GOVERNO LULA
"Metáfora e realidade", copyright Jornal do Brasil, 31/05/03
"A velha fala do trono, solene e rara, ganha novos formatos e freqüências. FHC converteu as pequenas cerimônias palacianas em oportunidades de convívio entre governo e governados e, através de pronunciamentos periódicos, assumiu o papel de narrador da vida nacional.
Fabuloso fabulista, Lula enriqueceu a fórmula substituindo o padrão racional, entremeado com ironias, pela retórica do senso comum. Trocou o que os americanos chamam de opening joke (a piada de abertura, para desarmar os espíritos) por um clima de papo entre amigos, galhofeiro, coloquial, com uma carinhosa alusão à ?patroa?, a incansável Dona Marisa. Tornou a gramática irrelevante e, com a ajuda das metáforas retiradas do universo pequeno-burguês (sobretudo esportivo) e doses apropriadas de emoção, estabeleceu uma irresistível fórmula de comunicação.
?Eu não mudei, a vida é que muda?, a pérola eloqüente da última terça-feira, desconcertou os críticos menos inclinados para sofismas e deixou aos radicais (a quem foi dirigida) a inglória tarefa de esmiuçar os intrincados significados da coerência. ?Todos nós tivemos momentos de loucura?, proclamou no dia seguinte, ao assinar o novo programa de saúde mental. Não deu bola para uma possível relação entre uma afirmação e outra: já na quinta desvendava o seu lado musical à nação de assobiadores e batucadores, pedindo paciência, porque a orquestra está afinando: logo começará o espetáculo do crescimento.
Tática rigorosamente correta: José Dirceu comanda o trator político para aprovar as reformas, Palocci aferra-se à calculadora fiscal e Lula faz o que gosta de fazer – está em campanha. Desta vez, feliz da vida, aplaudido, livre de superegos, soltinho da silva.
Mas alguém precisa cuidar da loja: os desacertos estão evidentes. Está faltando o gerente para dar um murro na mesa e dizer com todas as letras que o ?presente? da Boeing é insultuoso: o país não está quebrado, pode pagar o afretamento de um avião de passageiros de uma das grandes empresas nacionais. Mais grave ainda: o jato enfeitado com o brasão da Presidência da República para levar Lula à reunião do G-8 é concorrente direto, ostensivo, da Embraer, um dos orgulhos da indústria nacional.
O Fome Zero já tem similares internacionais como o Hambre Cero mas, reconheçamos, não levantou vôo, sequer chegou à cabeceira da pista. O disparate da multiplicação de ministérios para consolar os companheiros derrotados, com aumento das despesas e inevitáveis choques de egos, estava previsto mas foi minimizado (v. Platão, Palocci e os 100 Dias, 28-12-02). A solução agora encontrada é ainda mais absurda: um superministério da área social que, obviamente, irrigará com verbas extras o orçamento e as vaidades dos descontentes.
A cruzada contra as agências reguladoras é um contra-senso, passo atrás no velho estilo da tábula rasa e da descontinuidade que sempre caracterizou as trocas de governo e tanto contribuiu para o nosso atraso. Ao invés de consertá-las, inicia-se o desmonte de uma das instituições mais eficazes e mais legítimas das modernas democracias.
Alguém esqueceu de verificar que a estrutura da recém-criada Secretaria Especial da Pesca é incomparavelmente maior do que a estrutura da Secretaria Nacional de Segurança Pública, peça-chave no combate ao crime organizado.
É justamente na questão da segurança que fica mais visível o descompasso entre a ilusão das metáforas e a crueza das realidades. E não por culpa do Ministério da Justiça, que não esconde a necessidade de federalizar o combate ao narcoterrorismo.
Há 10 dias a troika de Brasília não faz outra coisa senão explicar a manutenção das taxas de juros, esquecida de que é fato consumado, irrecorrível, não adianta espernear. O governo está preocupado com os radicais do PT, com os xiitas da Fiesp e os guerrilheiros da Coteminas, esquecido de que qualquer alteração só poderá ocorrer dentro de três semanas, na próxima reunião do Copom. Enquanto isto, radicaliza-se de forma assustadora a situação do Rio de Janeiro e o país assiste entre angustiado e humilhado aos triunfos da coligação da inépcia com a corrupção e a bandidagem.
José Dirceu sensibilizou-se com as vaias dos servidores – convém acostumar-se. Em algum momento, as metáforas no andar de cima podem começar a ser chamadas de ?conversa mole?."
"De forma personalíssima", copyright Folha de S. Paulo, 29/05/03
"De um opinante da Globo, ontem, sobre a viagem de Lula ao G8, onde vai apresentar, ?com muito prestígio?, seu Fome Zero mundial:
– Lula deve estar surpreendendo os que não acreditavam que o torneiro mecânico pudesse representar o Brasil com tanto brilho no exterior. É que a simplicidade é sábia.
Fosse apenas opinião deslumbrada, mas isolada, e não soaria tão mal. Mas havia mais.
Por exemplo, ouviu-se anteontem que ?as doações do Fome Zero ajudam brasileiros de todo o país?. Que ?o programa enfrentou críticas?, mas ?vem ganhando terreno?.
O ministro José Graziano surgiu no Jornal Nacional para declarar, orgulhoso:
– Estamos criando uma rede nacional de solidariedade.
E a locução:
– Sessenta crianças da creche A Turminha da Arca sabem bem o que significa essa rede de solidariedade. Até bolo, que era um luxo para essas crianças, agora tem todo dia.
Para as crianças, mas não para o presidente da República que representa o Brasil com tanto ?brilho?. Mais JN:
– Lula perdeu sete quilos desde o início da dieta no dia 5 de maio. Ao receber a rainha da Festa do Doce, o presidente posou com uma bandeja. Não comeu nenhum.
O fascínio personalista não é só da Globo.
Cada passo de Lula, cada improvisação ou gesto inusitado, como ontem no lançamento do programa voltado aos portadores de deficiência mental, recebe na televisão um destaque de celebridade onipresente.
Entende-se assim a revolta do PFL com o programa político do PT, semana passada.
Em seu inusitado -e até aqui bem representado- papel de ?oposição fiscalizadora?, a legenda de Jorge Bornhausen quer a cassação do próximo horário petista, já que Lula tomou boa parte do último:
– Falou por quatro minutos na primeira pessoa, trazendo para si, de forma personalíssima, as realizações do governo e os desejos pessoais.
Na propaganda de Duda Mendonça, mas sobretudo fora dela, nos telejornais, avança um culto à personalidade de fazer lembrar Getúlio.
Enquanto o culto se espalha, ?o desemprego bateu um recorde de 18 anos?, no enunciado do JN repetido por quase toda a cobertura de rádio e TV.
Vem o diretor técnico do Dieese e, diante dos 20,6% de desemprego, defende -quixotesco- a queda dos juros. Argumenta que, do contrário, só se pode pensar em recuperação do emprego em 2004.
Não adianta, porque do outro lado o governante está cego por seu próprio ?brilho?."
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"Resta saber", copyright Folha de S. Paulo, 28/05/03
"- Será?
Era o Bom Dia Brasil, ontem, horas antes da reunião em que a Executiva Nacional do PMDB decidiria pelo apoio ao governo Lula.
A dúvida não era sobre apoio ou não, mas sobre se tal apoio é confiável, se significa alguma coisa.
Afinal, segundo a Jovem Pan, a decisão da Executiva era uma exigência do governo para ele não enfrentar ?negociações? com parlamentares do PMDB a cada votação.
Mas, observou Alexandre Garcia na Globo:
– Resta saber se o governo poderá contar mesmo com o PMDB.
Segundo a CBN, a decisão não é definitiva, tem que ser aceita por uma reunião do Conselho Político do partido que nem foi marcada.
E Michel Temer, presidente do PMDB, saiu declarando que foi decidido apoio ao governo Lula, mas que fazer parte dele é uma outra coisa.
Peemedebistas são treinados como ninguém nesse vaivém da barganha congressual. Apóiam, mas não apóiam. E insistem em ajudar a ?decidir?.
Foi assim durante os anos FHC. Na lembrança do mesmo Garcia:
– Muito se discute se foi o PT que não permitiu as reformas de Fernando Henrique. A verdade é que foi a divisão do PMDB, na base governista.
O PT de Lula e José Dirceu, com sangue frio na barganha, não entregou ministério. Vai, ao que parece, pedir pagamento antecipado.
A eleição de Lula foi seguida de muita ironia em relação ao PFL, na cobertura. Depois de cinco séculos no poder -era o que se dizia, até na Globo- o partido teria uma experiência do outro lado.
É cedo para saber se a legenda sobrevive fora do poder, diante da sangria de parlamentares, mas havia um saudável orgulho em seu slogan, nos comerciais veiculados ontem:
– Oposição Responsável e Fiscalizadora.
E o PFL não parou aí. Jorge Bornhausen e outros bateram seguidamente no aumento de impostos, a grande bandeira do pensamento conservador, no mundo todo. Seria a saída para o crescimento.
Sobre juros, nem pensar.
A Polícia Federal estaria atrás do ?paradeiro? de Fernando Collor desde janeiro.
Se acompanhasse TV, teria visto o ex-presidente na semana passada, durante uma festa, em longa entrevista a Amaury Jr. -elogiando os primeiros meses de Lula."
"A imprensa e os governantes", copyright Folha de S. Paulo, 30/05/03
"Pesquisa divulgada ontem pela Macroplan, com jornalistas, apresenta um quadro variado sobre como a classe está avaliando o governo Lula e os governos estaduais. Foram entrevistados jornalistas de 12 Estados, em um total de 116 profissionais, 22% dos quais de Brasília. E a pesquisa abrangeu os quatro primeiros meses de gestão de Lula e dos governadores.
Na avaliação global do governo Lula, foram massacrantes os índices de aprovação para os quesitos ?Liderança e condução política? (96% de ótimo/bom) e ?Postura pública? (95%), caindo no item ?Compromissos com propostas de campanha? (62%).
Depois, a pesquisa foi dividida em 15 quesitos referentes a cinco dimensões do governo Lula. Em relação às questões fechadas, as avaliações mais positivas foram em relação aos seguintes itens, segundo o relatório:
a) a construção das condições de governabilidade e da base de apoio ao governo (92% de muito bom ou bom), destacando-se também a coordenação geral do governo;
b) a formulação e a orientação geral da política econômica (84% de muito bom ou bom); destacando-se também a operação, a execução e a gestão da política econômica;
c) a formulação e a orientação da política externa (83% de muito bom ou bom), com igual destaque para a operação/gestão e os resultados da política externa;
d) o destaque negativo foi para a operação, a execução e a gestão das políticas sociais, com avaliação negativa em quase 80%.
Em relação às questões abertas, três itens mereceram avaliação positiva: a equipe econômica e a política econômica do governo; a performance de Lula e o desempenho da economia e a confiança do mercado.
No item ?equipe econômica e condução da política econômica?, os pontos salientados foram a capacitação do ministro da Fazenda e do presidente do Banco Central, a coesão interna da equipe e a melhoria das condições macroeconômicas -demonstrando que o discurso oficial ?pegou? na mídia, do mesmo modo que o discurso dos juros no primeiro ano do governo FHC.
Em relação a Lula, foi salientado seu estilo de governar, a capacidade de conduzir as reformas e o papel de liderança que o país está assumindo na América Latina.
Já as avaliações negativas se concentram no Fome Zero (quase 49% dos itens negativos), os conflitos internos do PT, a falta de entrosamento entre as lideranças de diversas áreas e o desempenho de alguns ministros.
A pesquisa constatou otimismo nas avaliações de curto prazo sobre a economia e pessimismo em relação à questão social, especialmente no item ?segurança?.
Em relação aos Estados, a avaliação se referiu ao primeiro trimestre, com indicações de destaques positivos e negativos. Apenas 3 dos 12 governadores tiveram avaliação positiva -Geraldo Alckmin, de São Paulo (78% de muito bom/ bom), Aécio Neves, de Minas Gerais (65%), e Germano Rigotto, do Rio Grande do Sul (53%).
Na ponta negativa, Rosinha Matheus, do Rio de Janeiro (96% de ruim ou muito ruim), e Joaquim Roriz, do DF (73%)."