JORNALISTAS ATACADOS
“Guerras e símbolos”, copyright Jornal do Brasil, 12/4/03
“Qual a prova de uma vitória militar – conquista do território, capitulação escrita, eliminação física do inimigo, adesão dos vencidos, desfile dos vitoriosos, pacificação dos espíritos ?
A derrubada de estátuas dos tiranos não tem qualquer valor jurídico, estratégico ou moral, mera alteração paisagística, fruto de um espasmo de emoções, logo substituído por outro. A dupla Hitler-Goebbels desprezou a tradição dos antigos déspotas e, no lugar das estátuas, apostou na força do rádio e dos grandes espetáculos políticos: mobilizou 40 milhões de alemães para um dos projetos mais tenebrosos jamais inventados pelo homem e, quando o nazi-fascismo foi esmagado, quase não havia esculturas de Hitler para destruir.
A Alemanha de hoje – mais do que a França de Chirac – é uma realidade democrática porque além de capitular reconheceu os horrores praticados e aderiu ao ideário dos vencedores. O que não impede o aparecimento de perigosos surtos saudosistas em diversas parte do mundo, como aquele manifestado no julgamento da quarta-feira passada no STF (veja abaixo).
Nos últimos 15 anos, assistimos pela TV uma sucessão de exibições anti-estatuárias com as imagens de Stalin, Lenin e Milosevic arrancadas dos pedestais e, nem por isso, extinguiu-se o stalinismo, o despotismo russo ou o caudilhismo balcânico. A exibição da foto dos cadáveres de Mussolini e sua companheira, Clara Petacci fuzilados pelos partiggiani em 1945, não extinguiu o fascismo italiano. O despotismo secular e ?esclarecido? do Xá Rehza Pahlevi foi derrubado pelo fervor religioso dos aiatolás e o Irã é hoje uma ditadura não muito diferente daquela que enterrou.
O grande problema das guerras é que nas academias militares ensina-se a ganhá-las mas não a consolidar a vitória e estabelecer a paz. O Pentágono & subsidiárias foram canhestros na preparação política do ataque, foram amadores na condução do confronto e agora estão estatelados, incapazes de dar seqüência ao poder exibido no campo de batalha. Sequer terão o direito de colocar os louros nos capacetes diante da incapacidade de manter a ordem no território ocupado, exigência mínima dos manuais castrenses.
O caos nas ruas de Bagdá, Basra e o assassinato dos líderes xiítas aliados em Najaf são demonstrações claras de que os fabulosos recursos tecnológicos são insuficientes para consagrar uma vitória política sem a qual as vitórias militares são ilusórias. A traição que está sendo armada contra a nação curda da Ásia Menor e os curdos iraquianos em particular é uma imoralidade ainda mais grave do que a noção de guerra sem casus belli.
O grande paradoxo do poderio dos EUA é que foram capazes de produzir surpreendentes engenhos e engenhocas mas estão falhando na preparação dos recursos humanos para manobrá-los. A máquina que produz máquinas está no auge da eficiência mas a máquina que melhora os homens começa a engasgar.
Fenômeno visível a olho nu: nem Bush, nem o vice Cheney, muito menos Rumsfeld – seu klauzewitz de bolso – representam a capacidade intelectual das elites americanas. E, na outra ponta, os soldados nervosos que apertam o gatilho antes mesmo de saber se atiram no inimigo, exibem precária preparação psicológica, incompatível com as exigências das centúrias modernas. Treinados para uma guerra rápida, ?limpa?, insuficientemente calibrados para as inevitáveis surpresas, estão abatendo aviões e helicópteros dos coligados ingleses, aniquilando comboios dos aliados curdos, bombardeando mercados de um povo que deveria ser libertado e, para culminar, confundem câmeras de TV com fuzis de franco-atiradores e matam jornalistas que deveriam reportar os seus feitos. A morte dos três profissionais de imprensa na última terça-feira não foi um assassinato deliberado, foi demonstração de que o ?fogo amigo? que já causou tantas vítimas não é acidental. É pura incompetência.
Derrubar estátuas de tiranos é a parte mais fácil. Mais complicado é convencer os tiranizados que as tiranias não prestam.
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O comportamento do ministro Moreira Alves no julgamento do editor nazista no STF, quarta-passada, não chega a surpreender. A inusitada agressão ao futuro presidente da suprema corte, Maurício Corrêa, acusando-o de utilizar pareceres de outros juristas, não pode ser debitada a um momentâneo mau-humor ou desespero diante de um fiasco iminente. A citação de pareceres nas altas instâncias do judiciário é universal, necessária, porque agrega juízos em questões que deverão firmar jurisprudência. Mas ao mencionar apenas o parecer do professor Celso Lafer (que é judeu), ignorando um parecer ainda mais extenso do ex-Ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, o quase-ex-magistrado Moreira Alves não apenas explicitou os perigos do preconceito racial como deu um colorido muito especial ao currículo do ministro remanescente da ditadura militar.”
“Mortes levam à reavaliação da cobertura”, copyright O Globo, 10/4/03
“A contagem de corpos de jornalistas aumentou e algumas empresas de notícias começam a retirar seus repórteres do Iraque, depois que mais três jornalistas foram mortos terça-feira, seguindo-se às perdas de David Bloom, da NBC, e de Michael Kelly, colunista do ?Washington Post? e editor da revista ?Atlantic Monthly?. Com o total de mortes chegando a 12 profissionais, as emissoras reavaliam as estratégias, seja por questões de segurança ou pelo apelo que as histórias estão tendo na audiência.
– Estou muito nervosa. Não há motivo para manter os correspondentes mais tempo do que o necessário. O risco não compensa o resultado – disse Marcy McGinnis, vice-presidente da CBS News.
O produtor-executivo da ABC, Paul Slavin, afirma:
– Há o perigo, a exaustão de cada um e há também a pergunta se estamos conseguindo tirar tudo o que queremos dessa cobertura arriscada. Nessa guerra os correspondentes vão além dos níveis de segurança.
Alguns correspondentes incorporados a tropas não produzem mais novidades do front porque suas unidades militares pararam de seguir adiante, diz Slavin. A emissora já retirou Ron Claiborne do porta-aviões USS Abraham Lincoln e Tamala Edwards de uma base aérea no Kuwait. O repórter Bob Woodruff deixou uma unidade de fuzileiros porque era muito amigo de David Bloom. A CNN também chamou de volta três correspondentes que estavam em porta-aviões porque, segundo a porta-voz da emissora, Ali Zelenko, ?o interesse mudou-se para Bagdá?.
Perguntada sobre o ataque ao Hotel Palestine, a porta-voz do Pentágono, Torie Clarke, alegou ter dito repetidas vezes aos repórteres que ?uma guerra é cobertura perigosa e ninguém está totalmente seguro numa zona de conflito?.
Além das mortes já registradas, houve muitos episódios de alto risco no Iraque. Ron Martz, do ?Atlanta Journal-Constituition?, teve a proteção de dois soldados que foram feridos por balas que poderiam tê-lo atingido: ?Se eles não estivessem lá, certamente eu não estaria escrevendo essa reportagem?, relatou Martz. David Zucchino, do ?Los Angeles Times?, estava num veículo militar que afundou num canal, mas milagrosamente conseguiu escapar.
Para o historiador Bill Hammond, o número de vítimas entre jornalistas no Iraque não chega a ser surpreendente. No Vietnã, 54 morreram.
– Qualquer um na linha de frente está em perigo. Se Saddam lançasse mísseis contra o Kuwait, quem estivesse na retaguarda também correria riscos – diz Hammond.
Executivos de TV também estão tentando adaptar seus orçamentos em virtude dos níveis de audiência menores com a redução da dramaticidade da guerra. A audiência conjunta de Fox, CNN e MSNBC na primeira noite da guerra foi de 10,1 milhões de aparelhos, mas caiu para 7,2 milhões domingo passado. Algumas redes já começam a trazer shows de entretenimento de volta à programação e diminuem o espaço dedicado ao noticiário da guerra.
Curiosamente, as notícias deprimentes da morte de colegas não parece diminuir o interesse dos jornalistas em coberturas de guerra.
– É uma cobertura difícil. Mas os correspondentes ficariam chateados se tivessem de voltar – diz John Carroll, editor do ?Los Angeles Times?.”