INTERVENÇÃO NO ES
Victor Gentilli
A renúncia do ministro da Justiça Miguel Reale Jr. em razão do procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, anunciar que não fará a intervenção solicitada por unanimidade pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) mostra a dimensão política que o caso tomou. Brindeiro esteve entre aqueles que votou favoravelmente ao processo como membro do Conselho. Segundo os jornais, o presidente Fernando Henrique orientou-o a anunciar que não faria a intervenção. Aliás, os jornais já davam que o presidente do Supremo Tribunal Federal iria tentar todas as alternativas possíveis para evitar a intervenção.
Ninguém pode alegar que não sabia.
O Globo Repórter exibiu matéria especial sobre o crime organizado no Espírito Santo no fim dos anos 1980. Jamais fez suíte.
IstoÉ derrubou Élcio Álvares do Ministério da Defesa no início do segundo mandato do presidente Fernando Henrique, por supostas vinculações de assessores seus com o crime organizado. O ministro caiu, mas o crime organizado não foi para a pauta da grande imprensa.
O PT ganhou as eleições no Espírito Santo, junto com a primeira eleição de FHC. O governador Vitor Buaiz entendia que o importante era a governabilidade. Governabilidade, para o então governador petista, era o apoio da maioria da Assembléia Legislativa. A Assembléia Legislativa já estava dominada pelo mesmo grupo que agora está ameaçado de intervenção.
Vitor Buaiz afastou-se primeiro do PT, depois encerrou seu governo melancolicamente, sem condições, diante da opinião pública, de disputar a reeleição. Hoje está completamente fora do jogo político no Espírito Santo. Os prejuízos ao PT no estado, que já foi dos mais avançados no país, foi incalculável.
O erro de Buaiz foi buscar a governabilidade com a maioria de uma Assembléia Legislativa contaminada com o que há de pior na política, na ética e na lei. O pedido de intervenção no Espírito Santo, encaminhado semana passada ao STF pelo ministro da Justiça, prevê intervenção no Executivo e no Legislativo. O deputado José Carlos Gratz, presidente da Assembléia, dominava a Casa já no período do governo Buaiz.
A CPI do Narcotráfico apontou vários indícios de irregularidades no exercício do mandato de Gratz como deputado, como presidente da Assembléia e como cidadão ? além de uma série de irregularidades no Espírito Santo. Gratz nunca escondeu que, antes de se eleger deputado, vivia do jogo do bicho. O deputado afirma que abandonou a atividade depois que ingressou na vida pública.
O atual governador, José Ignácio Ferreira, só escapou de um processo de impeachment por um conjunto de irregularidades, principalmente porque se aliou ao grupo dominante da Assembléia. Sua honra, sua credibilidade e sua imagem na opinião pública, desde então, está no nível do chão.
Em 2001 este observador participou de um evento local, de dois dias, organizado pelo Ministério Público Estadual, dedicado exclusivamente ao relacionamento entre esta instituição de defesa da sociedade e a imprensa. A iniciativa teve pequena participação da imprensa. Era como se o Ministério Público estivesse pedindo socorro. Mas ou ninguém entendeu ou ninguém pôde dar a ajuda solicitada e necessária.
As razões do pedido de intervenção agora consumado são até outras do que os exemplos aqui listados. Mas os problemas no estado, que agora dão consistência ao pedido de intervenção federal, só não foram noticiados na imprensa porque a imprensa sempre ficou no factual, no declaratório, no superficial. Cada caso ligava ao crime organizado. E as pautas sempre cuidaram dos casos, não de suas ligações.
Dever da imprensa
A imprensa local ajudou nas condições possíveis. A Rede Gazeta enfrentou dificuldades, seja tendo que responder a processos com pedidos de indenizações de alto valor seja vendo o nome de seu colunista social (na casa há mais de 40 anos) envolvido no assassinato do advogado Marcelo Denadai ? o que se tornou a gota d?água do processo de intervenção.
A coluna continua com o nome do jornalista, mas o titular está afastado: um interino a vem tocando e, todos sabem, o colunista não volta mais ao jornal.
O Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal são, de fato, os verdadeiros responsáveis pela apuração dos fatos, que devem culminar com a intervenção no estado do Espírito Santo. A imprensa, infelizmente, não soube ou não pôde ajudar o Ministério Público, na dimensão em que era necessário.
Agora o caso vai para o Supremo Tribunal Federal, e de lá deve ser encaminhado ao presidente da República. Há versões de que ainda deve ocorrer aprovação da intervenção no Congresso Nacional.
Nada garante que a intervenção resolverá os graves problemas decorrentes do domínio do crime organizado no Espírito Santo e em várias de suas esferas de poder. Mas é certo que sem intervenção tudo tende a continuar como sempre esteve. Só a intervenção é capaz de tranqüilizar a sociedade capixaba.
Em outros locais onde há presença forte do crime organizado há espaços em que o poder do Estado não entra. No Espírito Santo, é necessária a intervenção para que se possa apurar com serenidade as possibilidades de o crime ter se apropriado do próprio poder de Estado.
A imprensa até agora tratou o caso pontualmente. Daqui em diante a sociedade brasileira quer informações sobre o que acontece neste estado ameaçado de intervenção no Executivo e no Legislativo. Só a imprensa &eeacute; capaz de cumprir este dever.