Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A unidade da verdade

ESTÁCIO DE SÁ

Erick Felinto (*)


Todo homem tem o direito de expressar o que ele pensa ser a verdade, e qualquer outro homem, o direito de derrubá-lo por isso. (Samuel Johnson)


Uma das mais comuns falácias da lógica, como ensinam os bons manuais da disciplina, consiste em atacar o oponente em lugar de abordar o verdadeiro tema da discussão. É o célebre "argumentum ad hominem". Para que se dar ao trabalho de discutir racionalmente os conteúdos do debate, quando é mais fácil, simplesmente, desmoralizar o outro debatedor? Os manuais de jornalismo também ensinam que apurar os fatos é parte fundamental do processo de elaboração da notícia. Contudo, quando a mídia elege o vilão do momento, parece que também deixa de ser necessário prestar a devida atenção a esse pequeno detalhe. Confesso que sou saudosista de um passado ? que provavelmente não vivi, mas imagino ter existido ? no qual um debate ainda consistia na discussão racional de idéias e o jornalismo ainda exigia a apuração rigorosa dos fatos.

Lembro dessa época, quiçá existente apenas em minha imaginação, quando leio o texto veiculado neste Observatório da Imprensa pelo professor Antônio Brasil em 18 de dezembro de 2001 [ver remissão abaixo]. O texto consiste num ataque frontal ao artigo "A unidade na diversidade", publicado pelo professor Felipe Pena, sub-reitor de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estácio de Sá, no jornal O Globo de 17 de dezembro. Artigo escrito em defesa da qualidade e seriedade do curso de Comunicação Social da instituição na qual atua o sub-reitor e na qual também se formou o autor das críticas ao sistema de vestibular de diversas universidades privadas do Rio de Janeiro, o jornalista Carlos Palhano [ver remissão abaixo]. Mas eu, provavelmente, deveria reformular os termos da questão: não se trata exatamente de um ataque ao conteúdo do artigo em si, mas sim do velho e consagrado "argumentum ad hominem" ? uma enumeração de ofensas dirigidas não apenas a quem escreveu a peça do Globo, mas também aos professores do curso de Comunicação da instituição ali mencionada.

Senão vejamos: o professor Brasil começa por acusar Felipe Pena de oportunista e de defender "os vestibulares para analfabetos". Admito que posso estar enganado, ou talvez, quem sabe, eu e o professor Brasil tenhamos lido duas versões diferentes do mesmo texto. Contudo, não consigo lembrar-me de nenhuma passagem do artigo em que se faça uma defesa de qualquer sistema de vestibular. Pelo contrário, Felipe Pena começa afirmando precisamente que "a história do analfabeto que passou no vestibular põe em xeque todo o sistema de acesso ao terceiro grau".

A razão de ser do texto era simplesmente destacar o trabalho da equipe de professores e coordenadores responsáveis pelo êxito do curso de Comunicação Social. Como parte dessa equipe, senti-me pessoalmente atacado com as afirmativas do professor Brasil de que os docentes do curso de Comunicação da Estácio de Sá são omissos e se sujeitam a qualquer coisa para garantir seus empregos. Quando Felipe Pena convidou-me para coordenar o Núcleo de Pesquisa em Comunicação, aceitei o trabalho por acreditar na seriedade das intenções acadêmicas desse "jovem jornalista de televisão", como o qualifica (ou desqualifica) o professor Brasil. E não me arrependi de ter aceitado o desafio. Nesses dois anos de atividade, tive provas mais que suficientes da honestidade de propósitos de Felipe Pena e de meus companheiros de trabalho.

Se é possível que eu e o professor Brasil tenhamos lido duas versões diferentes do artigo de Felipe Pena, é ainda mais provável que tenhamos convivido com pessoas diferentes, pois entre todos os profissionais que conheci no curso de Comunicação da Estácio de Sá nenhum deles apresenta a imagem dos pusilânimes silenciosos denunciados pelo resenhista. Pelo contrário, todos são professores sérios, responsáveis, conscientes e bem preparados ? ainda que, em muitos casos, jovens como Felipe Pena. Fato, aliás, destacado pelo próprio Carlos Palhano. Em seu texto, Felipe Pena inclusive cita os trechos elogiosos do escrito de Palhano, não "fora de seu contexto", como se sugere em outro artigo deste diretório acadêmico, mas de forma absolutamente correta e em consonância com o pensamento do autor. Quem tiver dúvidas sobre isso pode consultar o artigo de Palhano neste mesmo Observatório da Imprensa.

Uma coisa é criticar o sistema de acesso acadêmico de várias instituições; outra, inteiramente diferente, é desvalorizar toda uma classe de profissionais de determinada instituição empenhados em construir um curso sério e academicamente consistente. É importante lembrar que a pesquisa de Palhano foi conduzida, orientada e aprovada como monografia de conclusão no mesmo curso que agora é vítima das acusações do professor Brasil. E aqueles que conheceram o (também jovem) jornalista Palhano nas salas de aula da Universidade Estácio de Sá sabem que não foi sua intenção questionar a qualidade acadêmica de seu curso universitário.

Juventude e experiência

Já que falei em qualificação e em juventude, aproveito para reconhecer algo que, aos olhos do professor Brasil, parece constituir um grave defeito: também sou jovem (alguns anos a mais que o "jovem" Felipe Pena). Não sei se "moderno" ou "pós-moderno", mas sem dúvida alguma em nada semelhante ao ex-presidente Collor, como sugere o professor Brasil em relação a Felipe Pena. Quero acreditar que sou razoavelmente letrado, pelo menos o suficiente para poder discutir o tema da universidade, já que conheço bastante bem tanto os modelos públicos quanto os privados, no Brasil e nos EUA, onde passei três anos de minha vida acadêmica (e garanto que ambos os modelos têm seus defeitos e qualidades). Reconheço que em minha juventude ainda tenho muito a aprender, mas não abrirei mão do meu direito de pensar e realizar em função dessa juventude.

Os talvez poucos mas importantes colegas que me conhecem das reuniões da Intercom e da Compós, na área de teoria da comunicação, podem testemunhar a seriedade acadêmica de meus trabalhos e posições ideológicas. Em setembro deste ano, fui convidado pelo professor Francisco Rüdiger, da UFRGS, para apresentar trabalho em um grupo especial, ao lado do professor Eugenio Trivinho da USP, no Núcleo de Epistemologia da Comunicação da Intercom. Os artigos que tenho publicado em diversas revistas da área de comunicação, bem como os dois volumes da revista acadêmica Trama, editados por mim no âmbito do curso de Comunicação da Estácio de Sá, igualmente constituem amostras de meu compromisso com a construção de um modelo de saber e de ensino fundados na seriedade acadêmica e na reflexão teórica.

Como todos os meus colegas, professores e coordenadores do curso de Comunicação da Universidade Estácio de Sá, nunca me senti constrangido a aprovar alunos deficientes ou fazer qualquer outra coisa que desmerecesse o conceito da instituição universitária. No Núcleo de Pesquisa em Comunicação, criado pelo ex-diretor e atual sub-reitor Felipe Pena, realizamos diversos eventos acadêmicos e profissionais em benefício dos alunos, desenvolvemos projetos de pesquisa e buscamos motivar docentes e discentes a refletir criticamente sobre os grandes problemas teóricos e conceituais do universo da comunicação. Tudo isso sob os auspícios dessa "nova gestão" da Faculdade de Comunicação, que o professor Brasil chama de neoliberal.

Como o professor Brasil, eu também "bem que tentei não me envolver" no debate. Não gosto de luzes nem de ribalta. Tenho aquele temperamento retraído, típico dos teóricos e que os leva a ficar em seu canto refletindo, escrevendo seus textos e se acostumando com o solene descaso que é dedicado aos intelectuais no Brasil. Não tenho as pretensões altruístas e patrióticas do professor Brasil, que entrou na discussão movido por seu sentido de consciência cívica. Mas não quero ser acusado de pertencer a essa "maioria silenciosa" da qual fala o professor. Seria omisso, de fato, se permitisse que meus colegas e eu mesmo fôssemos acusados de picaretas e mentirosos sem ao menos esboçar uma defesa. Respeito o trabalho e as idéias do professor Brasil, mas não posso aceitar um ataque à reputação de profissionais competentes e honestos como amostra de expressão democrática de opiniões.

No Brasil de hoje, infelizmente, é fácil acusar, é fácil denunciar sem investigar. É rentável destruir reputações sem provas. Mas a "inverdade" que o título do texto do professor Brasil supostamente denuncia não está no artigo de Felipe Pena. Ali constam apenas dados objetivos e verificáveis a respeito do trabalho realizado pela atual gestão do curso de Comunicação Social. Dados como os vários prêmios que os alunos da universidade têm recebido em importantes eventos da área de comunicação, como o Expocom; dados como o fato de o curso realmente produzir um telejornal diário e ao vivo no canal 14 da Net-Rio, além de outros cinco programas de televisão, no canal 16. Todas essas realizações talvez fossem insignificantes se não estivessem acompanhadas de um projeto acadêmico sério, que buscasse conjugar de maneira harmônica a teoria e a prática da comunicação. Sobre esse projeto, mencionado por Felipe Pena em seu artigo, eu ofereço meu testemunho.

Naturalmente, ninguém tem a obrigação de crer na palavra de um jovem e pouco conhecido professor de Teoria da Comunicação. Mas é aí que entra aquela boa e velha, porém hoje tão esquecida, prática do jornalismo: a apuração dos fatos. É apenas ela que pode determinar a verdade ou a inverdade das nossas perspectivas. Estas podem e devem ser múltiplas tanto na instituição universitária como na sociedade democrática, mas a verdade termina sempre sendo uma só.

(*) Jornalista, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Comunicação da Universidade Estácio de Sá, professor-adjunto e chefe do Departamento de Teoria da Comunicação da Uerj

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A unidade na inverdade ? Antônio Brasil

Logro e simulação na indústria do ensino ? Carlos Eduardo Palhano


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Sem dúvida, lemos versões diferentes dos mesmos artigos. Talvez porque quase sempre somente entendemos o que melhor nos convém. Ainda mais quando nos apressamos a defender quem não foi atacado. O prof. Felinto admite que talvez possa estar enganado. Deixe-me então confirmar pelo menos esta parte da sua longa e prolixa mensagem.

Empunhar uma bandeira em defesa dos colegas professores é desnecessário mas mobiliza e causa um bom efeito. Jamais dirigi minhas críticas aos professores da Estácio. Muito pelo contrário. Disse, sim, que eles fazem "milagres" considerando as condições que trabalham. Admitir alunos analfabetos ou semi-analfabetos não é um simples erro ou acidente de percurso como fez parecer o vice-reitor da Estácio. É uma estratégia mercadológica visando compensar as inevitáveis (sic) desistências e inadimplências de uma verdadeira fábrica ou supermercado de diplomas. Ainda me lembro da matéria na Veja, alguns anos atrás, sobre o mesmo tema: Estácio, supermercado do ensino. Não devemos nos esquecer da entrevista à Folha Dirigida com o "dono" da Estácio sobre os verdadeiros objetivos daquela instituição. Quem sabe ainda vamos receber outra carta defendendo, mais uma vez, o "indefensável".

É claro que as idéias expostas pelos detentores de "cargos de confiança" na Estácio obviamente se confundem com a aprovação de seus métodos. Afinal, os fins continuam justificando os meios. Tenho certeza de que muitos outros professores da Estácio ? e não só os da Faculdade de Comunicação ? têm bons motivos para serem omissos e não reclamarem. Fui, por diversas vezes, alertado para evitar as críticas. Graças a Deus, não ouvi os conselhos.

Louvo o zelo do prof. Felinto ao defender a Estácio e o seu sub-reitor, o prof. Felipe Pena. Esses mesmos "cargos de confiança" na Estácio são realmente preciosos. Quanto às aulas de lógica e latim, assim como a oportunidade de conhecer mais um currículo pessoal em detalhes, agradeço.

Quanto à juventude e até por considerar-me "jovem" também não tenho nada contra. Juventude não é qualidade ou defeito. Quanto a bom jornalismo, apuração de fatos e, principalmente, definições de verdade, limito-me a solicitar uma nova leitura mais cuidadosa do meu artigo. Não existem versões diferentes dos mesmo artigos. O que existem são leituras e interesses diversos. Cada um lê da forma que melhor lhe convém.

Para finalizar, bom jornalismo realmente contém apuração de fatos que dependem de uma objetividade tão difícil de ser definida e alcançada. Requer o quase impossível: isenção e distanciamento. Por outro lado, as opiniões, o alerta, o espírito cívico e outras citações ficam por minha própria conta e risco. As palavras do meu artigo refletem as minhas idéias sobre os fatos. Não delego a minha defesa. Continuo escrevendo e defendendo a minha versão da verdade. Buscar a verdade não é necessariamente ser dono da mesma. Se é que eu entendi o argumento final parece que finalmente temos uma definição de verdade. O prof. Felinto parece confirmar a tal da "unidade da unanimidade". Esta deve ser "a unidade da verdade" citada. Para alguns ela realmente é única e coincide com a do patrão.

(*) Jornalista, coordenador do laboratório de TV e professor de telejornalismo da UERJ, doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICT/UFRJ.