TERROR E GREVE
Eduardo Meditsch (*)
Aos 41 anos de existência, a comunidade acadêmica da UFSC tem consciência de que uma universidade com este tamanho e qualidade não se constrói em menos de duas gerações, com muita luta mas também com muito profissionalismo. Terminar com tudo, no entanto, pode demorar o tempo de um vôo de Boeing. Ainda mais quando uma série de forças se alinham contra.
Não é sincera a nota paga, publicada pelo ministro da Educação nos principais jornais do país, a respeito da greve nas universidades federais. O projeto de privatização do sistema universitário brasileiro, com a terceirização do ensino de terceiro grau, está explícito no programa de governo de Fernando Henrique, e sendo tocado a passos largos pelo ministro Paulo Renato, com o desvio dos investimentos públicos para as instituições privadas e os obstáculos progressivos ao desenvolvimento das universidades federais.
A política do governo brasileiro, traçada fora do país por instituições financeiras internacionais, é idêntica à aplicada na Argentina, no Chile, no México, na Colômbia, na Indonésia e em mais algumas dezenas de países. Seu principal objetivo não é implantar o ensino pago nas universidades públicas, embora este também exista. É neutralizar o potencial de independência tecnológica representado por estas instituições, que respondem por mais de 90% da produção científica do Terceiro Mundo, sob o argumento de que países pobres não devem gastar seus recursos com isso. Faz parte de um projeto de globalização, em que os povos do Sul abrem mão do direito de seu autogoverno, para obedecer a uma ordem mundial em que as suas prioridades serão definidas pelos interesses dos países do Norte.
Esquerdismo infantil
Já há algumas décadas, as greves das universidades públicas têm sido uma tentativa, geralmente bem-sucedida, de chamar a atenção da opinião pública para esta ameaça de destruição. Outra forma de resistência tem sido a busca de parcerias na sociedade, com a prestação de serviços que em contrapartida geram apoios e recursos para a instituição, garantindo a atualização de seus laboratórios e a excelência de seus cursos, independentemente da vontade governamental. Estas duas estratégias de luta deveriam ser complementares, mas muitas vezes entram em choque, com as paralisações prolongadas inviabilizando compromissos assumidos e corroendo a credibilidade da universidade pública diante da comunidade externa.
Neste sentido, a tática do movimento grevista da UFSC nunca foi tão contraproducente como na atual paralisação. A sabotagem da rede de informática da universidade, com o bloqueio do NPD pelo comando dos técnicos administrativos, o fechamento dos prédios da reitoria, de setores e laboratórios que não poderiam parar sem prejuízos para a própria UFSC, representam um tiro no pé da instituição. No balanço das perdas e danos, a universidade não será a mesma após este momento. Estará mais isolada e enfraquecida, para a satisfação dos que defendem o projeto do governo.
Na última semana, assistimos a um grupo de pretensos iluminados de um povo oprimido pretendendo vingar-se dos opressores destruindo um dos maiores prédios do mundo numa ação tenebrosa e espetacular. Além da morte e do sofrimento que espalharam, deram às forças conservadores que governam os Estados Unidos o argumento político que queriam para justificar o que será o maior e mais implacável controle militar e policial que um Estado já exerceu na história da civilização. De quebra, os terroristas também condenaram seu próprio povo à suspeita generalizada, levando-o a ser vítima de uma acirrada perseguição étnica e religiosa que já começou. O esquerdismo infantil dos comandos dos trabalhadores da UFSC e de suas "atividades-surpresa" terá um efeito devastador semelhante sobre a universidade. A ciência e a educação pública vão pagar a conta.
(*) Professor de Jornalismo da UFSC