Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Alberto Dines

ERA LULA

"Muros e muralhas", copyright Jornal do Brasil, 9/08/03

"Muralha, paliçada, talude, tapume, barreira, trincheira, cerca e paredão significam a mesma coisa: proteção. Depois do escudo, o muro é o mais antigo recurso defensivo do homem. A muralha de Jericó, segundo a lenda, não resistiu às inocentes trombetas dos atacantes. A da China, nas suas diferentes versões, conseguiu ao longo de 2 mil anos manter a integridade do império mas não evitou as guerras. Ao contrário, acirrou a sanha dos inimigos até converter-se em monumento à própria vulnerabilidade.

O Muro de Berlim durou menos de meio século e logo mostrou a sua ineficácia diante da vontade de reunir a Alemanha e encerrar a Guerra Fria. Foi a última tentativa de usar um cinturão fortificado para impor divisões e garantir a segurança de uma das partes.

Quando Oscar Niemeyer e Lúcio Costa planejaram a Praça dos Três Poderes não cogitaram de fortes e fortins para proteger os marcos da República de eventuais ataques e agressões. A lei é a grande muralha do Estado democrático. O respeito à Constituição é material indestrutível, resistente, imbatível.

Os atentados da terça-feira aos prédios do Congresso mostram que essa muralha moral ainda não está consolidada. As vidraças serão rapidamente reparadas mas a noção de soberania e inviolabilidade foi ferida. O problema não se resume à minoria de baderneiros de Brasília, o problema reflete uma fenda, na inviolabilidade de nossas instituições, que não pode ser minimizada.

A idéia de um muro defensivo de concreto saiu do esquecimento quando o governo de Israel começou a insistir na construção de um alto paredão no território onde serão definidas as fronteiras com o Estado Palestino. A reação dentro e fora de Israel – inclusive entre seus principais aliados – mostra a falência do mito da pedra.

O projeto está sendo condenado não apenas pela esquerda e os pacifistas israelenses mas deflagrou um doloroso debate que remete à própria utopia sionista. Um bunker fortificado não é exatamente a representação do sonho de emancipação de Theodor Herzl.

Depois da onda de massacres terroristas, a sociedade israelense tem o direito de discutir as alternativas estratégicas e políticas para garantir a sua sobrevivência física e nacional. Mas a comunidade judaica não pode esquecer o que significaram os guetos e as judiarias na sua sofrida história. Combinavam segregação e defesa, dividiam e protegiam, isolavam e preservavam. Confinados naqueles quarteirões, os judeus podiam ser mais facilmente protegidos dos progroms e, ao mesmo tempo, mais facilmente exterminados.

Um das últimas obras do judeu tcheco Franz Kafka (1883-1924) é a obra póstuma Muralha da China, coletânea de metáforas absurdas e pessimistas. O imperador que mandou erigi-la não a completará, tudo é inacabado, inclusive o imperador, inclusive o ser humano.

Muro não é modus vivendi, é a lembrança perturbadora da guerra.

***

Roberto Marinho (1904-2003) foi lembrado e louvado como o construtor de um império. Indispensável lembrá-lo como jornalista. No jornal forjou-se o talento para criar, na redação fabricou a fibra, no convívio com os companheiros desenvolveu sua fidalguia. O império de comunicação e entretenimento que Roberto Marinho construiu, nasceu no chumbo e tem um compromisso com o papel."

 


"Lula e a imprensa", copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 6/08/03

"Meu amigo Ricardo Kotscho, de molho em sua casa, em São Paulo, onde convalesce de ?mais uma cirurgia bem-sucedida?, enviou-me, por fax, através da Secretaria de Imprensa e Divulgação da Presidência da República, que chefia com a reconhecida lealdade e competência, um bilhete pessoal, a respeito de observações que fiz no programa Roda-Viva, da TV-Cultura, em avaliações críticas sobre as relações do governo com a imprensa.

Como o tema é de permanente atualidade e dada a qualificação do remetente, transcrevo o essencial do texto, que merece publicação e alguns breves comentários: ?gostaria de esclarecer uma questão que você levantou logo no início do programa sobre as relações do presidente com os jornalistas. Tempos atrás, o professor Carlos Eduardo Lins e Silva levantou uma tese no jornal Valor, depois reproduzida pela Folha de S. Paulo, segundo a qual o presidente Lula não dá entrevistas, não fala com jornalistas, e por aí afora.

Não é verdade, mas como costuma acontecer nestes casos, a inverdade acabou sendo repetida tantas vezes que acabou se tornando um fato consumado.

Em respeito ao amigo, pedi um levantamento sobre as entrevistas coletivas, encontros, conversas e audiências com jornalistas que o presidente teve nestes primeiros sete meses de governo. Foram 19 ao todo. É pouco diante do que gostaria que fosse, reconheço, mas é mais do que foi concedido por qualquer outro presidente, no mesmo período, em qualquer época. É por isso que muitos criticam Lula por falar demais – e não só em discursos, ou monólogos, como escreveu o catedrático.

Concordo plenamente com você quando diz que o presidente não tem que dar entrevistas exclusivas. Tanto que a única constante da lista, que lhe passo em seguida, concedida a BBC, baseou-se inteiramente em perguntas enviadas por ouvintes e telespectadores de todo o mundo, incluindo o Brasil, é claro. Até então, este formato só tinha sido usado pela BBC com Clinton e Putin.

Não há neste governo, ao contrário do que habitualmente acontecia em Brasília, colunistas ou repórteres com acesso privilegiado ao presidente. Posso garantir que não há privilégios e procuro atender a todos da forma mais democrática possível.?

Os esclarecimentos de Ricardo Kotscho definem o modelo de relações que o presidente, por ele assessorado, pretende manter com a imprensa. Em tese, nenhum reparo a fazer. Mas, sobra espaço para algumas ponderações.

De saída, no deslumbrado açodamento dos primeiros dias depois da posse e assoberbado pela montagem do ministério de dimensões jamais vistas, o presidente não abriu espaço para que o seu assessor seguisse a rotina da convocação da clássica entrevista coletiva à imprensa. Com a pompa e o protocolo da liturgia que é inerente ao cargo: presidente no centro da mesa alteada, cercado de assessores e jornalistas de todos os jornais, revistas, rádios e TVs sentados no auditório. A abertura com a exposição do presidente, seguida da roda de perguntas dos previamente inscritos e as respostas.

Todo presidente costuma prometer a regularidade mensal dos encontros coletivos. Nenhum cumpriu a palavra. Na alternância dos bons e maus momentos de todos os governos, o contato com a imprensa oscila em sintonia com o humor presidencial.

Examinei a lista com o levantamento das 19 ?entrevistas coletivas, encontros, conversas e audiências? do presidente com os jornalistas. O balanço não chega a ser estimulante. Entrevista coletiva para a imprensa brasileira, com convite a todos os órgãos, não há registro de nenhuma. Vá lá que da peneirada sobrem três a grupos de repórteres. Menos de uma a cada dois meses.

Atingem o pico de meia dúzia as coletivas conjuntas, nas viagens internacionais do presidente, dividindo o palanque com o anfitrião. O que não é vantagem: presidente quando pisa em terra estrangeira, solta a língua. No mais, a miudeza de quatro conversas, três audiências e três exclusivas: a O Dia do Presidente, para a revista Carta Capital; a TV Future, do Líbano e a citada à BBC.

Francamente, é pouco. Se os critérios merecem aplausos, o presidente não tem confirmado no governo o relacionamento cordial com os jornalistas. Papos informais, na correria de lançamentos de planos, projetos não entram na conta.

Devem ser contabilizadas como quireras da propaganda."

 


"Decisão bem-vinda", copyright MM Online (www.mmonline.com.br), 4/08/03

"Ainda não foi desta vez que os responsáveis pelas finanças públicas conseguiram beliscar um pedaço da receita de editoras de jornais e revistas ou das emissoras de rádio e TV. No final da semana passada o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou o artigo 17.07 da Lei Complementar n? 116, que altera a tributação do Imposto Sobre Serviços (ISS).

Este artigo incluía na lista dos serviços que devem recolher o imposto a veiculação de propaganda em mídia impressa e eletrônica. Até hoje, jornais, revistas, rádios e emissoras de TV são isentos de taxas sobre sua receita publicitária e, com o veto presidencial, devem continuar da mesma forma. A íntegra da LC n? 116, com os vetos determinados pelo presidente, foi publicada no Diário Oficial da União da sexta-feira passada, dia 1?.

Para os veículos a medida foi um alívio. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) sempre defendeu que, por ser a radiodifusão um serviço gratuito e aberto, no qual não há como identificar o consumidor final, ela não é passível de tributação. Havia também o temor de uma possível manipulação política, já que cabe às prefeituras fixar a alíquota do ISS que vai valer para o município – ou isentar os segmentos que quiser, fixando alíquota zero.

?Nossa preocupação era no sentido de que as pequenas emissoras de rádio e TV ficassem dependentes do poder público municipal, na medida em que, por razões políticas, a prefeitura viesse a taxá-las ou não?, diz o presidente da Abert, Paulo Machado de Carvalho Neto. A entidade, em conjunto com a Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) fez gestões junto ao Congresso e à Casa Civil para conseguir a retirada do artigo em questão.

O presidente da ANJ, Francisco Mesquita Neto, calcula que muitos veículos correriam o risco de fechar caso as prefeituras passassem a cobrar 5% (alíquota máxima permitida pela lei) sobre suas receitas publicitárias. ?O importante é que o governo entendeu que essa taxação é inconstitucional e agiu rapidamente?, afirma Mesquita Neto, referindo-se à imunidade tributária garantida pela Constituição a jornais, livros e periódicos.

A mesma linha de argumentação seria seguida pela Aner, em audiência marcada com o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, para a sexta-feira passada – e que acabou não acontecendo em função do veto presidencial. ?A linha se baseou em dois pontos principais: o efeito negativo que esta nova tributação teria sobre o setor da comunicação como um todo, que já atravessa um momento econômico muito difícil, e a inconstitucionalidade da lei sobre a área de mídia impressa, que tem imunidade tributária assegurada inclusive para taxações na propaganda?, conta Carlos Alzugaray, presidente da entidade.

Isenção

A LC n? 116, datada de 31 de julho, estende o número de serviços sujeitos ao imposto municipal, fazendo com que várias atividades hoje isentas do ISS passem a recolhê-lo. No caso dos veículos, a antiga LC n? 56/87 determinava a incidência de ISS sobre serviços que envolvessem ?veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de publicidade por qualquer meio (exceto em jornais, periódicos, rádio e televisão).

O projeto aprovado pelo Congresso retirava essas exceções. O item 17.07 (que foi vetado) da lista de serviços tributáveis apontava como passível de cobrança do imposto a ?veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, por qualquer meio?.

O Ministério da Justiça propôs o veto por entender que o item em questão não condiz com a imunidade que a Constituição confere (no artigo 150) à mídia impressa. Além disso, segundo a argumentação do Ministério, a incidência de ISS sobre a mídia recairia sobre serviços que extrapolam as fronteiras municipais. Nesses casos, compete à União regular o assunto.

Vale lembrar que, para as agências de propaganda, o pagamento do ISS continua valendo. Especialista em questões tributárias, Antônio Calil Cury, da Duda Mendonça & Associados, explica que a nova legislação não afetaria diretamente as agências. ?Mas, se os veículos tivessem que arcar com um porcentual alto de ISS, eles dificilmente seriam capazes de absorver isso e acabariam repassando aos clientes?, analisa. Ainda não foi desta vez."