IMPÉRIO MURDOCH
Nelson Hoineff (*)
A compra da DirecTV pela Sky acelera os planos de Rupert Murdoch para controlar o maior conglomerado de comunicações do mundo. Os 102 milhões de assinantes que a Sky passará a ter no momento em que a transação for autorizada representarão pouco em comparação à entrada da operadora no mercado americano.
Em outubro do ano passado caíram por terra os planos de fusão da DirecTV com a EchoStar, que havia oferecido pela concorrente algo entre US$ 18 bilhões e US$ 22,5 bilhões, dependendo da fonte consultada. O motivo principal do veto da FCC (a agência reguladora das telecomunicações americanas) foi a pressão da News Corp, de Murdoch, sobre o perigo de monopólio de operação por satélite nos EUA que isso representaria.
A estratégia consistia em demonstrar que a terceira operadora, Cablevision, não teria condições de competitividade com a EchoStar/DirecTV (que, juntas, teriam 20 milhões de assinantes), nem mesmo com o compromisso da EchoStar de lhe ceder parte de suas posições orbitais.
Seis meses depois, a News (por meio da Sky) fecha a compra da DirecTV pagando US$ 6,5 bilhões, praticamente a terça parte da oferta da EchoStar. Com sua entrada no mercado de operação por satélite dos EUA, a News reforça o agressivo avanço que encetou na área de produção de conteúdo.
Números relativos
O crescimento da Fox Television Stations Inc. (rede de televisão aberta) era até há pouco o principal indicador da expansão de Murdoch no mercado de televisão nos EUA. A rede conta hoje com 35 emissoras próprias, é a quarta maior do país, atingindo às vezes o primeiro lugar entre os chamados "jovens adultos".
Nas operações de TV por assinatura, a News tem a BSkyB (gestora da Sky e monopolizadora do mercado de televisão por satélite na Grã Bretanha), Star (53 países da Ásia), Sky PerfecTV (Japão), Stream (Itália) e daí por diante. No mercado de conteúdo para TV por assinatura, a News é dona da Fox News, Fox Movie Channel, das cinco redes da Fox Sports (incluindo a Fox Sports Digital e a Fox Sports World), da FX, do Speed Channel (especializado em automobilismo) e do National Geographic Channel (tanto a rede dos EUA quando as internacionais).
Em cinema, a News tem a 20th Century Fox, a Fox Searchlight, Fox Television e todas as suas coligadas. A News é dona também da HarperCollins, uma das maiores editoras do mundo; do time de beisebol Los Angeles Dodgers; e de 175 jornais totalizando 40 milhões de exemplares por semana que, como se sabe, vão desde o New York Post em Nova York até o The Times e o The Sun, na Inglaterra.
O equilíbrio entre um efetivo controle de operações de satélite nos EUA, um vertiginoso crescimento do broadcast e uma ampla produção de conteúdo é a chave para fazer a News chegar até onde nenhum outro conglomerado de mídia se aventurou. O deslanche da Fox News tem uma importante participação nisso tudo. Em audiência, a rede já ganha da CNN, embora quem olhe mais a fundo perceba a relatividade desses números. A Fox News, por exemplo, recebe em média US$ 0,22 de cada assinante nos EUA, enquanto a CNN cobra U$ 0,60 dos operadores. Pode-se viver com tão pouco? A resposta é sim, condicionada a dois fatores: a capacidade do conglomerado de suportar prejuízos e o nível de comprometimento da qualidade do produto oferecido.
Jornalismo isento?
Quem acompanha essa história desde o início há de se lembrar que, no seu nascimento, a Fox News ofereceu gratuitamente o seu sinal aos operadores dos EUA. Processou a Time Warner por práticas monopolistas, por carregar a CNN (do mesmo grupo), excluindo a oferta da Fox , e, na maioria dos casos, ganhou. Não é uma prática de todo estranha. Até mesmo no Brasil, muitas das redes de TV por assinatura (sobretudo as de interesse de estados estrangeiros) chegam de graça aos operadores ? ainda que ao assinante acabe, de certa forma, pagando por elas.
A disputa entre a Fox News e a CNN pela liderança entre as redes americanas internacionais, em que CNN permanece amplamente hegemônica, se dá no momento em que, não por coincidência, Murdoch é acusado de ter incentivado a guerra contra o Iraque, inclusive celebrando, em Los Angeles, o início dos bombardeios. E instalou-se uma grande polêmica em torno do artigo que Eason Jordan, diretor de jornalismo da CNN, escreveu para o New York Times (em 11/4, com direito a chamada na primeira página) sobre a autocensura que a rede se impunha para não colocar em risco a vida de seus funcionários. Um deles, um cinegrafista iraquiano, foi torturado por agentes do governo de Saddam Hussein e a CNN não noticiou. Como também não mencionou algumas histórias escabrosas que sabia sobre o agora "antigo regime".
O fato é que, nas circunstâncias em que se dão os movimentos de fusões, penetração em mercados globalizados e, no caso extremo, luta pela sobrevivência da mídia, a conduta ética parece cada vez mais um requinte. A própria existência de alguns veículos configura o que o diretor de um grande jornal brasileiro chama de "estelionato jornalístico". No andar de cima de muitas corporações, conduta ética é vista como excentricidade de alguns desajustados. É isso que faz com que questionamentos ao comportamento de Jordan sejam possíveis apenas em sociedades livres, e não em estados totalitários em que a conduta ética não é coisa de desajustados, mas de suicidas.
Pode ser que a fase das megafusões em empresas de mídia esteja começando a desmoronar. O desmembramento da AOL Time Warner deverá ser o primeiro de uma série. Enquanto isso, a News não pára de crescer. E a que custo isso acontece? De que forma se pode pensar em jornalismo isento numa empresa em crise? O fato é que não é tanto dos "Jordan", mas dos "Murdoch" que estamos falando. As condições para a discussão de posturas éticas não começam na redação, mas na cobertura.