Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A TV e a representação do real

CONTROLE ANTIGO

Gustavo Barreto (*)

A função da televisão em nossa sociedade não pode ser considerada uma novidade. A mitologia grega, principalmente pelo exemplo de Narciso, nos ensina que a fascinação pela imagem é muito mais antiga do que se costuma pensar. Uma fascinação pela aparência decorrente da introdução do conceito de perspectiva. A conquista do imaginário popular é uma característica marcante da TV e tem relação estreita com a estrutura psíquica do ser humano.

É importante ressaltar que é impossível representar num meio de comunicação o "real em si". Este real ? o vivido, real-histórico ? é, em verdade, nada mais que uma elaboração realizada pelos sistemas de representação socialmente gerados. Basicamente, o real se opõe ao imaginário ? dois parâmetros de construção social.

Esta construção do imaginário e do real tem forte influência, portanto, do modelo dominante de cada época. Neste contexto, as imagens determinam os modos de percepção do indivíduo contemporâneo. A psicanálise, por sua vez, também representa uma expressão do real, constituído imaginariamente e que, por fim, será identificada a este. Sem dúvida, o papel da televisão nesta construção é essencial, acelerando cada vez mais o processo de controle social.

Se por um lado a redução excessiva de conceitos abstratos numa tela digital faz com que idéias complexas sejam demasiadamente simplificadas, não se pode culpar a televisão por todo o processo de perda de conteúdo. Sempre que amplamente difundida, qualquer ciência tende a perder algo de si mesma. Em outras palavras, a idéia inicial nunca poderá ser mantida quando amplamente divulgada. É o que acontece com teorias científicas expostas via satélite para todo o grupo de pessoas do planeta que tem uma televisão.

Outro aspecto importante que podemos aproveitar da psicanálise é a interiorização da repressão no indivíduo. Enquanto na sociedade tradicional ? anterior às transformações burguesas ? a repressão era mais externa, com mecanismos de controle bem definidos, a sociedade industrial e, depois, a pós-moderna apresentam sinais visíveis de autocontrole, onde o indivíduo se censura por meio das normas e dos valores difundidos de diversas maneiras. Dentro deste novo mecanismo, a produção cultural ? que muitos entendem também como informação ? tem papel central na indústria do controle de mentes.

Instrumento capitalista

Nesse contexto de repressão, não é só a representação como realidade que é importante para a conquista do imaginário das pessoas. É preciso também isolá-las, restringindo ao máximo a comunicação. Sabemos que a televisão é, segundo nos dizem, um veículo de comunicação. Ao mesmo tempo, sabemos que comunicação implica, nas palavras de Muniz Sodré, "contato e difusão maciça de informações e idéias". Com o advento da televisão, intensificou-se a perda de contato, sendo notável o isolamento provocado por esta nova tecnologia.

Mais notável ainda se torna a relação estreita entre a TV e todas as instâncias sociais de uma economia de mercado. No esforço de polarizar as relações entre produtor/consumidor, consumidor/excluído etc., o papel da televisão é crucial. Como explica Muniz Sodré, "a grande censura é a divisão radical entre os termos extremos do circuito: falante e ouvinte". Isso só é possível pelo forte domínio ideológico deste meio sobre as demais indústrias de informação (jornal, rádio etc).

O próprio eu ideal do qual fala Freud, iluminando "racionalmente a consciência do sujeito", pode ser interpretado como a vontade de uma verdade científica, em detrimento das versões mítico-religiosas.

O mesmo podemos observar em relação à produção cultural do mundo contemporâneo, em sua luta diária para a conquista de mentes humanas e produção de imagens e imaginários convenientes ao processo de produção capitalista.

(*) Estudante de Comunicação da UFRJ, editor do Consciência.net

Bibliografia

Sodré, Muniz. Televisão e Psicanálise, São Paulo, Ática, 1987

Chomsky, Noam, Controle da mídia ? Os espetaculares feitos da propaganda, tradução de Antônio Augusto Fontes, Rio de Janeiro, Graphia, 2003