Fronteiras, da França e Internews, americana. O documento enumera as regras de base para que exista no país uma imprensa com total liberdade de opinião e de expressão e cria uma autoridade independente à qual cabe defender estas liberdades frente ao poder político e às tentativas de censura.
Por enquanto, a principal fonte dos jornais de Cabul são as informações fornecidas pelas autoridades e pelo governo. Mas como não existe nenhum orgão de censura, os jornais podem publicar o que bem entenderem, desde que não ofendam o Islã. Mas, de acordo com os observadores, para que os jornalistas sejam independentes vai ser preciso treiná-los, já que por 23 anos não tiveram a oportunidade de exercer a profissão segundo as regras éticas e deontologicas que os seus colegas dos países democraticos obedecem. Assim, o grande problema da imprensa no Afeganistão atualmente é a falta de escolas de jornalismo para ensinar os repórteres, editores ou simples estagiários a serem críticos no tratamento das informações oficiais.
Posições críticas
Entre os principais títulos lançados desde o inicio do ano desponta Kabul Weekly, um semanário independente que já existia sob o regime dos talebans. Foi fechado e relançado em 24 de janeiro deste ano. Desde a primeira semana sua circulação atingiu 4.000 exemplares, cifra relativamente alta se se levar em conta o poder aquisitivo da população e o analfabetismo vigente no país. Kabul Weekly tem 8 páginas ? 6 delas nas língua dari (persa) e pashtu, os dois idiomas oficiais do Afeganistão. As duas outras páginas são publicada em inglês e em francês.
Kabul Weekly só dispõe de uma área de 12 metros quadrados para ser editado e impresso. Paga salários baixos (1 dólar por dia) aos sete jornalistas que fazem tudo: textos, fotos, cartuns e produção gráfica. O jornal conta com o apoio da Unesco, que compareceu com um financiamento de 20.000 dólares no inicio do ano, e da ONG Aina, que instalou num prédio semi-destruido o "Media Center" onde estão sediados os jornais e revistas mais importantes de Cabul.
O primeiro diario que apareceu no Afeganistão depois da queda dos talebans chama-se Daily Arman: 4 páginas, em inglês, 4.000 exemplares e o apoio financeiro da Aliança do Norte, o grupo étnico, político e militar liderado pelo falecido comandante Mohamed Shah Massud. Trata-se de um jornal que apóia o presidente Hamid Karzai e é considerado pelos "cabulis" (os moradores de Cabul) como um veículo de propaganda do governo.
Outro diário que tem divulgação significativa é o Cabul Times, cuja circulação anda por volta dos 1.000 exemplares. Embora os boatos digam que é financiado pelo governo, assumiu posições críticas durante a reunião da Loya Jirga, isto é, o conselho de chefes tribais que determinou as regras de transição política do país, em junho passado.
Primeira edição
A imprensa feminina é particularmente variada. Talvez porque durante os seis anos de regime taleban as mulheres tenham sido reprimidas e punidas, sendo obrigadas a usar a infame "burka" que escondia seus corpos e rostos dos olhares masculinos. Elas, hoje, tentam não somente recuperar parte do poder perdido como também utilizar a imprensa para dar apoio moral às irmãs que tanto sofreram por causa dos estudantes de religião, e a ensinar-lhes a viver novamente sem medo. Malalai, nome de uma lendaria heroina afegã, é o título de um semanário de serviços para as mulheres lançado em fevereiro, e que também abre espaços para noticias políticas e culturais.
Roz ( Esperança) é o segundo semanário para mulheres com boa circulação. O grupo francês Hachette está investindo 80.000 dólares por ano na revista ? tanto para que seja bem editada quanto ajudar na sua divulgação na capital e nas 16 províncias do Afeganistão. Por enquanto, a tiragem de Roz é de 3.000 exemplares.
Um sucesso notável no país é Zambi é Gham (a charrete da tristeza), uma revista mensal de caricaturas e sátiras. Graças a esta publicação os afegãos redescobriram o riso e o sorriso, proibidos durante o periodo da opressão fundamentalista. Vale ainda registrar o aparecimento do jornal Kilid, um caso à parte na midia afegã: éacute; o único diário distribuído nacionalmente e sua circulação já chegou a 15.000 exemplares/dia. Kilid é um jornal independente, que dá ênfase a notícias práticas, aos serviços e não tem conotação política. Seu financiamento partiu da Comunidade Européia.
Na segunda-feira (9/9), foi lançado o primeiro número de Les nouvelles de Kaboul (As notícias de Cabul), um jornal mensal financiado pela Fundação André Lévy e destinado à comunidade internacional e aos funcionários das organizações humanitárias presentes no Afeganistão. É o resultado de um projeto do filósofo Bernard-Henry Lévy com o apoio do governo francês e da Comunidade Européia. Os artigos de mensário são em francês, dari e pashtu, o preço de capa é 1 dólar e seu diretor-editor-chefe, Olivier Puech, pretende vender 1.000 exemplares por mês com o intuito de obter uma renda mensal de 150 dolares até o final do ano, quando o título (8 páginas em preto e branco, uma foto na primeira página e nenhuma publicidade) se transformará em revista semanal.
(*) Jornalista da Rádio France, em Paris