F. G.
Ainda não acabou a saga de Andrei Babitski, aquele jornalista de Moscou que cobria a guerra na Chechênia para a Rádio Liberdade e acabou "trocado" por soldados russos. Depois de ter virado manchete no mundo inteiro pelo seu misterioso desaparecimento, Babitski ressurgiu no Daguestão. E acabou preso de novo, dessa vez porque teria usado um passaporte falso para entrar no país.
Em janeiro deste ano ele foi jogado num campo de concentração administrado pelos russos na Inguchétia, onde testemunhou torturas e espancamentos de chechenos capturados pelas tropas de Vladimir Putin. Também levou sua dose de socos e foi deixado de molho até as marcas desaparecerem, para que não escancarasse para o mundo nova atrocidade dos conterrâneos.
Ele já era uma pedra na propaganda russa desde os tempos do primeiro conflito com a Chechênia, quando relatou em detalhes uma série de fatos humilhantes para as então tropas de Yeltsin, e repetia o feito nesse segundo capítulo da briga. Foi capturado em Grozni durante uma ofensiva russa e levado sob a acusação de não ter as devidas credenciais para a cobertura que fazia para a Rádio Liberdade, rede financiada por Washington e sediada em Praga que transmite programas para países considerados sem liberdade de imprensa desde a construção da Cortina de Ferro.
Quando colegas mundo afora fizeram barulho, com apoio explícito de autoridades européias e americanas, o Kremlin deu um jeito de gravar um duvidoso vídeo em que Babitski se dizia bem e com os chechenos. Depois de desmentidos do lado dos chechenos, a versão russa mudou meia dúzia de vezes até chegar um outro vídeo, no qual o jornalista aparecia sendo entregue a homens encapuzados, alegadamente rebeldes chechenos, em troca de soldados russos capturados pelo inimigo. O pastelão seguiu-se com uma controvérsia sobre os nomes dos russos "libertados": um deles aparecera dias antes numa lista de pessoas libertadas por uma "heróica ação das tropas russas", segundo a propaganda oficial.
Dias depois Babitski apareceu no Daguestão, contando que não sabia quem eram os homens a quem tinha sido entregue (ressalvando porém que falavam russo, e não checheno) e que chegara ao país pelas mãos do grupo, que inclusive lhe forneceu passaporte do Azerbaijão para que pudesse atravessar a fronteira. Foi pego por policiais que, por "coincidência", verificavam passaportes no café do hotel em que Babitski acabara de se hospedar, em seu primeiro dia de liberdade e ainda sem condições de entrar em contato com a família e o mundo (se na Rússia uma ligação telefônica local já é difícil, imaginem uma chamada internacional do Daguestão…). Foi preso, interrogado e depois levado em avião do governo para Moscou, onde aguarda julgamento.
Acontece que Babitski fora proibido de sair do país – uma ordem de prisão domiciliar durou um dia e foi revogada, quando o juiz que a assinara recebeu a informação, da Anistia Internacional, de que esse tipo de sentença fora extinta com o fim da União Soviética.
A impossibilidade de sair do país impediu Babitski de receber um prêmio na Romênia, em julho. Ele também nunca pôde vir a Praga, ao quartel-general da rádio para quem trabalha.
Somente agora, depois da interferência dos parlamentares Yuri Shchekochikin e Sergei Yushenkov, e dos protestos publicados no jornal Novaya Gazeta, assinados pelo editor-chefe Dmitry Muratov, é que o procurador-geral fez pedido de permissão para o jornalista viajar – que foi atendido.
O advogado contratado pela Rádio Liberdade, Genri Reznik, disse que mesmo assim Babitski foi "avisado", em telefonema anônimo, de que se abrisse a boca e insistisse em relatar o que viu certamente sofreria represália. Para garantir, deixaram claro que agentes da FSB, a sucessora da KGB, estariam sempre em suas viagens ao exterior.
O Ministério do Interior russo acusa o jornalista do crime de usar documentos que não lhe pertenciam, o que pode acabar em pena de dois anos – não só de cadeia, mas de trabalhos forçados!
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