Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Alberto Dines

GOVERNANÇA PROGRESSITA

“A volta dos progressistas”, copyright Jornal do Brasil, 19/07/03

“No século 19, designava os que apoiavam o regente Diogo Feijó, defensores dos avanços institucionais. Nos anos 30, 40 e 50 do século passado, os progressistas ganharam tinturas ideológicas como classificação genérica para os que se opunham ao nazi-fascismo. Incluía os liberais em política (como Roosevelt), os socialdemocratas, trabalhistas, socialistas fabianos, simpatizantes do comunismo (não stalinistas) e certas alas trotsquistas.

Englobava os democratas e anti-reacionários que combatiam o fascismo, o clericalismo, o militarismo e, em alguns países, o monarquismo. Onde os partidos de esquerda eram ilegais, usava-se o adjetivo como disfarce para não comprometer simpatizantes e iludir os órgãos de segurança. ?Progressista? também substituía classificações menos nobres, caso dos ?inocentes úteis? e da ?linha auxiliar? (do PCB).

Quando o nazi-fascismo configurou-se como movimento de massas em escala mundial, representação do Mal Absoluto, os progressistas tornaram-se seu antídoto natural, contribuindo para a criação das frentes amplas antifascistas, como o Front Populaire da França, as ligas antifranquistas na Espanha e a nossa Aliança Nacional Libertadora, anti-Vargas. O pacto Hitler-Stalin e o stalinismo enfraqueceram o conceito progressista que, no entanto, foi revivido no Brasil através da resistência à ditadura militar.

O progressismo fez o seu retorno formal aos dicionários políticos no sábado passado, em Londres, quando a quarta reunião de cúpula da chamada Terceira Via (criada por Bill Clinton em 1999) resolveu denominar-se de Governança Progressista. O encontro reuniu 15 chefes de Estado (inclusive o presidente Lula) e cerca de 500 dirigentes políticos e intelectuais de 30 países.

Não foi um mar de rosas nem conseguiu parecer com o início de uma onda cor-de-rosa. Imperaram as contradições, a começar pela posição do anfitrião Tony Blair, que há quatro anos emprestava a Clinton o suporte ideológico do seu novo trabalhismo e agora abastece George W. Bush com algumas doses de charme e inteligência para tornar menos troglodita a doutrina neoconservadora da Casa Branca.

Incoerência maior no coração progressista é a situação dos partidos socialistas e socialdemocratas europeus, que ainda não conseguiram re-elaborar o projeto do Estado Previdenciário. A Europa inventou a maioria dos ismos modernos – marxismo, socialdemocracia, anarquismo e nazi-fascismo – mas falta-lhe inspiração para a reinvenção de um projeto político humanista no exato momento em que as conquistas da ciência, da tecnologia e da cultura tornaram o homem mais longevo, mais sadio, mais próspero e mais informado.

A utopia cosmopolita representada pela União Européia corre grandes perigos porque alguns dos seus pilares estão nas mãos de uma direita sem complexos, assumida e agressiva. Se, no momento, a França de Chirac finge alguma autonomia com relação ao governo americano, na primeira oportunidade saberá encaixar-se e liderar o bloco reacionário neolatino integrado por Berlusconi, Aznar e Durão Barroso.

O curtíssimo verão inglês converteu a primeira reunião progressista do século 21 num badalado festival dominado pelo grande barato da amnésia política. Entregues ao pragmatismo e aos vedetismos, os progressistas de carteirinha ou simpatizantes esqueceram a razão de ser, o elemento fundador do movimento progressista: o horror à direita.

Curiosamente, o único a lembrar o perigo reacionário foi Bill Clinton, ao declarar que ?a nova direita converte em divisão qualquer diferença?. A direita não quer consensos e aproximações, sua dieta são as crises e os contenciosos. Mas, curiosamente, o único a criticar Clinton foi o presidente Lula, levado pela irritação com FHC, amigo e companheiro do antecessor de Bush.

Na última disputa presidencial americana, os progressistas dos EUA e do resto do mundo não souberam enxergar as diferenças entre Al Gore e George Bush. ?É a mesma coisa?, diziam e preferiram votar ou apoiar Ralph Nader, do Partido Verde. Como na Alemanha de 1933, quando os comunistas também juntaram no mesmo saco os socialdemocratas e nazistas. Os resultados são conhecidos.

O problema agora não é a simplificação, mas a tentação de empurrar com a barriga. Está evidente que o renascimento do progressismo foi um golpe de marketing político para recuperar a imagem de Blair e do novo trabalhismo inglês. Pode ser legítimo sob o ponto de vista local mas representa um fiasco na grande feira ideológica contemporânea.

A situação internacional pede algumas referências básicas de caráter político e moral. Não se pode entronizar a success-story efêmera, pontual, com alto teor retórico ou simbólico, e confundi-la com um projeto nacional. Oportunismo pode ser opção tática mas nunca foi partido político.”

 

ECOS DA GUERRA

“Restrições profissionais ao jornalismo”, copyright Folha de S. Paulo, 19/07/03

“O jornal ?The Independent? relacionou e a Folha publicou nesta semana 17 mentiras atribuídas à dupla Bush-Blair (reunidos anteontem para discutirem a saída da enrascada) ou a seus auxiliares por conta da ocupação militar do Iraque. É uso comum -e todo mundo sabe disso- que sempre se acha um bode expiatório para mostrar que os mentirosos foram outros, e não os líderes. O Direito, nesse campo, passou por transformação radical ao longo dos séculos. A regra, durante as monarquias absolutas e, depois, nas grandes ditaduras, era a de que o rei ou o líder não cometiam erros (?King can do no wrong?, no original inglês). O direito constitucional revogou-a.

Bush e Blair como ficam na fotografia? São legalmente responsáveis pelo que disseram e pelo que fizeram, considerados os deveres de seus cargos. Quando se pensa, porém, na cobertura jornalística e na obrigação resultante da plena liberdade de informação, livre de censura, a fotografia da mídia sai pior. Bush e Blair estiveram mais para Gepettos do que para Pinóquios (Gepetto foi o marceneiro criador de Pinóquio, boneco de madeira que ganhou vida própria e cujo nariz crescia quando mentia. Ambos foram personagens imaginados pelo italiano Carlo Collodi em 1881). Acolhendo informações oficiais, sem juízo crítico aceitável, a mídia só acordou quando os objetivos militares e econômicos de conquista do Iraque estavam completados. Enfim, acordou, mas acordou tarde.

A conduta dos Gepettos e dos Pinóquios chama a atenção pelo efeito colateral da contribuição que o jornalismo deu na divulgação não-crítica das informações falsas. Há mais: a mídia internacional continua silenciando sobre os presos de Guantánamo, dois dos quais, por serem britânicos, serão provavelmente libertados depois da visita de Blair, ficando os outros submetidos a cortes militares, sob o risco de condenação à morte.

No Brasil, país em que o diploma de jornalista é exigido para o exercício profissional, a avaliação não melhora. Pergunta-se: diploma ajuda?

Sentença recente, publicada no jornal da Associação dos Juízes Federais da 3? Região, da magistrada Carla Abrantkoski Rister, da 16? Vara Federal, em ação civil pública movida pelo Ministério Público, diz que não. Concluiu pela dispensa do diploma, afirmando que a prática do jornalismo não se enquadra nos casos em que as qualificações profissionais estabelecidas na lei devam ser satisfeitas por meio de curso em escola exclusiva dessa profissão. Ela refere acórdão do Supremo Tribunal Federal relatado pelo ministro Thompson Flores, para quem as condições de capacidade devem funcionar como defesa social, sob preponderante interesse da sociedade.

Na atualidade, as máquinas de governo, com enorme capacidade de dominação e convencimento, exigem particular qualidade intelectual para separar o joio do trigo. O jornalismo levou meses para detectar e caracterizar as mentiras graves e para expô-las. A verdade a pesquisar, por trás da vontade dos governantes, exige capacidade imediata de compreender todos os lados dos fatos da administração antes de serem noticiados ou comentados, para assim os transmitir aos leitores, ouvintes e telespectadores. São requisitos que andam em baixa. Será bom que a experiência desse conflito sugira novos rumos e exigências para o jornalismo nacional e internacional, agora que a dúvida honesta e o juízo crítico severo voltam a ganhar corpo.”

 

NYT COM OMBUDSMAN

“‘NYT’ analisa a contratação de ombudsman”, copyright O Estado de S. Paulo / The Washington Post, 22/07/03

“A oposição feroz do jornal The New York Times à contratação de um ombudsman parece estar diminuindo. ?Não tenho aversão visceral a isso?, disse Bill Keller, o novo diretor de redação, numa entrevista. Após o escândalo do caso Jayson Blair, muitos analistas disseram que o NYT foi prejudicado pela falta de um crítico independente dentro de casa para examinar o que estava errado, em vez de designar a jornalistas essa função, que, em última análise, era responsabilidade do homem sob fogo cruzado, Howell Raines.

Um comitê presidido pelo redator-chefe-adjunto, Allan Siegal, que deve informar suas conclusões este mês, não tomou nenhuma decisão, mas fontes dizem que ele discute quais seriam os deveres do ombudsman. Para começar, Keller apresentou a questão: ?É alguém cuja tarefa principal é escrever uma coluna sobre as falhas do jornal ou é uma pessoa autônoma de controle de qualidade dentro do jornal??

O diretor responsável, Arthur Sulzberger Jr., afirmou ao Baltimore Sun que também está disposto a considerar a possibilidade de um ombudsman.

Cerca de 30 jornais americanos têm ombudsmen independentes, cujas tarefas incluem atender às reclamações dos leitores e desafiar a administração.

Recentemente, por exemplo, o ombudsman Michael Getler, do Washington Post, desancou o jornal por causa da informação publicada em abril de que Jessica-Lynch, soldado do Exército, tinha sido atingida por tiros e apunhalada no Iraque e criticou a seqüência por deixar de tratar ?das questões que deterioram a confiança de um grande número de leitores?. E Don Wycliff, ombudsman do The Chicago Tribune criticou o cartunista Dick Locher, por ter ?ultrapassado todos os limites? com um desenho que mostra Bush entregando dinheiro a uma figura masculina com um ?nariz adunco? e ?a Estrela de David?.

Há muito que o NYT resiste a um ombudsman. Em 2000, Keller, na qualidade de redator-chefe, escreveu um editorial sobre a cobertura do jornal a respeito do caso Wen Ho Lee, cientista acusado de entregar segredos nucleares à China. Disse que o jornal estava ?orgulhoso? da reportagem, mas também encontrou algumas coisas que desejariam ?ter feito diferente?. Tal exame teria sido feito pelo ombudsman, se o Times tivesse um.”