Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Alberto Dines

SARAMAGO vs. ISRAEL

A miopia de Saramago, copyright Jornal do Brasil, 30/3/02

"Ensopada de sangue, mesmo assim chamava-se Terra Santa. O horror retirou-lhe qualquer pretensão de santidade, hoje é território do ódio ? escancarado, assumido, generalizado. Naquilo que os romanos designaram como Palestina, pátria das religiões, nos últimos 18 meses, foram mortas 1.433 pessoas. A cifra é de quinta-feira, agora desatualizada porque já ocorreram novos atentados terroristas e a reação militar israelense mal começou.

As duas páscoas ? cristã e judaica ? entrelaçadas pela figura de Jesus-Ioshua são alegres. Relacionam-se com ressurreições, a cristã marca a vida nova daquele que foi crucificado três dias antes, a judaica lembra o fim da escravidão no Egito e o retorno à liberdade na Terra Prometida.

Dois milagres ocorridos numa pequena e estreita faixa do mundo que vai das margens do Mar Vermelho até Jerusalém. Dois prodígios que também podem ser vistos como manifestações da presença ou da vontade divina e, agora, ao serem lembrados, remetem a uma realidade demoníaca.

O Oriente Médio incorporou-se ao nosso imaginário através das remissões bíblicas, mas a violência dos acontecimentos reaviva seu outro nome, Oriente Próximo. Ele está aqui, ali, em toda parte, epicentro de angústias mundiais. Ao examiná-lo é impossível circunscrever-se a um único episódio. A velocidade é alucinante, a direção dos fatos lembra os estilhaços e os pedaços dos corpos que os atentados suicidas espalham em volta.

A proposta saudita aprovada por unanimidade na reunião da Liga Árabe em Beirute, quinta à noite, é um avanço. Equivale ao reconhecimento, mais de meio século depois, da existência do Estado de Israel. Mas a chacina de 25 israelenses ? crianças, adultos e idosos ? dois dias antes, em plena ceia pascoal no balneário de Netânia, foi tão chocante que o presidente palestino, Yasser Arafat, decretou imediatamente um cessar-fogo unilateral, aplicando o Plano Tenet que recusara semanas antes.

A represália israelense acionou a dinâmica de guerra. A convocação dos reservistas do exército é o primeiro passo de uma escalada em direção do impensável. Estamos na véspera de uma catástrofe ou diante do terceiro milagre. Aos crentes resta a opção de rezar, aos descrentes, a de refletir ? o que não deixa de ser forma de crer.

As declarações do escritor José Saramago no início de uma semana que normalmente seria Santa mas acaba Terrível podem ser o ponto de partida para uma reflexão sobre a irreflexão. Guerras não acontecem por acaso, como nas partidas de xadrez, em que a mera arrumação das peças no tabuleiro torna inevitável o confronto.

Guerras são estados dalma, sem exaltação não se declaram guerras. Poetas e artistas, levados pelos mais puros sentimentos, podem oferecer aos guerreiros as fagulhas necessárias para iniciar o incêndio. Como escritor, Saramago procura o sublime nos confins do homem. Mas como jornalista que sempre foi, e portanto é, oferece um contraponto desolador.

Ao comparar o que acontece nos territórios ocupados com a política de extermínio nazista em Auschwitz, o Nobel de Literatura, glória da cultura lusófona, não apenas fez demagogia barata mas demonstrou sua incapacidade para perceber a dimensão do que foi observar.

Se o homem de imprensa tropeçou, o militante político que parecia curado dos vícios do estalinismo teve uma perigosa recaída, comportando-se de forma rigorosamente totalitária: confundiu judeus com israelenses e considerou estes como uma massa fanática, incapaz de diferençar-se e criticar o seu governo. O que se passa na Cisjordânia e na Faixa de Gaza não incomoda apenas os convidados da Arafat mas confronta os fundamentos do Estado de Israel, coloca quase metade da população contra as políticas do governo Sharon e chegou a provocar um inédito manifesto de militares contra essas políticas.

Pior de tudo foi o agrado de Saramago aos círculos ?politicamente corretos?, com a deliberada e ostensiva omissão dos abomináveis ataques dos terroristas palestinos dirigidos exclusivamente contra alvos civis e que geraram o diabólico circuito de represálias.

O relativismo moral é imoral em qualquer circunstância, mas num escritor tão impregnado de humanidade é chocante. O escritor israelense Amos Oz, militante pacifista e tão esquerdista quando Saramago (talvez até mais, porque jamais teria silenciado diante do pacto Hitler-Stalin), deu uma lição no luminar das letras mundiais: ?Quem não distingue entre os diferentes níveis de maldade, acaba agindo como servidor do mal?.

Prova maior do sectarismo profano foi a segunda declaração do escritor, depois do massacre da Páscoa, quando insistiu na comparação entre judeus e nazistas e manteve-se omisso na condenação da violência. A reação em Israel, onde Saramago é um best-seller, foi extraordinária ? sem outra opção de protesto, os leitores fizeram a escolha legítima, aquela que corta os vínculos com o autor: devolveram seus livros às livrarias. Desrespeitou-os, não o querem em suas estantes.

O suave amante da paz ofereceu uma caixa de munição para a exacerbação da guerra. É natural que o seu Ensaio sobre a Cegueira esteja servindo de mote para toda sorte de críticas. Injusto: Saramago não é cego. O seu problema é miopia ? tem cura."

 

ARAFAT vs. AMAMPOUR

"Yasser Arafat, indignado, interrompe entrevista com CNN", copyright Último Segundo / Agence France Presse, 29/03/02

"JERUSALÉM, 29 mar (AFP) ? O presidente palestino, Yasser Arafat, interrompeu abruptamente sua entrevista à rede CNN, quando a jornalista Christiane Amanpour provocou sua raiva ao perguntar-lhe se daria provas de firmeza contra ativistas palestinos.

?Você deveria ser mais precisa ao se dirigir ao general Yasser Arafat?, criticou o presidente palestino, dirigindo-se à repórter, que se surpreendeu com a reação.

Christiane acabava de interrogá-lo sobre as declarações do secretário de Estado americano, Colin Powell, que fez um apelo ao presidente palestino a atuar com firmeza contra os atentados antiisraelenses, afirmando que eram a causa da atual crise no Oriente Médio.

?Você está me perguntando por quais razões me encontro completamente sitiado. Você é uma jornalista formidável?, exclamou Arafat, que pediu a Amanpour que respeitasse a profissão de jornalista.

?Com estas perguntas, você protege as atividades terroristas da ocupação israelense, os crimes israelenses. Seja justa!?, insistiu o presidente palestino. ?Não cometa este erro. Obrigado e até logo?, concluiu.

O presidente palestino concedeu a entrevista ao final de um dia de conflitos, quando o exército israelense cercou e atacou seu quartel-general de Ramallah, matando, segundo ele, sete palestinos e ferindo outros 40.

Durante o ataque, que durou quase todo o dia, a tropa israelense prendeu 70 pessoas e cortou os serviços de água e luz.

O presidente palestino disse na entrevista que os soldados israelenses destruíram sete dos oito prédios que faziam parte do complexo da Mukataa, onde funcionava seu quartel-general.

?Utilizam contra nós todas as armas americanas, aviões F-16, tanques Merkava, obuses, bombas, a artilharia?, acrescentou.

Ao ser interrogado sobre se pensava que os israelenses queriam ou não matá-lo, Yasser Arafat respondeu: ?O que você pensa do fato de que nos bombardeiam sem descanso há 24 horas? É uma coincidência? O verdadeiro terrorismo é a ocupação?."

 

BRASIL vs. NYT

"Embaixador protesta contra o NYT", copyright Estado de S.Paulo, 27/3/02

"O embaixador brasileiro em Washington, Rubens Barbosa, enviou carta ao New York Times protestando contra o teor da reportagem sobre trabalho escravo na Amazônia, publicada anteontem pelo jornal e em parte reproduzida pelo Estado. Segundo Barbosa, a reportagem assinada por Larry Rohter é ?maliciosa e induz o leitor ao erro?, ao associar essa situação às exportações de madeira e carne.

O embaixador lembra que a carne brasileira destinada à exportação não é produzida na Amazônia e que o governo brasileiro vem combatendo a exploração ilegal de madeira. ?O trabalho escravo no Brasil é visto como um problema extremamente grave, incompatível com uma sociedade democrática?, escreve o diplomata. ?Não é, porém, um fenômeno disseminado e muito menos associado às exportações?, prossegue. Barbosa termina a carta dizendo que ?esse vínculo inadequado está bem abaixo do padrão profissional que se espera do New York Times.?"