Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Acusação aquecida

NOTAS DE UM LEITOR

Luiz Weis

Andrew Gilligan, o repórter da BBC que acusou o governo do primeiro-ministro Tony Blair de ter aquecido (sexed up) o relatório dos serviços britânicos de inteligência sobre os alegados arsenais de destruição em massa de Saddam Hussein, confessou, em outras palavras, que fez o mesmo ? aqueceu uma informação recebida.

Em depoimento ao juiz James Hutton, que investiga as circunstâncias do aparente suicídio do cientista David Kelly, consultor do Ministério da Defesa sobre armas iraquianas, Gilligan admitiu na semana passada ter interpretado "de forma equivocada" o que Kelly lhe contara "em off". Ou seja, passou adiante mais do que tinha recebido.

Ele negou que o aquecimento tenha sido proposital, para aumentar o impacto do furo levado ao ar em um noticiário matinal da Rádio BBC, às 6h07 de 29 de maio. "Quando se fala ao vivo, sem texto, como ocorre no rádio, somos vulneráveis a esse tipo de erro", defendeu-se.

O repórter, de fato, não leu uma matéria pronta. Ele disse o que disse ? que o governo tinha inserido no relatório da espionagem a informação de que o Iraque podia iniciar um ataque com armas químicas e biológicas 45 minutos depois de dada a ordem ? em resposta a uma pergunta do apresentador do programa.

Pelo que Gilligan falou ao juiz, pergunta e resposta foram feitas de improviso. Difícil acreditar.

Apesar da confissão, a BBC continua sustentando que o dossiê sobre a capacidade militar do Iraque foi apimentado, para justificar a participação da Grã-Bretanha na guerra então em preparo.

As matérias da emissora sobre o assunto ajudaram a derrubar o que restava da popularidade de Tony Blair (cujo partido, não por acaso, acabou de perder uma eleição suplementar para uma cadeira no Parlamento).

Na edição desta semana, a revista The Economist, que não é propriamente fã da BBC, acusou-a de não ouvir o "outro lado" no caso todo. E fez pouco da alegação do diretor de jornalismo Richard Sambrook de que o governo jamais responde a perguntas sobre assuntos de inteligência, portanto, seria perda de tempo tentar.

Está certa a revista: a emissora tinha a obrigação elementar de bater à porta de 10, Downing Street, mesmo apostando que ninguém a abriria.

Resta saber como ficará de agora em diante a credibilidade da mais respeitada emissora de rádio e TV do mundo.