Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A TV na festa de Bush

CAPTURA DE SADDAM

A equipe do presidente Bush vinha reclamando que a cobertura da
invasão do Iraque estava sendo retratada de forma negativa
pela mídia. Com a captura de Saddam Hussein neste sábado,
no entanto, a televisão dos EUA claramente se pôs a
comemorar junto com o governo. Tom Brokaw, da rede NBC, anunciou
que Saddam foi pego "literalmente como um rato numa toca",
comentando que ele se entregou de forma "patética".
Na ABC, George Stephanopoulos se disse surpreso com as imagens do
ex-líder barbudo e chegou a questionar por que ele não
"aproveitou a oportunidade para se matar". O âncora
da CBS Dan Rather não perdeu tempo em concluir que a captura
"dá um tremendo reforço às perspectivas
de reeleição do presidente Bush".

De acordo com Howard Kurtz, do Washington Post [15/12/03],
a informação de que Saddam havia sido finalmente encontrado
vazou na manhã de domingo. A primeira notícia de meio
impresso no "mundo ocidental" saiu na Reuters, às
4h58, horário de Washington, e citava como fonte a agência
estatal do Irã. O correspondente da CNN Alphonso Van Marsh
acompanhou a unidade que prendeu Saddam, mas os militares não
quiseram dizer se era mesmo ele. Desconfiado de que algo excepcional
havia ocorrido, Van Marsh contatou, ainda na noite de sábado,
o correspondente da emissora para o Pentágono, James McIntyre,
que conseguiu confirmar a informação com alguns telefonemas.
Às 5h03, a rede divulgou que diversos indivíduos haviam
sido capturados no Iraque e "que funcionários americanos
acreditavam que um deles seria Saddam Hussein".

A Casa Branca declarou que o fato não foi divulgado antes
do que o governo desejava. A imprensa penou com a falta de imagens,
pois pouco material foi liberado. Os militares afirmaram que o vídeo
do ex-ditador sendo examinado só foi liberado para que o
mundo árabe visse que ele estava de fato sob custódia
dos americanos, o que poderia reduzir os ataques rebeldes contra
suas unidades. O porta-voz da Casa Branca, Scott McClellan, falou
com repórteres somente com câmeras desligadas, pois
não queria ofuscar o pronunciamento que Bush faria pelo meio-dia
de domingo.

Culto à imagem

Em todos os cantos do mundo aos quais as imagens de Saddam capturado
chegaram, provavelmente nenhum mereceu tanta dedicação
quando o próprio Iraque. A reconstruída al-Iraqiya,
emissora nacional atualmente sob supervisão americana, chega
a estimados 93% de lares iraquianos, comparados a 33% da al-Jazira.

Executivos de algumas emissoras americanas, segundo apurou David
Bauder [AP, 14/12], disseram-se desconfortáveis tendo de
transmitir imagens providas oficialmente pelo Exército. No
entanto, as imagens eram tão estarrecedoras e cruciais que
a fonte tornou-se irrelevante.

"Essa é uma imagem tremendamente poderosa para o Iraque
e o mundo", disse Brit Hume, da Fox News, referindo-se ao momento
em que Saddam é examinado por um médico. Para Aaron
Brown, da CNN, a última vez em que se viu imagens tão
dramáticas foi na queda da estátua do ditador, no
primeiro semestre.

As notícias causaram tanto furor que as revistas semanais
Time e Newsweek decidiram refazer a edição que já
havia sido impressa.

Quando o telefone tocou às 5h da manhã no domingo,
Jim Kelly, editor-administrativo da Time, pensou que receberia
novamente más notícias, após os ferimentos
graves sofridos por um correspondente, Michael Weisskopf, e pelo
fotógrafo veterano James Nachtwey, em Bagdá. No final
das contas, eram notícias da captura.

Weisskopf e Nachtwey foram atingidos por uma granada atirada dentro
do jipe militar em que circulavam. Weisskopf, que ficou em estado
grave, teria salvado a vida dos outros passageiros tentando atirar
o explosivo para fora. Ele teve a mão direita arrancada e
foi levado a um hospital para fazer cirurgia. Nachtwey, conhecido
e premiado por suas fotos de guerra e igualmente colaborador da
Time, também foi atingido pela explosão. A
condição dos dois, segundo informações
do Washington Post [12/12/03], é estável. Os
dois soldados que estavam com Weisskopf e Nachtwey e se feriram
não tiveram as identidades reveladas. Segundo porta-voz militar,
o repórter vestia colete protetor, o que teria evitado ferimentos
mais graves.