TV & WEB
Antônio Brasil (*)
Como será a televisão do futuro? Vou logo dizendo: não sei. Mas, assim como você, gostaria muito de saber. Entre tantas opções e especulações que variam entre os novos caminhos da internet e das últimas negociações nebulosas do meio digital, a verdade é que ninguém tem muita certeza de nada. Especula-se muito, mas de concreto mesmo só temos as indefinições típicas de uma daquelas encruzilhadas tecnológicas e das surpresas que o tempo sempre nos reserva.
Não tenho acesso a bola de cristal alguma ou muito mais informação que a maioria, mas muito interesse para pesquisar algumas alternativas para esse futuro. Motivação? Acredito na TV e na internet e não tenho muita paciência para esperar esse tal de "futuro" que até já pode estar aqui, entre nós. O problema é percebê-lo e aceitá-lo. Talvez seja interessante discutir algumas alternativas que são apresentadas para o nosso principal meio de comunicação de massa.
Nos próximos meses estaremos decidindo as alternativas digitais para a televisão numa discussão que já se prolonga por muito tempo e que envolve bilhões de dólares. Para determinar o futuro da nossa televisão, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) vai ter de bater o martelo entre vários sistemas digitais que estão sendo oferecidos por grupos poderosos. Sabemos, no entanto, que alguns desses sistemas ainda não estão totalmente desenvolvidos ou mesmo implantados em seus países de origem, mas isso não parece fazer muita diferença. Temos uma longa tradição de comprar tecnologia de ponta rapidamente, a preços astronômicos, sem pensar muito a respeito. O nosso velho Assis Chateaubriand, em outras épocas, num rompante de clarividência, decidiu tudo sozinho e assim nos tornamos o quarto país do mundo a ter televisão comercial. Tempos depois, durante mais uma ditadura, criamos um sistema de TV em cores único no mundo, o frankensteiniano Pal-M, mistura do pior americano com o distante europeu. O resultado não foi apenas "único", como muito mais caro e problemático do que qualquer outra alternativa mais óbvia. Mas deixa pra lá. No Brasil, preferimos não lembrar dessas coisas.
Tecnologia e conteúdo
Com muita "experiência" (que é, segundo Oscar Wilde, como costumamos chamar os nossos próprios erros) contamos os minutos para estabelecer vínculos econômicos e políticos definitivos com o nosso futuro digital. Esse assunto já foi muito discutido pela nossa imprensa em ondas de interesse e de desinteresse. Provavelmente será tudo decidido mesmo no segredo das comissões dos ministérios ou por mais uma medida provisória presidencial. A única certeza é de que essa decisão tão importante para todos vai valer bilhões de dólares para alguns e muitas decepções para outros. Quem viver verá.
Mas alguns pesquisadores de televisão não estão dando muita bola para essa vertente do futuro. Preferem pensar que, apesar de todas as dificuldades, o amanhã já está entre nós pela internet. Mas a verdade é que essa migração da televisão para a rede está passando por momentos difíceis. Como tantas outras promessas do universo pontocom, enfrentamos problemas de toda a espécie. Estes envolvem dúvidas que vão desde a questão financeira às restrições tecnológicas. Afinal, vale a pena ver TV na internet? Se vale, ver o quê? Até que ponto estaríamos dispostos a ficar esperando tanto tempo para acessar sites de difícil navegação, com telinhas mínimas e com imagens de baixa resolução? O grande problema é que todo esse esforço de acesso não contempla necessariamente nada de novo. A maioria dos sites que oferecem uma alternativa televisiva de vídeo ou imagens com movimento sofrem de um mal maior: grande parte desses canais possui uma péssima programação e seus conteúdos não conseguem ser melhores ou muito diferentes do que qualquer canal de TV aberta ou por assinatura ? estes, de acesso sempre muito mais fácil e imagem quase sempre excelente. Afinal, não se substitui uma tecnologia com mais de 50 anos e bem-sucedida de uma hora para outra.
Esse clima de impasse tem transformado a rede num verdadeiro cemitério de empresas digitais, algumas delas com propostas importantes mas todas muito complicadas e dispendiosas. A inclusão de recursos audiovisuais na internet nãatilde;o é um caminho fácil, embora inevitável. Mas também é claro que o crescimento vertiginoso do acesso à internet por banda larga tem proporcionado um aumento de qualidade e de velocidade, condições essenciais para qualquer possibilidade futura da TV na rede.
Ocorre que o enfoque da discussão está provavelmente errado. O problema não é tanto de tecnologia e, sim, de conteúdo. Ver na internet a mesma TV a que nos acostumamos a assistir com tanta facilidade e conforto não é o suficiente. É chato e complicado. As promessas de interatividade absoluta com a troca de e-mails entre os internautas e as estrelas dos canais de TV na internet também não são suficientes para evitar o fracasso de inúmeros projetos na área. Imitar mal a TV na internet é o melhor caminho para garantir o fracasso de mais uma boa idéia.
TV mecânica
O passado ou a experiência, como sempre podem nos garantir algumas boas referências para evitar os mesmos erros. Em 1928, em Maryland, Estados Unidos, um americano chamado Charles Jenkins inventou uma televisão mecânica ? um "rádio com imagens". A idéia era dar imagens, quaisquer imagens, às transmissões radiofônicas que se popularizavam cada vez mais, uma espécie de "rádiovisão". A tela de poucos centímetros era pequena, os tubos ainda de néon iluminavam um primitivo disco mecânico, e a baixíssima qualidade das imagens (a transmissão de baixa freqüência se limitava a curtas distâncias com um máximo de 50 linhas de resolução, contra as 525 linhas de hoje) não entusiasmou nem o público nem os publicitários. O interesse ficou restrito a alguns poucos entusiastas por tecnologia que foram logo tachados de "excêntricos". Ninguém conseguiu ver um futuro comercial para aquela invenção. Oferecer qualquer imagem não bastou para o sucesso do projeto da TV mecânica. Em verdade, elas não acrescentavam muito ao que já estava sendo oferecido como programação radiofônica. Ninguém percebia a utilidade daquela inusitada "maravilha".
Alguns anos mais tarde, outros inventores ainda tentaram oferecer ao público um telefone com imagem ? ou "tele-visão" ?, que também não conseguiria convencer ninguém da sua real necessidade. Aquela opção precoce de televisão, ou webcam do passado, era voltada somente no sentido "de um para um" e não "de um para todos". Ainda faltava alguma coisa.
A televisão, como a conhecemos, teria que esperar muitos anos para ressurgir no anos 40, com uma qualidade de imagem melhor e, dessa vez, com uma nova proposta diferenciada de linguagem: mostrar uma realidade "ao vivo" com potencial de transmissão universal, ou uma verdadeira "janela para o mundo".
As experiências de TV na internet têm muito a aprender com o pioneirismo e com o fracasso da televisão mecânica ou da tele-visão. Todos os que lutamos no meio e que acreditamos ser esse o caminho do futuro precisamos repensar o nosso público e o nosso conteúdo. Ninguém que acessa a rede está disposto a ficar totalmente imerso nas imagens como um telespectador tradicional numa sala de estar. O internauta não está assistindo ao computador. Ele está navegando na internet e deve estar também fazendo várias coisas ao mesmo tempo.
A questão da "convergência" não deve estar limitada à aglutinação dos diversos meios num único, mas também na possibilidade de o indivíduo executar diversas tarefas ao mesmo tempo. Escrevemos um texto, respondemos um e-mail enquanto ouvimos rádio e, como num buraco de fechadura, ainda damos uma espiada no que está acontecendo no Big Brother Brasil. Vemos na internet aquilo que não veríamos na televisão porque ela não consegue ou não se interessa em mostrar. A internet também é um ótimo veículo para saciar um voyeurismo crescente do público em geral. Foi provavelmente nos sites que mostravam a vida de algumas pessoas que surgiu a inspiração para todos os "reality shows" que hoje nos assolam.
Novos caminhos
A solução para as televisões na internet está em oferecer aquilo que a TV tradicional (aberta ou segmentada) não oferece, com a comodidade de não interromper outras tarefas. Em vez de imitar mal a televisão na rede deveríamos observar as características próprias da internet. O sucesso de sites com webcams, que transmitem 24 horas ao vivo exibindo a vida cotidiana de pessoas comuns que não fazem ou mostram nada de extraordinário, aponta o caminho. Como exemplo, temos o pioneiro e bem sucedido www.jennicam.com. Neste site, milhares de pessoas comuns podiam ver o dia-a-dia ainda mais comum de uma moça chamada Jenni e sem pagar nada. Jenni virou referência na rede, ficou famosa, fez vários amigos, viajou muito e recebeu muitas "doações".
Talvez esta seja a resposta para os nossos problemas. As pessoas querem ver na rede o que não conseguem ou não lhes é permitido ver na TV, mesmo que a imagem não seja muito boa. É uma alternativa de guerrilha de conteúdo e não simplesmente de guerrilha tecnológica. Não adianta competir com a televisão. Por pior que ela seja, ainda é muito mais fácil acessá-la do que qualquer site com imagens em movimento, utilizando a mais rápida das redes e o melhor dos computadores. O segredo está no conteúdo diferenciado e na linguagem criativa. A televisão mecânica nasceu fora de hora e morreu por falta de conteúdo. Ela não possuía uma tecnologia adequada e não oferecia linguagem própria ou uma alternativa ao meio predominante.
Em seus primórdios, a televisão enfrentou bravamente o meio cinematográfico com imagens em P&B de baixa resolução e péssima qualidade, mas tudo ao vivo e com muita comodidade para o telespectador. Com o tempo, desenvolveram-se o videoteipe e uma nova linguagem televisiva mais criativa, em cores, em casa e quase de graça. Hoje, assim como a TV tradicional no passado, a TV na internet também se encontra num impasse: compete com o meio predominante mas busca desesperadamente soluções mais ousadas e criativas. A TV na internet tem pressa e precisa, urgentemente, pensar em alternativas para ser o futuro, hoje.
Para os jornalistas de televisão ou de internet a questão é ainda mais importante. Oferecer matérias idênticas àquelas já produzidas pela televisão não cria uma alternativa. Reafirma preconceitos e estimula comparações depreciativas para o meio. Imagem em movimento na internet é caro e ruim. Mas mostrar como funciona os bastidores de uma redação de telejornalismo, o que está por trás das câmeras e das decisões, num verdadeiro "making of" dos telejornais, pode apontar novos caminhos. A idéia é mostrar ao público como as pautas são decididas, como as matérias são produzidas e editadas ou, simplesmente, como os apresentadores se preparam para entrar no ar. Mostrar tudo aquilo que não é mostrado. Não se trata de "voyeurismo telejornalistico", mas pode vir a ser uma solução para aumentar a transparência e a credibilidade dos nossos telejornais. Só assiste quem quer e quem se interessa. Mas assim como a MTV e a CNN provaram que existe público para clips de música ou notícias 24 horas, a internet poderia criar uma alternativa para os bastidores das notícias na televisão.
Sexo e notícias
Quando a televisão segmentada invadiu os parlamentos europeus, o Congresso americano e até mesmo o brasileiro, muita gente também acreditava que isso iria comprometer a democracia. A oposição e a resistência foram enormes. Mas o tempo mostrou que o público estava interessado em ver como se comportavam aqueles que foram eleitos para representá-lo e defender seus direitos. Nem sempre é divertido, mas em épocas de CPIs ou de decisões importantes, como já comprovamos recentemente, o interesse e a audiência explodem, no bom sentido.
Mas tem gente que garante que o futuro do telejornalismo não é necessariamente dar ao público acesso aos bastidores dos nossos telejornais na internet. Eles acreditam que jornalista pode continuar apresentando "reality show" como o Big Brother Brasil, ou mesmo participar de experiências como o Nakednews <www.nakednews.com> ? aquele site que, segundo a propaganda maliciosa, "não tem nada a esconder" e que tem obtido muito sucesso ao estimular os seus jovens repórteres e apresentadores a tirarem a roupa em frente às câmeras durante os noticiários.
Talvez o "nakednews" um dia seja até considerado como uma grande inovação da linguagem jornalística na rede. E não é para menos. Ao combinar duas vertentes das mais bem-sucedidas na internet ? sexo e notícias ?, o sucesso de público e de mídia já estava garantido. E quanto à nossa televisão? Não sei, não. Pobres dos nossos casais de apresentadores de telejornais. Prefiro nem pensar!
(*) Jornalista, coordenador do laboratório de TV, professor de telejornalismo da UERJ e doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICT/UFRJ.