Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A ética do furo

WALL STREET JOURNAL

Na imprensa americana são comuns as notas "vazadas" com informações estratégicas sobre empresas. Elas geram debate ético porque, em grande parte, são plantadas pelas companhias como parte de suas políticas de comunicação. Esse tipo de furo jornalístico pode mudar o rumo do mercado de ações e o fato de alguns jornalistas conseguirem a informação de modo privilegiado e não por mérito de apuração é mal-visto por críticos. "É uma prática perniciosa. De certa forma, algumas dessas pessoas estão negligenciando suas responsabilidades jornalísticas", ataca Jane Kirtley, professora de ética e legislação na mídia da Universidade de Minnesotta.

A SEC ? a Comissão de Valores Mobiliários americana ? não tem regras específicas sobre a cessão de informações a veículos de comunicação. Agentes do mercado só não podem passar dados de interesse público para outros investidores que poderiam se beneficiar disso. O hábito de plantar notícias sempre existiu, mas se estabeleceu mesmo a partir de meados dos anos 90. Steve Lipin, apurador incansável, assumiu a área de fusões e aquisições do Wall Street Journal em 1995. Colegas apontam que ele conseguiu muitos furos merecidos com trabalho suado. Exemplo extremo é o de quando ele ficou no telefone tentando confirmar a compra da Ameritech pela SBC Communications enquanto sua mulher estava em trabalho de parto. Quando as companhias se deram conta de que manter um negócio em sigilo era esforço gratuito por causa de repórteres como Lipin, optaram por administrar a divulgação da informação em vez de tentar evitá-la.

A prática de ganhar furos das companhias com exclusividade gera reclamações nos jornais concorrentes. Quando, em 1998, Lipin deu em primeira mão a compra da AMP Inc. pela Tyco International ? negócio de US$ 11,3 bilhões ?, o New York Times e o Financial Times ameaçaram boicotar a empresa em futuras notícias. O Journal é apontado pelos críticos como incentivador do furo "vazado" e comumente exigiria exclusividade às empresas sobre as notícias. Paul Steiger, editor gerente do jornal, rejeita as acusações: "É ficção a noção de que nossos furos nos são dados. Recebemos algumas coisas por causa de nossa preeminência como jornal de negócios líder no mundo. Somos isso porque trabalhamos duro. Se você compete conosco, poderia chamar de ciclo vicioso. Nós chamaríamos de ciclo virtuoso".

Hoje, receber notícia embargada ? aquela que é publicada em data determinada pelo informante ? é prática em quase todos jornais de negócios, aponta Dan Fost, do San Francisco Chronicle [1/9/02]. Contudo, o excesso de limitação que algumas empresas impõem ? há algumas que proíbem que o jornalista cheque a notícia com outras fontes ? tem inibido a publicação de notas plantadas, ainda mais numa época em que grandes empresas revelam não ser fontes muito fidedignas. A chiadeira de jornais concorrentes dos que publicam algo recebido em privilégio também tem feito as companhias pensarem duas vezes.