PESQUISITE AGUDA
Antonio Fernando Beraldo (*)
Até que o pessoal da mídia impressa vinha fazendo quase tudo quase direitinho. Já se resignavam em revelar ao distinto público coisinhas como margem de erro, nível de confiança, data de realização das pesquisas, universo pesquisado e outras “insignificâncias”. Os gráficos ficaram mais simples e mais claros, as charges e caricaturas foram aos poucos deslocadas para o lado das análises, as manchetes e chamadas fecharam-se mais discretas, com uma ou outra recaída no besteirol apocalíptico… enfim, a mídia civilizava-se. Tudo convergia para um final feliz, a colombina de braços dados com o pierrô, mas eis que os eternos insatisfeitos com a baixa entropia rasgam no céu azul novas piruetas numéricas para tumultuar o jogo e confundir a moça. Na carona do horário eleitoral gratuito, adentram saltitando no tapete verde da pesquisite novos e sedutores arlequins, que atendem pelos pomposos nomes de “pesquisas de rastreamento” e “pesquisas qualitativas”.
Erupções recentes da pesquisite são da lavra da Folha de S.Paulo: o IAP e o IIP (parecem exclamações de música country, não?). O jornal até que colocou, ao lado dos gráficos dos IAP e IIP, numa letrinha menor do que clásula de apólice de seguros, a “bula” das tais novidades. É tudo muito simples: você, querido leitor, saca daquele microscópio que sempre carrega consigo, ajusta a lente de 100x, e fica então inteirado que o IAP (Índice de Aprovação de Imagem) do Lula é de 35,2% da imagem “ideal” da cabeça do eleitor (que será isso?), calculada segundo a média móvel do percentual obtido em 1.200 entrevistas das duas últimas pesquisas realizadas, mais ou menos 3%, para uma abrangência de 54% de eleitores que possuem telefone fixo e que assistem os programas eleitorais. Entendeu, analfa? Daí que é só calcular a raiz média quadrática dos produtos p por 1-p, na forma canônica da análise discriminante e temos o desvio padrão da expectância estimada do impacto causado pela aparição do retrocitado apertando a mão do Sarney (Sarney???).
Sacou? Entretanto, precisamos verificar a aderência entre as curvas dos IAP e IIP (se está acima ou abaixo da curva de intenção de voto “real”), e “nas próximas pesquisas, é necessário observar se essa melhora de imagem vai ‘puxar’ sua curva de intenção de voto, já que existe uma tendência de uma curva estar colada à outra” (Folha de São Paulo, 31/8). Entendeu? Não? Nem eu.
Na mesma
Depois desta história cheia de som e de fúria estatística, vem a tal da qualitativa. Nada contra a realização dessas pesquisas ? os partidos e os marqueteiros já fazem isso desde os tempos em que o Maluf sentava-se em cima das urnas do “colégio eleitoral”. É uma ferramenta e tanto para fins de refinamento de informações e orientação das campanhas.
A riqueza de dados, comparados e ponderados por estrato ? por exemplo, região do país ou classe socioeconômica ? é o que fundamenta o “instinto” dos marqueteiros e faz com que operem suas metamorfoses nas imagens candidáticas. Se uma dessas pesquisas descobre que determinado candidato fica bem de trancinhas rastafari, ou que beija melhor as criancinhas vindas pelo lado direito, ou que leva jeito para sambista ad hoc, legal! Seja feita a vossa vontade.
O problema é que extrapolar os resultados das “qualis” (qualitativas, para os não-íntimos), de uso interno e feitas com amostras de 10 a 12 pessoas, para o urbi et orbi, francamente, já é demais. Ou alguém acha que neste país-continente (essa é nova!) existe uma percepção média dos aspectos gerais do sejam os atributos de um candidato? E que esta percepção, mesmo admitindo-se que exista, pode ser detectada no acompanhamento de um grupo selecionado segundo a composição percentual da população brasileira?
Imagine um grupo de 12 pessoas, selecionado segundo as etnias que formam esta nossa imensa nação. Temos 4 brancos(as), 6 mulatos(as), 1 negro(a), e 1 amarelo(a), mas com um braço índio. O grupo senta-se em círculo depois de lhe ser mostrado o vídeo com uma seqüência de perguntas sobre temas palpitantes, e as respostas dadas pelos candidatos. Aos que ainda permanecem acordados, é feita, por exemplo, a seguinte pergunta:
“O que vocês acham da proposta do candidato X, de aumentar o superavit primário do país promovendo a substituição de importações pari passu com incentivos fiscais concedidos aos exportadores, ensejando a conquista de novos mercados?”
Segue-se um longo silêncio, até que alguém pergunta: “O que é proposta, hein?” Outro pergunta onde é o banheiro, outra quer saber se tem mais biscoito, outro diz que achou legal ter sido convidado, outro começa a contar uma piada e esquece o fim, todo mundo ri, a moça de óculos diz que vai votar no Serra porque ele é sério, aí o cara do lado fala que seriedade não significa competência, competente é o Ciro, a adolescente do grupo diz que o Ciro é um gato, mas que não entende o que ele fala. O que volta do banheiro diz que o país precisa é de um homem macho, todo mundo olha de lado para o sujeito, alguém desconversa e diz que gostou mesmo foi da voz do mediador do debate, uma pena ele não ser candidato.
Conversa vai e vem, depois de umas duas horas de papo os pesquisadores concluem que a postura de Lula foi 32,4% correta, mas deveria ser 54,7% mais participativa, e que não disse coisa com coisa para 12,3% da amostra. Já Ciro é “um grosso” para 25,3%, as perguntas foram impertinentes e ele reagiu bem para 51,3%, além de “político mente o tempo todo” e “ninguém presta” para 98,2%. Garotinho foi notado por um dos ouvintes, que perguntou se era verdade que o nome dele era esse mesmo, Anthony. Cerca de 0,4% da amostra percebeu que o Serra não pisca, 67% que fala português e parecia irritado com alguma coisa (78%). Resultado: aconselha-se ao candidato Lula que pare de esfregar as mãos e escolha melhor as companhias; ao candidato Serra que troque de terno e de careca, e largue de ser chato; ao candidato Ciro que seja menos birrento e mostre mais o vice; ao candidato Garotinho que… o que, mesmo?
E eu e você, paciente leitor, ficamos na mesma. Que coisa!
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