Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A soberania é possível

CARTAS

LEI ALDO REBELO

A minha alma engrandece ao Senhor, quero exclamar, à semelhança de Nossa Senhora quando concebeu, depois de ler o artigo de Carlos Vogt, poeta, lingüista, professor universitário e ex-reitor da Unicamp. Assim é que se escreve. Tentei endossar os esforços do deputado Aldo Rebelo para coibir os abusos de neologismos, mas não consegui obter nem a clareza, nem os argumentos de Vogt. Acho que perdi a serenidade ? e sinceramente não sei como é que Vogt a conserva ? diante não apenas do descalabro dos abusos, mas dos tijolos que saíram nos suplementos, de repente transformados em olarias, com o único propósito de ridicularizar o parlamentar.

Um dia antes de o Observatório ser atualizado, estava percorrendo as ruas de São Carlos em companhia do brasilianista suíço Albert von Brunn (autor de livros sobre Antonio Callado e Moacyr Scliar), que aqui veio falar sobre Trilhos de papel ? o trem na literatura brasileira, abordando a obra de Geraldo Ferraz, Roberto B. Martins e Murilo Rubião, e ele me perguntou o que era "sale", que ele vira escrito na vitrina de uma loja. "Estudei português dez anos e não conheço essa palavra", ele me disse.

Ao saber que não era palavra portuguesa, perguntou o óbvio: "Mas por que não escrevem liquidação?" Porque em nosso país é assim, as coisas decisivas parecem ocorrer mais no varejo do que no atacado. O gerente de uma loja vai ao Paraguai ou à Disney ? o que dá no mesmo, os sacoleiros todos se parecem, façam seus tráficos de ônibus ou de avião ? e tasca "sale" na vidraça porque as vendas caíram. Escreve que o desconto é de 50%, o que, ainda assim, lhe dá um lucro de 100%, porque estava vendendo a margens ainda mais escorchantes. Outros o imitam. E de repente o besteirol toma conta.

No passado houve esforços diferentes. No futebol, por exemplo, conseguimos desneologizar todas as palavras importadas. É nosso melhor exemplo de que é possível manter a nossa língua soberana diante desses abusos todos. Assimilar é uma coisa, submeter-se é outra. Parabém a Carlos Vogt!

Deonísio da Silva, escritor

Não creio que seja o caso de se cercear a entrada de termos alienígenas em nossa língua, porque é uma forma de enriquecê-la, mas de acatar aqueles que possam coadunar-se com a nossa prosódia, ou que possam ser adaptados à nossa língua falada e escrita sem percalços. Por isso, "foot-ball" passou a ser "futebol" em português (como "fútbol" em espanhol), pois ninguém se acostumou com "balípodo", assim como com "cinesíforo" (ambas de eufonia horrível); "chauffer" se transformou em "chofer" e finalmente "motorista".

Por outro lado, não vejo sentido em acolher palavras como "outdoor", que mesmo em inglês é uma formação espúria, pois não quer significar exatamente aquilo que é, quando temos "painel", que é um termo perfeitamente compreensível. Quisemos ser mais realistas do que o rei ao importar "shopping", quando os americanos dizem "mall". Felizmente, alguém de bom senso tratou logo de mudar "outlet" para "loja de conveniência".

Amaury Frossard Ribeiro

Sendo a nossa língua riquíssima, compartilho da preocupação sobre a invasão de termos em inglês. Esta invasão não é exclusiva de hoje, mas por conta da globalização está ficando avassaladora no seu caráter ideológico, principalmente na publicidade e nos meios de marketing. Gerenciamento de uma empresa é "management", plataforma oceânica é "off- shore", currículo profissional é "resumée" (palavra francesa importada via EUA). Deste jeito, vamos esquecer o português sem aprender o inglês.

Luiz Eduardo Amaral, Rio de Janeiro

Dizem os estudiosos em latim que este idioma passou por algumas transformações desde sua origem remota naquela pequena região itálica ? parte da Itália Central ?, se estendendo do nascedouro, ao longo do Mar Tirreno, à margem do Tibre aos povos que ali habitavam. Tais transformações (absorção parcial do alfabeto grego e modificações na pronúncia), períodos tradicional ou clássico, eclesiástico e restaurado, contribuíram para o aperfeiçoamento, inclusive, do português. Daí concluir-se que o Brasil como nação (no seu conceito mais abrangente) possui o somatório necessário de vínculos comuns, i.é, a raça, a língua e a religiosidade, pressupostos básicos da nacionalidade. O que dispensa, sem maiores delongas, acréscimos desnecessários ao nosso riquíssimo e variado vocabulário.

Logo, o projeto do deputado Aldo Rebelo deve ser encarado com maior seriedade, no sentido de que se estudem mecanismos de contenção a estrangeirismos, dos quais afloram vocábulos desnecessários, tendo em vista a existência de paradigmas perfeitos em nosso idioma. E o pior é quando se sabe que tais vocábulos são lançados em larga escala no meio comercial por empresas transnacionais apoiadas numa mídia cuja liderança se encontra nas mãos de agências de publicidade com predominância de controle acionário alienígena, acentuando ainda mais o nosso confessado colonialismo.

Acho que em termos de absorção de estrangeirismo já estamos bem servidos. Mudou-se o que tinha de ser mudado. O caso agora é de se conservar o que já está posto. Servatis servandis.

Almir Ramos

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