Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A vítima e a arte de sofismar

OPERADORA, PROVEDOR, ANATEL

Antonio Bayma Jr. (*)

Venho contra-argumentar as afirmações do Sr. Gilberto Braz em artigo intitulado "O provedor é a vítima". O autor atribui o adjetivo de "pseudoverdades" às seguintes afirmações e inferências do texto "O tripé satânico da internet brasileira", de autoria da jornalista Marinilda Carvalho, a enumerar:

1) Os consumidores estão sendo prejudicados porque não precisam do provedor para ter acesso à internet; 2) Os provedores não têm qualquer função na conexão do usuário; 3) As telefônicas obrigam o usuário a uma compra casada de um produto que ele, consumidor, não precisa nem quer; 4) A telefônica colocou o provedor no processo apenas para satisfazer a LGT; 5) A culpa é da LGT, leia-se Anatel; 6) Os provedores teriam uma reserva de mercado que lhes mascara a incompetência.

Primeiramente, o Sr. Braz compara inadvertidamente a complexidade da instalação/execução de um serviço, por parte de seu prestador, com a banalidade do usufruto de outro, por parte do consumidor, o que se revela, para começo de análise, um sofisma. A facilidade em se comunicar pela internet, quando devidamente bem configurada, é quase a mesma daquela em se falar ao telefone ? o "quase" fica por conta naturalmente da tradição de mais de século da comunicação telefônica. Ainda é preciso analisar que, a rigor, acesso à internet significa tão-somente a conectividade IP, a viabilização comunicacional com a internet. Alguém poderia questionar-me por estar tentando separar o inseparável: conexão à internet do provimento de e-mail, ou internet do conteúdo. Do ponto de vista do usuário tradicional, de fato, estes serviços são na prática inseparáveis, pois, embora conheça alguns usuários que não fazem uso de e-mail nem conteúdo, devo reconhecer que são minoria para efeito da presente análise.

No entanto, do ponto de vista da legislação brasileira, mais especificamente do Código de Defesa do Consumidor, ninguém na aquisição de um produto ou serviço deve ser obrigado a contratar outro. Nisto reside um dos abusos do mercado brasileiro de acesso à internet, tanto de acesso discado quanto de banda larga: a venda casada de conexão à internet com serviços agregados de conteúdo e e-mail do mesmo prestador ? muitas vezes desejáveis, jamais indispensáveis. A discussão vem sendo levantada somente no serviço de banda larga porque os consumidores desta modalidade são naturalmente mais esclarecidos quanto à tecnologia do que seus colegas de acesso discado, e elegem para si prestadores de e-mail, conteúdo, FTP, newsgroups, disco virtual etc. utilizando-se de critérios de qualidade, preço e interesse pessoal.

Em tempo, o suporte para estes serviços adicionais pode, deve e é oferecido por quem os explora ? provedores pagos ou gratuitos ? tal qual o fazem operadoras aos contratantes de seus serviços de conexão à internet em banda larga (Speedy, Internet Turbo, Velox etc.), em sua instalação e manutenção. Atribui a uma suposta "falha técnica" o fato de as operadoras disponibilizarem a saída para a internet em suas próprias redes, em vez das redes de seus pseudoprovedores (ou provedores de autenticação) homologados. As razões para tanto não são poucas ou simples como sugeriu o autor. Cabe concordar, entretanto, que desta forma as operadoras concentram para si toda a demanda de conectividade IP que o uso da tecnologia ADSL para acesso à internet em banda larga impõe, situação que somente será corrigida com o full unbundling e/ou regulação forte da Anatel.

A definição do STJ

No entanto, um fator preponderante é o da "economia digital", ou, em outros termos, custo/benefício do modelo técnico implantado. Não precisa ser um especialista na área de telecomunicações para se entender que o custo de conectar o usuário à grande internet é proporcional à distância física e lógica entre este e o ponto de presença na internet do prestador deste serviço. E, ainda, este custo cresce mais ainda com a largura de banda e tecnologia empregados, o que torna o acesso à internet por ADSL naturalmente um serviço das operadoras no mundo inteiro.

Outro fator importante é o desinteresse e/ou falta de competência e capital por parte destes provedores. Como dito pelo Sr. Braz e apontada como inexplicável a postura da Abranet, a grande maioria dos provedores não demonstra nenhum interesse em redimensionar suas redes e pontos de presença na internet à demanda que a banda larga exige (seja por MMDS, ADSL, cabo etc.), mas reivindicam para si a manutenção do título pretensamente legal de Provedores de Conexão à Internet, mesmo que nada prestem neste sentido.

Ainda, é pertinente observar que mesmo aqueles pouquíssimos provedores que no começo das operações de banda larga por ADSL no país operavam de forma autêntica e laboral ? conectando-se ao usuário final por meio do ADSL e colocando este na internet através de suas redes IP ? abandonaram aquele modelo, partindo gradualmente para um novo esquema de pseudo-participação no serviço, com suas desnecessárias e nefastas autenticações e venda casada de serviços adicionais. Agora, após mais de 2 anos como promotores e parasitas deste modelo, quando o esquema ganha conhecimento público e espaço na mídia, e começa a ser questionado na Justiça, Ministério Público, Procon, Anatel etc., passam magicamente a discursar como vítimas do seu próprio veneno, como se pode ler nas contribuições para a consulta pública "Novos modelos de acesso à internet", promovida pela Anatel. Fariam melhor benefício à economia, à sociedade e a si mesmos explorando modalidades de acesso à internet por outros meios que não a malha física telefônica, e/ou promovendo a desagregação total (full unbundling) das redes das operadoras, que geraria, por conseguinte, real e eficaz concorrência por mérito e labor próprios, sem serem meros atravessadores compulsórios na internet brasileira em banda larga.

Aduz ainda o Sr. Braz que os usuários fraudam o sistema de acesso (sic) ao sair direto à internet, sem contratar um provedor. Ora, sabe-se que o produto Speedy, da Telefônica, até meados de agosto de 2001, não havia implementado o sistema de autenticação, o que levava consumidores um pouco mais atentos a não contratar os inócuos serviços dos pseudoprovedores. E isto é bastante diferente de fraudar. Em tempo, fraude é o atual modelo de prestação deste serviço, que tenta fazer parecer o que não é, através de artifícios mil contratuais e técnicos, e se aproveitando da ignorância técnica da grande maioria de seus consumidores. Enquanto os antigos usuários vão sendo paulatinamente coagidos a assinar o pseudo-serviço dos provedores através de cartas, ligações de aviso e até mesmo do corte proposital e covarde da conexão à internet, os recém-contratantes já "desfrutam" da maliciosa autenticação que, por força técnica brutal, os obriga à contratação dos "webflanelinhas".

O Sr. Braz cita também, como utilidade do provedor, o fornecimento de serviço de DNS, o que se revela um argumento absurdo. Servidores de DNS são atualmente tanto fornecidos pelas operadoras (Brasil Telecom, Telefônica, Telemar etc.) para seus clientes quanto podem ser implementados, como já o fazem muitos usuários, em seus próprios computadores, através de softwares específicos ou sistemas operacionais como o Windows 2000 e XP, que já têm o recurso embutido. E se, por alguma razão, usuários fazem uso de servidores de DNS de empresas das quais não são clientes, cabe também àquelas impedir o acesso ilegítimo a seus recursos. Idem para os serviços de SMTP para envio de e-mails, falta de controle esta, diga-se de passagem, que torna os provedores o vetor principal no envio de spam.

Quanto ao ventilado desrespeito à LGT, com exceção dos títulos e artigos que atribuem à Anatel uma participação pró-consumidor flagrantemente ignorada, não existe desrespeito aos Arts. 60 e 61 quando operadoras direta e unicamente fornecem o acesso ao usuário final. O que existe é um conflito com o entendimento normativo ? que não é lei ? de que Serviço de Conexão à Internet (SCI) é Serviço de Valor Adicionado (SVA), que à época em que foi assim deliberado (1995), para a modalidade do serviço que visava regular (acesso discado à internet) e para o então modelo de prestação do serviço (usuário-provedor-internet) se revelava politicamente inteligente e eficaz. Hoje, sabemos que não é mais aquela a realidade, nem têm efeito os motivos políticos pelos quais foi aquele entendimento originado, principalmente no acesso em banda larga.

O STJ, em recurso especial deferido por unanimidade há um ano, e sem contestação por parte da Anatel, já entendeu que SCI não é Serviço de Valor Adicionado, e sim Serviço de Telecomunicações, através de exemplar estudo conceitual e técnico de especialistas da área, que compõe o texto do relator (ver Recurso Especial 323358-PR, 2001/0056816-9).

Distorção da verdade

Esquece de relembrar o Sr. Braz da extraordinária demanda por acesso à internet entre 1995-98, fato este que definitivamente alavancou um mercado tão diversificado em acesso discado, e não o contrário. Era comum dizer-se na época que bastava um investimento mínimo no estabelecimento de um provedor de conexão para se ficar rico, o que não nos deixa mentir a ostentação dos então novos-ricos empresários da internet brasileira. Absolutamente nada contra, e vai aqui meu muito obrigado àqueles. Agora, após a saturação do mercado, o que vemos hoje são estes mesmos provedores tornando-se meros escritórios de cobrança, tentando artificialmente participar da oferta de uma modalidade de serviço que naturalmente não é sua, nem se dando o trabalho de ao menos negociar banda no atacado com seus fornecedores para revender a seus usuários, preferindo então ser sócios, cúmplices ou parasitas (o que for) do modelo.

Quanto aos números, por ora, prefiro ver 10 efetivos e autênticos provedores de acesso à banda larga (sejam estes operadoras ou qualquer outra empresa) do que 1.000 participando de uma falsa concorrência, ganhando seus trocos às custas do bolso do consumidor e fazendo pouco caso de nossa cidadania e inteligência. Por fim, triste é ver o Sr. Gilberto Braz, com sua pretensa autoridade travestida de consumidor, defender provedores e defini-los, de forma fantástica, como vítimas desta situação. Distorcendo a verdade, levando a arte de sofismar às últimas conseqüências, e tentando ridicularizar, ainda que sem sucesso, o papel da autora do texto, e, de uma formal geral, o brilhante exercício de cidadania que nos presta o Observatório da Imprensa.

(*) Músico, usuário do Internet Turbo da Brasil Telecom, representante em processo contra a Brasil Telecom no Ministério Público do DF e Territórios

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