Saturday, 04 de January de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 25 - nº 1319

A TV invade a internet

VIAS ALTERNATIVAS

Antônio Brasil (*)

A televisão na internet já é uma realidade para muita gente. A qualidade da transmissão melhora rapidamente, o acesso se populariza e já existem centenas de opções disponíveis no mundo inteiro. A maioria ainda é muito limitada, mas já é possível assistir à uma televisão de Angola com a mesma facilidade com que se assiste à BBC de Londres, em casa, diretamente no computador pessoal. Para muitos é quase um sonho de ficção científica poder testemunhar, pela primeira vez e ao vivo, as imagens de lugares e culturas tão diversas, distantes e polêmicas como as distribuídas pela al-Jazira, aquela "televisãozinha" do mundo árabe que ousou chocar o mundo e desbancar a toda poderosa CNN nas primeiras imagens da guerra do Afeganistão.

Hoje já é possível assistir às TVs do mundo inteiro sem passar pela censura das agências americanas. Não é mais promessa para o futuro. É uma realidade simplesmente emocionante. E as opções de TV na rede crescem diariamente. Para checar a variedade de televisões do mundo inteiro consulte <http://www.justoaqui.com.br>.

Assim como a TV enfrentou o rádio hegemônico nos anos 50, parece que a verdadeira luta vai se travar na rede nos próximos anos. E pensar que tem gente que acredita em gastar bilhões de dólares em TV digital para produzir pouquíssimos canais, beneficiar os mesmíssimos donos e dizer a mesma coisa. É meio parecido com o que aconteceu com as TVs por assinatura. Pura decepção e enorme prejuízo. Mudamos para continuar na mesma. Tudo aquilo que a TV por assinatura prometeu e jamais alcançou ? segmentação total ? começa a ser oferecido pelas emissoras alternativas da internet. Com uma tecnologia acessível a quase todos, custos mínimos de produção e muita criatividade as novas emissoras virtuais estão se preparando para enfrentar o grande império da televisão aberta.

Não foram só os críticos e pesquisadores de televisão que já perceberam esse cenário. Alguns empresários visionários começam a investir alto no futuro das televisões da rede. Aqui no Brasil, a AllTV <www.alltv.com.br>, a primeira emissora feita para a internet, está no ar desde de abril e, apesar das dificuldades de mais uma crise brasileira, continua crescendo e desenvolvendo uma nova forma de fazer televisão. A proposta de interagir com o público internauta durante 24 horas e o investimento de 2 milhões de dólares são, por si sós, ambiciosos. A programação ainda é limitada e se parece muito com uma rádio FM com imagens. Os apresentadores são jovens, desconhecidos, algo inexperientes, mas obviamente estão se divertindo muito com o que fazem e com a liberdade que desfrutam. E isso hoje em dia não é pouca coisa. Apesar das dificuldades e das críticas estreitas, é impossível não reconhecer o potencial do novo meio.

Agora mesmo, a AllTV está descobrindo aquilo que as TVs universitárias até hoje se recusam a perceber: a produção "livre" dos alunos de comunicação em sala de aula e nos laboratórios em seus projetos experimentais de vídeo. A emissora teve a ousadia de lançar uma convocação para todas as faculdades brasileiras que mantenham cursos na área para enviar seus vídeos, que serão exibidos e comentados durante a programação da emissora. A novidade fica por conta não só da ousadia da proposta mas, principalmente, pela coragem de exibir "tudo" que for enviado para a AllTV. Explico. Também não é à toa que as TVs universitárias desprezam tanto a produção dos alunos de jornalismo, publicidade e áreas correlatas. As TVs ditas universitárias sempre tiveram uma motivação e inclinações distorcidas para um excesso de marketing institucional. A sua produção e direção está nas mão dos interesses econômicos e políticos das reitorias. A produção de vídeos dos professores ou alunos em sala de aula é quase que totalmente desprezada e muitas vezes, ignorada. Cheguei a ouvir de um reitor de universidade particular que não queria nem ouvir falar de exibir os vídeos produzidos pelos seus alunos de comunicação. Ele temia que isso afastasse os futuros candidatos à uma vaga em seus cursos de nível superior. O ideal é contratar os profissionais aposentados ou abandonados pelo mercado para fazerem de conta que a produção é dos alunos e dos professores.

Muita maquiagem

Existe certo constrangimento de mostrar a produção audiovisual das nossas universidades. E não é para menos. Assim como há universidade que admite analfabeto, e isso é vergonhoso, também é muito deprimente pensar que a maioria dos nossos estudantes se forma em Comunicação em longos e caros cursos de quatro anos e saem completamente analfabetos na linguagem mais importante dos nossos tempos: a audiovisual. Muitos até aprendem a escrever corretamente, mas poucos estão aptos a utilizar a sintaxe das imagens ou sequer são capazes de analisar o seu conteúdo.

Em relações aos "videozinhos" dos cursos de Comunicação, é um tal de "gostei, não gostei, que lindo, adorei, que horror", ou seja, muito "achismos" em relação à produção e pouquíssimo conhecimento em relação ao seu conteúdo técnico ou semântico. Pouco se estuda ou se conhece sobre o meio audiovisual em nossas faculdades de Comunicação. A teoria das imagens se sobrepõe à capacidade de produzir uma simples matéria de telejornalismo. Culpa-se a falta de verbas, as condições precárias dos equipamentos e laboratórios, mas nunca se responsabiliza o desprezo e descaso de muitos professores e de universidades com o ensino da produção audiovisual.

Restrita às disciplinas consideradas técnicas ou práticas, a produção de vídeo dos cursos de Comunicação não possui reconhecimento ou visibilidade externa. Desprezada pelas reitorias e pelas TVs universitárias como uma produção de baixa qualidade, esses vídeos ficam restritos às salas de aula onde foram criados. Ou são exibidas em pouquíssimas e heróicas mostras acadêmicas anuais como a Expocom, Exposição de Projetos Experimentais da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação). Muito esforço dos alunos e professores para nenhum reconhecimento. Sem visibilidade externa, essa produção está condenada a ser sempre a mesma, estagnada em suas propostas, pobre de recursos técnicas e principalmente ignorada por aqueles que poderiam avaliá-la de uma forma mais produtiva e isenta: o público e o mercado.

Este é o principal fator positivo dessa surpreendente convocação dos produtores da AllTv. Não se trata de mais um concurso caça-níqueis de premiação duvidosa com a escolha de alguns poucos vídeos de universidades ricas ? que certamente imitariam a Globo no que esta tem de pior: falta de criatividade e ousadia. Com a proposta de exibir todos os vídeos por diversas vezes e comentar sobre as verdadeiras condições de produção dos vídeos produzidos em sala de aula, a AllTV pode estar abrindo as portas para uma criatividade inesperada e, certamente, vai expor a verdadeira cara do ensino de produção audiovisual em nosso país.

Insisto que as TVs universitárias não mostram a nossa realidade. Selecionam somente uma parcela ínfima da realidade e mostram-na como representativa de um todo. E ainda assim, o que selecionam é muito ruim. Mais do que dar uma oportunidade aos novos talentos, ou estratégia de marketing de uma ambiciosa emissora de TV alternativa, a mostra de vídeos das faculdades de Comunicação poderá ajudar muito a revelar a nossa imagem verdadeira e com isso melhorar a qualidade do ensino. Televisão na internet pode passar a fazer o que as televisões tradicionais se recusam a fazer: mostrar a realidade de forma mais criativa, sem padrões estabelecidos e artificiais de qualidade onde há muita maquiagem e pouca verdade.

(*) Jornalista, coordenador do Laboratório de TV, professor de telejornalismo da UERJ e doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICT/UFRJ.