RÁDIO MUDA
Paulo Marcelo Fehlauer (*)
Em edição recente, a Folha citou o caso de uma rádio evangélica clandestina que teria ocupado a freqüência da USP FM (93,7 MHz). Em Campinas, vivemos situação oposta. A Rádio Muda (103,7 MHz), que funciona na Unicamp, é “clandestina”, e está sendo constantemente ameaçada de fechamento pela Anatel, e seus programadores, de prisão. A alegação é a mesma, a de que a Rádio Muda estaria ocupando freqüências de rádios comerciais e, portanto, legais.
A Rádio Muda é uma rádio livre, construída por universitários e cinicamente ignorada pela Reitoria, o que é compreensível. Não há um responsável pela rádio, e qualquer aluno pode ter o seu programa: há exemplo mais claro de democracia do que esse? A rádio sobrevive da persistência dos alunos da Unicamp, sem interferência comercial. Não há, portanto, nenhum interesse, por parte dos estudantes da Unicamp, de registrar a rádio, obtendo a concessão. A burocracia que envolve o processo e os custos de manutenção da rádio legalizada inviabilizariam sua existência nos moldes em que ela funciona hoje.
A Rádio Muda foi premiada no Fórum Social Mundial, como exemplo de rádio comunitária, por todas as características citadas acima. Como é possível pensarmos um Brasil democrático se os exemplos reais de democracia são calados pelo governo? Como sonhar com um Brasil consciente se toda a informação está concentrada e alienada a interesses de grandes grupos e/ou personagens da política ou da religião?
Repressão pelo dinheiro
Obviamente não defendo a total liberação do espectro de radiodifusão, que serviria apenas para difundir ainda mais emissoras que, como a pirata que invadiu a freqüência da USP FM, nada têm a acrescer à cultura nacional. Defendo a criação de um sistema que permita a legalização, a regulamentação e a categorização das rádios comunitárias, sem burocracia e sem encargos, viabilizando assim um projeto eficaz de democratização da informação.
Infelizmente penso que, para nosso governo, um projeto como esse seja inviável, pois é incomparavelmente mais lucrativo permitir que o capital estrangeiro abocanhe 30% de nosso mercado. Também deve ser muito mais interessante para o Congresso manter sua hegemonia na propriedade de concessões.
A Rádio Muda persiste. É o exemplo vivo de uma voz que se quer calar. No regime militar se calava a tiros. Hoje se cala com dinheiro. Talvez as forças que hoje pregam a democracia ateniense, a democracia de poucos, consigam calar esta voz, mas com certeza será impossível calar todas as vozes que ela representa e difunde. Um outro Brasil é possível, sim!
P.S.: Todas as opiniões acima valem também para a TV e seu oligopólio.
(*) Estudante da Unicamp, Campinas, SP; e-mail: <p_fehlauer@yahoo.com.br>