Terça-feira, 6 de maio de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1336

A voz dos subjugados

BANGU & FANTÁSTICO

Nelson Hoineff (*)

Se para alguma coisa positiva está servindo a ascensão do crime organizado ao poder é para estimular a prática da boa televisão. O sacrifício de Tim Lopes traz isso de emblemático. Tim morreu fazendo boa televisão e inaugurou uma saudável discussão não apenas sobre os limites da exposição do jornalista como também sobre essa necessidade. Sua morte serviu para alertar para o fato de que no Brasil a imprensa vê-se na contingência de substituir as instituições em quem ninguém mais confia, principalmente o povo subjugado. A partir daí, a televisão se deparou com as alternativas de recuar ou seguir indo em frente na prática do jornalismo de combate.

No domingo (15/9), o Fantástico deu a melhor das respostas para essa dúvida. Ofereceu um quadro corajoso e investigativo para emoldurar a crise aberta pelos acontecimentos de Bangu 1. Trouxe o que se espera do bom jornalismo: informações novas; imagens irrefutáveis da precariedade de um presídio de "segurança máxima"; depoimentos, também irrefutáveis, de agentes penitenciários, sobre a corrupção dentro do sistema; insólitas imagens de plantação de maconha dentro do próprio presídio ? e, melhor do que tudo, o clima durante as negociações durante o motim, otimizando os recursos oriundos da especificidade televisiva. Prestou a Tim uma homenagem mais profunda do que as frases estudadas, porque não se referiu a ele ? mas como ele praticou bom jornalismo e boa televisão.

Bom jornalismo e boa televisão que deveriam estar servindo de exemplo, embora não estejam. Com as raras exceções que confirmam a regra, as demais emissoras de TV desistiram de cobrir a cidade e passaram a cobrir a Globo. Programas de variedades, especialmente em instâncias do porte de uma Rede TV!, já fazem isso há muito tempo, mas no jornalismo é fato novo.

Foco de resistência

A tomada do poder pelo tráfico não ocorreu do dia para a noite. Foi serenamente cultivada, durante anos, pela politicagem de candidatos populistas que jamais hesitaram em ampliar as faixas de miserabilidade da população, para aumentar com elas o número de votos e alimentar a desinformação. Não se pode negar que a estratégia tenha dado certo ? tão certo que o crime ganhou vida própria e escapou ao controle dos próprios governantes que o estimulavam.

Ao longo deste tempo, a televisão talvez pudesse ter interferido para estancar o processo. Não o fez por conta da leviandade com que o veículo é tratado, ao lado da estúpida dependência econômica ao Estado e de sua falta de auto-estima, deixando a investigação e a denúncia por conta da mídia impressa, que por sua vez também pouco ligou para o que estava acontecendo no submundo das grandes cidades. Reza a tradição jornalística que polícia é artigo de segunda categoria ? o que pode ser verdadeiro até que o crime passe a ter domínio total sobre a sociedade.

Quando repórteres de televisão passaram a ser solicitados pela população em desamparo, depois perseguidos, torturados e mortos pelo crime organizado, estabeleceu-se, ainda que atabalhoadamente, uma trincheira de resistência ao poder paralelo que se instalara. O Fantástico de domingo mostrou que ainda há sinais de luta neste campo de guerra.

Assistir pela TV à reunião da governadora com os secretários encarregados da segurança da população, por exemplo, seria um espetáculo cômico se não fosse tétrico. É a essas pessoas que as liberdades pessoais estão confiadas. Olhando cinco minutos para elas, e outros cinco para a estrutura e a organização do crime, qualquer cidadão sensato sabe que a única opção que lhe resta é esperar por sua vez ? se não tiver condições de fugir às pressas da cidade.

Mas se é este circo que nos protege dos bandidos que derrubaram em relativamente pouco tempo todas as instituições do Estado, então implemente-se uma das decisões acima citadas ou espere-se por resistências heróicas, como as que nos acostumamos a ver nos grandes campos de batalha da história.

É a imprensa hoje o único foco de resistência com a capacidade de conter ? ou pelo menos retardar ? o avanço maior da criminalidade sobre a população e as instituições brasileiras. Pode fazer valer ou não essa capacidade. Quando investe sobre o domínio do poder ? que hoje não está nos governantes, mas nos bandidos ? como o fez neste domingo, sugere simplesmente que a voz dos subjugados ainda não se calou.

(*) Jornalista e diretor de TV