Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Alberto Dines

GOVERNO LULA

“Imagens e palavras”, copyright Jornal do Brasil, 25/10/03

“Ano passado, nestes dias, estávamos tomados pela febre das pesquisas na véspera do segundo turno das presidenciais. Agora, estamos diante de novo surto de pesquisite aguda, com a divulgação de uma avaliação do desempenho do governo nestes primeiros 10 meses de um mandato de 48.

Ao fascínio com placares esportivos, soma-se uma devoção às loterias e à numerologia, o que converte as sondagens de opinião no principal vetor da nossa cena política. A tradição positivista francesa combinou-se aqui ao cientificismo americano segundo o qual science is measurement (ciência é medição), o que nos leva, invariavelmente, ao terreno do absolutismo das cifras.

Nessa enxurrada de estatísticas e percentuais despencam as cotações dos analistas e disparam as dos marqueteiros, capazes de reverter com bruxarias tudo o que parece imponderável.

Esse é o perigo. O inevitável desgaste de um governo que prometeu tantos milagres é menos preocupante do que o novo estoque de truques e ilusões com os quais se pretende uma reversão dos últimos resultados. Nada trágicos, por sinal. O governo Lula continua numa situação muito confortável.

Marqueteiros, porém, vivem da hipocondria de governantes: diante de qualquer disfunção ou mal-estar, entopem os pacientes com doses cavalares de medicamentos. Gostam de apresentar-se como estrategistas mas são, na melhor das hipóteses, táticos. Suas soluções são pontuais, paliativas. Pretendem uma sabedoria que só os verdadeiros políticos, devidamente vividos, sofridos e, principalmente, conscientes, são capazes de produzir.

Néstor Kirchner, o presidente argentino, é um caso exemplar. Na campanha eleitoral foi obviamente assessorado por marqueteiros mas, depois da posse, os seus extraordinários índices de aprovação resultam unicamente do seu faro, tino e percepções políticas. É bom lembrar que Kirchner sequer ganhou o segundo turno; foi eleito graças à desistência do adversário, Carlos Menem.

Um país dramaticamente dividido entre as diversas facções peronistas e os antiperonistas de repente aglutina-se em torno da sensatez e do pragmatismo. No 20? aniversário da redemocratização, a Argentina aparece, numa América Latina tradicionalmente fragmentada, como exemplo de consenso e maturidade. O que foi confirmado pelo ex-presidente Raul Alfonsín, na última semana, no Rio. Enquanto nos esgoelamos em intermináveis pendências sobre o controle externo do Judiciário, Kirchner não perdeu tempo e já se desfez de três ministros da Suprema Corte.

Está na hora de refrear a retórica e atenuar o nível da emoção. Corremos o risco de converter cada discórdia em contencioso e cada divergência em litígio. Essa sucessão de celeumas deixa marcas, mina a confiança. Não soma, subtrai. Tira o apetite para fazer, construir.

A ministra Benedita não é culpada do desgaste; culpada é a velha tagarelice de Cantinflas que, embora mexicana, candidata-se a converter-se em musa da próxima temporada. Exemplo de eloqüência imprópria foi a fala do Presidente da República à agência espanhola EFE na véspera do seu embarque para Oviedo.

Esquecido da penetração da agência na América Latina, o chefe da nação fez o seguinte comentário sobre a renúncia do colega boliviano, Sanchez de Lozada, na semana passada: ?…A culpa pelas revoltas populares que derrubam presidentes é dos governantes que traem suas promessas eleitorais…?

O presidente Lula assume abertamente a defesa do sistema do recall e acrescenta-lhe um ingrediente: pode ser na marra. O governador da Califórnia foi removido pelo voto um ano depois de eleito, porém Lula vai mais longe – defende o impeachment no grito. Além de deixar mal, muito mal, diversos presidentes latino-americanos igualmente contestados por trair suas promessas, nosso presidente oferece um prato feito aos radicais do seu partido que cobram o esquecimento de compromissos políticos.

Lula estava evidentemente estressado: depois da habitual maratona brasiliense foi a Belo Horizonte, onde concedeu a entrevista, depois embarcou para Brasília, atravessou o Atlântico para receber o prêmio Príncipe das Astúrias e regressou no mesmo dia.

O deslize certamente não será detectado na próxima sondagem mas as eventuais marolas poderão incomodar. Sobretudo porque os remédios continuarão a ser aviados pelos magos da imagem e este início de governo pede mais cuidado com as palavras.”

“Elio X Teresa: um fato, duas visões”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 27/10/03

“Quando dois jornalistas de primeiro time dão informações e opiniões totalmente antagônicas na mesma edição de jornal (também de primeiro time) e baseados no mesmo acontecimento – um discurso no Senado na quarta-feira, 22/10 – isso merece uma bela reflexão, porque a única explicação possível é que eles se apoiaram em fontes diferentes e também dedicaram graus diferentes de atenção ao assunto.

Teresa Cruvinel, na página 2 da edição de domingo (26/10), depois de afirmar no título de uma nota que o senador sergipano Almeida Lima é o Rolando Lero do Senado (em alusão ao saudoso personagem da escolinha do Prof. Raimundo, que falava muito sem dizer nada), informou, em tom de crítica, que ele ?ocupou a tribuna por duas horas com denúncias sobre irregularidades no programa de capinação de ruas da prefeitura de Aracaju?, adiante classificado como ?frente de trabalho para dar empregos a nordestinos sem renda?.

Elio Gaspari, na página 16, dá uma versão mais longa e picante sobre o discurso do senador. Elio informa que Almeida Lima acusou o prefeito Marcelo Déda de gastar R$ 462 mil nesse ?programa de capinação? (e exatamente nos meses finais da campanha eleitoral de 2002), exibindo fotografias que mostram como Déda pagou R$ 17 mil para capinar uma área cimentada, R$ 5.900 para capinar uma garagem e outros R$ 100 mil para limpar uma área de apenas 1.500 metros quadrados (mais ou menos 30 metros de frente por 50 de fundo).

Teresa, para demonstrar sua metáfora do Rolando Lero, lembra que, em setembro passado, ?Almeida Lima tentou obstruir a longa sessão da Comissão de Constituição e Justiça que aprovou a reforma previdenciária, lendo um voto em separado de 430 páginas?. Elio preferiu recordar que o líder do PT no Senado, Tião Viana, buscando desqualificar Almeida Lima, acusou-o de não ter devolvido a ajuda de custo da convocação extraordinária de julho, durante a qual viajara para o Chile com a família. E Elio registra a clara resposta de Almeida Lima, que viajara com a família à sua própria custa, e mostrou na tribuna o pedido de licença à Mesa e de desconto dos dias que estaria ausente do país.

Para Teresa, emerge a imagem de Almeida Lima como ?homem de falações demasiadas ou impróprias?,

?prolixo? e que colegas de Senado consideram ?um excelente vereador federal?. Elio não faz juízo de valor sobre Almeida Lima. Prefere recordar que a senadora petista catarinense Ideli Salvati, em situação semelhante – uma acusação infundada – soube retratar-se com elegância e grandeza. O que deixa no ar, com aquela finesse típica de Elio, a atribuição de deselegância e pequeneza ao senador Tião Viana.

Teresa, obviamente, guardou para a edição de domingo uma nota que não lhe pareceu urgente nem superimportante (botou no pé da coluna) e confiou somente em informações, opiniões e lembranças de senadores, por ela identificados como ?os colegas? de Almeida Lima. Elio achou que o tema merecia ser a matéria principal de sua página dominical e correu atrás.

Recomendo ler os dois e imaginar o que você teria feito diante do mesmo fato e com compromissos diferentes (mas ambos dominicais) perante os leitores.”

“Palocci Na TV”, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 25/10/03

“Se há alguma mensagem mais consistente na fala do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, realizada ontem em cadeia nacional, é que o governo fez a sua parte, cabendo agora aos empresários desempenhar o seu papel. ?O governo está cumprindo sua promessa de garantir estabilidade econômica?, disse Palocci. ?Agora é preciso que os empresários respondam com o investimento de recursos?, completou.

Ora, em que pesem os bons resultados no controle da inflação, na queda do risco-país e na redução da cotação do dólar, estes dois últimos com o providencial auxílio de uma conjuntura internacional favorável a fluxos de capitais para países emergentes, o ministro esqueceu-se de mencionar os graves problemas que o ajuste gerou para um setor produtivo já altamente endividado. São conhecidos os índices alarmantes de desemprego, bem como a contínua queda da renda dos trabalhadores.

Embora os juros básicos efetivamente declinem, eles são os mais altos do mundo. Permanecem muito elevadas as taxas cobradas no crédito a empresas e consumidores. Os ?spreads? praticados pelo setor financeiro no Brasil são uma perversa anomalia, à qual, registre-se, o ministro não se referiu.

Fica a impressão, para os menos avisados, de que a responsabilidade pela retomada do crescimento agora é do setor produtivo, que precisa investir, quando a criação das condições para fazê-lo dependem igualmente do governo e do setor bancário. Não é demais lembrar que a atual administração ainda está a dever o estabelecimento dos chamados ?marcos regulatórios?, ou seja, do conjunto de regras que norteia o investimento em áreas estratégicas, como a energia. Nesse mesmo sentido, não foram aprovadas as legislações acerca das agências reguladoras e das parcerias entre setor público e iniciativa privada.

Também não estão claras as prometidas políticas industriais e permanece confusa a atuação do BNDES. Não há dúvida de que o investimento é fundamental. Ele, no entanto, não irá ocorrer em decorrência de apelos pela TV, mas à medida que os potenciais investidores encontrarem as condições propícias e seguras para fazê-lo. E elas, infelizmente, ainda estão por ser criadas.”