DEPARTAMENTO DE JORNALISMO
Nilson Lage (*)
O antigo "departamento de comunicação" da Universidade Federal de Santa Catarina mudou de nome na terça-feira, 11/6: passou a chamar-se Departamento de Jornalismo.
A mudança de nome ? algo sem precedentes na história da Universidade ? , foi autorizada pelo Conselho Universitário por solicitação do Conselho Departamental, aprovada pelo Conselho do Centro de Comunicação e Expressão. Ela representa novo passo no projeto de mudanças iniciado em 1998, quando o Departamento definiu objetivos em seu planejamento institucional: tornar-se centro de referência nacional na formação de jornalistas, em projetos e práticas de jornalismo; e centro de excelência no conhecimento do jornalismo, contemplando as técnicas emergentes.
Da decisão inicial decorreram, em junho de 1999, a eliminação da dicotomia tronco comum/tronco específico, com a direção do curso para um objeto delimitado ? o jornalismo; em maio de 2000, a mudança do nome "curso de comunicação, habilitação jornalismo" para Curso de Jornalismo; em 2001, a transferência para novas instalações, com laboratórios específicos para o aprendizado, prática e experimentação das técnicas do jornalismo, e o início de um programa de pós-graduação, funcionando inicialmente no nível de especialização.
O projeto prevê, como passos seguintes, a implantação de nova grade curricular, que reflita a natureza transdisciplinar da atividade jornalística, sem pretensão enciclopédica; e do ensino pós-graduado em sentido estrito, com a expansão paralela de projetos de pesquisa, de preferência vinculados às atividades de extensão, práticas laboratoriais e núcleos de reflexão teórica já existentes ou que venham a ser criados.
O que se pode dizer desse projeto?
Em primeiro lugar, que pretende ser ciência. Não quer, assim, julgar o jornalismo, mas conhecê-lo. Está construído em torno de objeto definido, prática social existente há 400 anos, se não contarmos sua pré-história habitada pelos aedos gregos, actae romanas, avvisii medievais, por trovadores, arautos e comentaristas. Dispõe-se a apreciá-lo do ponto de vista dos saberes instituídos e pelas metodologias cientificamente reconhecidas, sem descartar os mecanismos de cognição e inferência envolvidos na percepção, produção e recepção de mensagens.
Pode-se acrescentar que o projeto, além de objetivar o conhecimento, sofos (o que pressupõe a prática teórica ou logos) deseja gerar técnicas mais eficazes e adequadas intimamente à tecnologia ? tekné, portanto, que pressupõe poiésis, ou criação.
O currículo em estudo, que será apreciado pelo Conselho Departamental e encaminhado às instâncias superiores da UFSC até outubro, prevê, segundo a versão original, o contato desde o primeiro dia de aula com as técnicas profissionais em disciplinas teórico-práticas, contemplando especializações (cidade, economia, política, ciência etc.) e veículos (fotojornalismo, radiojornalismo, jornalismo na web etc.). Paralelamente, serão ministradas disciplinas de fundamentação epistemológica, como Teorias do Jornalismo e Teoria da Informação e da Mídia, e disciplinas ético-críticas, como Ética do Jornalismo, Crítica da Mídia, Controle de Opinião Pública etc.
Desaparece a palavra "comunicação", deixando apenas alguns itens aqui e ali ? em Teorias do Jornalismo. Por quê?
Há também várias razões.
A primeira delas é que o estudo de comunicação, inserido no quadro das "ciências sociais aplicadas" em dado momento histórico ? no quadro das tensões que precederam a Primeira Guerra Mundial; do intenso confronto político entre as duas guerras; e, finalmente, no contexto da guerra fria ? ambicionou, mais do que conhecer, mudar o mundo. A prática (no caso do marxismo, por exemplo) nos ensinou, porém, que a mudança pode resultar do conhecimento, mas é incapaz de motivá-lo; assim, o que deveria ser atitude humilde de investigação torna-se, no discurso ideológico, imposição de valores presunçosa ? ou arrogante, como preferem dizer agora.
Numa falácia clássica, a petitio principii (petição de princípio), partia-se da premissa de que o jornalismo era condenável para, então, inevitavelmente, inferir sua condenação. Essa manobra está evidente em discursos como o da Sra. Gaye Tuchman ["Objetivity as Strategic Ritual: an examination of newsmen?s notions of objectivity", American Journal of Sociology, vol.77, no. 2, 1972],sempre citada e raramente lida, quando admite que os jornalistas "podem afirmar" que apresentam versões diferentes da realidade, utilizam aspas para indicar que o repórter não está dando sua própria versão dos acontecimentos, apresentam os fatos mais importantes primeiro e separam cuidadosamente fatos e interpretações ? mas fazem tudo isso como um "ritual estratégico", cujo objetivo é "se proteger dos críticos e reivindicar, de forma profissional, a objetividade".
Aplicado o mesmo raciocínio a outras categorias de personagens, poderíamos afirmar que as pessoas comem com garfo e faca "para não ser expulsas do restaurante", que os médicos tentam salvar a vida dos pacientes "para receber o dinheiro da consulta" ou "para não serem expulsos pelos conselhos profissionais" e os antropólogos procuram preservar as culturas indígenas "para não verem drasticamente reduzido seu mercado de trabalho". Em suma, para a Sra. Tuchman, o carreirismo é regra entre os jornalistas; quanto às outras profissões, ela reconhece, no final de seu artigo, "devem aguardar um estudo sistemático" antes de serem condenadas. Em suma, um monte de bobagens.
É óbvio que comunicação se aplica a todos os sistemas, o que significa que, realmente, não se aplica a nenhum, pelo menos como procedimento delimitável; e que padece de qualquer metodologia consistente. Não se satisfaz com a aferição estatística, nem com os processos semiológicos oriundos da Lingüística, nem com os modelos processuais tomados das ciências exatas; prefere a má literatura, a redundância estilística, a fabricação de fenômenos e eventos que vão desde o falecido Chacrinha ao infeliz Garrincha e à milionária mamãe Xuxa que, segundo li há pouco no sítio do jornal O Estado de S.Paulo, separou-se de Marlene Mattos, não se sabe se litigiosamente.
Entre a pretensão de comandar o mundo e a pequenez datada da fofoca, é claro que a área de comunicação alienou-se progressivamente da realidade e das profissões que, por mero arbítrio (cinema, sim; teatro, não; publicidade, sim, design, não; etc.), foram incorporadas à "área", numa época em que o engajamento político dos jornalistas parecia ameaçador e se pensava diluí-lo no contato com as menos perigosas profissões da publicidade ou das relações públicas. Não é por acaso, assim, que, em 40 anos de investimento, no Brasil, quase nada tenha sido produzido com vistas à graduação ? e, desse pouco, um tanto tenha saído das reflexões de dissidentes, como nós outros.
(*
) Jornalista, professor titular da UFSC