O DEFEITO UNIVERSAL
“Considerações bissextas”, copyright Jornal do Brasil, 03/01/04
“Inaugurados os novos calendários, convém pensá-los no todo, como idéia. Ou símbolos ? afinal esta é a Era dos Símbolos, pelo menos para nós brasileiros. As kalandae romanas designavam o dia dos ajustes, sobretudo cronológicos, quando se faziam os acertos entre a contagem do tempo astronômico e sua aplicação civil. Os gregos, mais empíricos, não as usavam, razão da expressão ?ficar para as calendas gregas?, o Dia de São Nunca.
O principal ajuste do calendário gregoriano no século XVI foi a adoção, a cada quadriênio, de um ano diferenciado, o ano bissexto, exceto nos anos seculares não divisíveis por quatro. Por isso, em 1900 não tivemos o ano bissexto ? coisa da qual ninguém lembra -, ao contrário do que aconteceu em 2000 que, para os economistas e estatísticos, parece ter sido um ano bom, que também ninguém lembra apesar de tão próximo.
Para os comuns mortais, o ano bissexto manifesta-se na ampliação do mirrado mês de fevereiro em mais um dia. Isto não chega a promover grandes alterações, a não ser para os nascidos em 29 de fevereiro, que, teoricamente, só teriam direito a soprar velinhas de quatro em quatro anos.
Bissexto é o ano irregular por convenção. Lembrete de que, apesar de tanta ordem, mensurações, regulamentos e regulagens, periodicamente somos obrigados a alguma ação corretiva, caso contrário a contagem final sai errada, não bate.
Isso não nos obriga a fazer de 2004 o ano das coisas descabidas ou intempestivas. O caráter bissextil, esporádico, das ações humanas não se restringe aos anos bissextos. Seria um horror que todos os poetas bissextos fossem tocados ao mesmo tempo pela compulsão de versejar empurrados não pelas musas mas pelas ampulhetas, calendários ou agendas eletrônicas. Foi por isso que Vinicius de Moraes, em versos memoráveis, insurgiu-se contra as obrigações, rotinas e tiranias do sagrado sábado.
Em compensação, é extremamente salutar que, vez ou outra, tocados pelas dores do mundo ou de cotovelo, tiremos as liras das gavetas para cometer algumas linhas, rimadas ou não. A poesia é necessária, como proclamou Rubem Braga, mesmo intermitente, bissexta. Ao menos para contrapor-se à coleção de 57 bonés guardada no Palácio do Planalto.
Com o mandato presidencial recém-começado, difícil imaginar que a excepcionalidade de 2004 seja traduzida em guinadas ou surpresas. Como Deus é brasileiro em regime de full-time e o país só cresce à noite, quando os políticos dormem, estes 366 dias podem ser de vacas menos magras graças à vaca louca americana (ou canadense). O diferencial deste diferenciado ano certamente não será a sonhada reforma política, mas pode ser um súbito pudor capaz de acionar hombridades, destravar línguas e maneirar conchavos.
Bissexto apenas no nível municipal, o calendário eleitoral beneficiará a política federal e estadual se produzir fatos novos, anteparos ao generalizado e incontrolável populismo. Com provão ou sem provão, com controles externos ou sem eles, com agências reguladoras ou um Estado Novíssimo, o Brasil não pode converter-se num gigantesco Amapá, onde manda o amigo do rei e o resto se alimenta de esperanças.
Bissexto é o solavanco corretivo ainda que fugaz. Minúsculo intervalo, esperado, mas eventualmente imprevisível, sistema de mutações programadas porém capazes de surpreender. Anos bissextos não mudam o curso da história nem desfazem tendências, meras convenções para corrigir os relógios do tempo.
Mas trazem consigo a salutar idéia do defeito universal.”
ELE ACERTOU TODAS
“Não aconteceu, mas demos antes!”, copyright O Estado de S. Paulo, 04/01/04
“Sabe-se muito bem que os estudiosos estão sempre certos. Nunca erramos nada. Tudo que acontece é algo que previmos. Por isso, no fim das contas, pessoas gastam um bom dinheiro para ler nossos cintilantes pensamentos. Lendo a prestigiosa New Yorker de algumas semanas atrás, por exemplo, poderia se obter a informação da quase impossibilidade de encontrar Saddam Hussein no Iraque:
?A força-tarefa de busca por Saddam foi, desde o início, assustadora.
Segundo Scott Ritter, ex-inspetor de armas da ONU, ela poderia ser também fatalmente falha. De 1994 a 1998, Ritter dirigiu uma unidade especial da ONU no Iraque. ?Os homens de confiança de Saddam eram os murafaqin, seus mais leais acompanhantes, os únicos que podiam ficar próximos deles carregando armas?, disse-me Ritter. ?Mas agora ele foi para um ambiente diferente ? as tribos. Ele liberou os homens de suas unidades mais próximas e os deixou voltar para suas tribos, e não sabemos onde estão…? A força-tarefa, de qualquer modo, mudou seu foco de concentração da busca por Saddam à medida que está cada vez mais ocupada com a dispersão da guerrilha.?
Dias mais tarde, um aliado traiu Saddam e ele é hoje o mais famoso prisioneiro do mundo. A análise? Cortesia de Seymour Hersh, um dos mais festejados jornalistas investigativos de nosso tempo. E um especialista no assunto.
Ou lendo a publicação liberal American Prospect no último verão poderiam ser vistas as proféticas palavras: ?Arnold Schwarzenegger não vai ser o novo governador da Califórnia. Além disso, sua derrota vai representar um importante momento na mudança da política americana que está em gestação há algum tempo ? em relação a uma política em que os eleitores tomam decisões mais com base em suas afinidades culturais do que em resposta ao carisma ou a fama do candidato.? Ah, bom!
Pelo menos, acertaram a guerra. Eis aqui Simon Jenkins em The Times de 28 de março. O título do artigo era: Bagdá vai ser difícil de conquistar. O que diz o parágrafo principal: ?Em Bagdá, a coalizão enfrentará uma cidade aparentemente determinada a resistir. A coalizão deve lembrar de Napoleão em Moscou, Hitler em Stalingrado, os americanos em Mogadiscio e os russos em Grozny. Cidades hostis têm maneiras de transformar a vida de seus agressores em um inferno. Não são como as áreas rurais. Dificilmente capitulam, a menos que (os defensores) estejam todos com as costas contra a parede. Levou dois anos, depois que os americanos se retiraram do Vietnã, para Saigon cair nas mãos dos vietcongues. Cabul cedeu aos guerrilheiros só quando o Taleban saiu da cidade. No deserto, exércitos combatem exércitos. Nas cidades, os exércitos combatem cidades. Os iraquianos não foram estúpidos. Eles ouviram estrategistas ocidentais falarem sobre como uma batalha no deserto seria brincadeira de criança. As coisas ficariam difíceis apenas se Saddam levasse os americanos para Bagdá. Por que ele faria de outra forma??
Portanto, não dá para ganhar todas. Robert Fisk, por exemplo, é conhecido por deixar seu desdém pelos americanos encobrir crimes de tiranos árabes como o grande líder Saddam. Ei-lo aqui, na jogada, destemidamente usando sua imaginação na guerra contra o Iraque:
?Quem duvidar que o Exército iraquiano esteja preparado para defender sua capital deve pegar a rodovia ao sul de Bagdá. Como, fico me perguntando, podem os americanos se lançar contra essas defesas? Por milhas a fio elas se reproduzem, trincheiras, fileiras de artilharia pesada e caminhões de soldados. Desde a guerra Irã-Iraque de 1980-1988 não se via o Exército iraquiano mobilizado como agora; os americanos podem dizer que estão destruindo as defesas do país, mas havia poucos sinais disso aqui na quarta-feira.?
Vale lembrar que Fisk ainda é publicado em jornais e revistas de gosto duvidoso. Um homem que entendeu tudo ? tudo ? errado a respeito do Oriente Médio, passou a maior parte deste ano escrevendo uma baboseira completa sobre o Iraque, ainda é um herói da classe jornalística liberal.
Mas ele esteve em boa companhia em 2003, que, talvez, seja melhor lembrado como o ano em que vivemos erroneamente. Mesmo este humilde correspondente, que previu o sucesso no Iraque, a vitória de Schwarzenegger e uma forte recuperação da economia americana entendeu algumas coisas de forma errada.
Sim, eu pensei que era verdade a existência de autênticas armas de destruição em massa no Iraque. Em vez disso, descobriu-se a infra-estrutura e planos para desenvolvimento futuro. Embora a justificativa da guerra tenha se mantido ? ou seja, Saddam como a mais perigosa arma de todas -, sou obrigado a dizer que entendi errado. Assim como, claro, o fizeram a ONU, Hans Blix, o MI6, o governo francês, a CIA, o New York Times, os democratas e ? possivelmente ? Saddam.
As grandes surpresas? Ninguém previu de forma correta o extraordinário crescimento de Howard Dean e a força de sua insurreição virtual no Partido Democrata. Ele continua sendo o maior assunto americano do ano. Ninguém previu a surpreendente recuperação da economia americana, voltando a uma taxa de crescimento anual de 8,2% no terceiro trimestre. Quase ninguém previu os impressionantes ganhos de produtividade.
Poucos previram o surgimento de Schwarzenegger como governador do Estado mais rico dos EUA. Poucos poderiam prever que o New York Times admitiria ter publicado dezenas de reportagens de um jovem produto da ação afirmativa, Jayson Blair, em um escândalo que ajudou a derrubar um dos mais arrogantes editores da história daquele jornal.
Portanto, aqui vão as previsões para 2004.
Bush será reeleito de lavada, uma revolução vai derrubar os mulás em Teerã, a Nasdaq vai alcançar 2.500 pontos e… ah, não importa! Ninguém acreditaria em mim. E não deveriam. Vejo vocês no ano que vem.”
“Não dá para inventar isso tudo”, copyright Jornal do Brasil, 05/01/04
“Uma frente fria que vinha do Sul, como as outras, meio devagar, estava a caminho do Rio. Quarenta e oito horas antes de ela chegar, o Instituto Nacional de Meteorologia anunciou que eram de 90% as probabilidades de chover, na praia de Copacabana, durante a virada de 2003 para 2004.
Previsões de mau tempo não se confirmaram nos últimos fins de ano. Como fez sol à tarde, pouca gente saiu de guarda-chuva. Mas, para sorte dos meteorologistas, caiu uma garoa na orla marítima, antes de meia-noite, embora o tempo tenha continuado bom até de manhã em grande parte da Zona Sul.
Prever o futuro, antes da hora, envolve riscos. Um Prêmio Nobel de Economia, o americano Kenneth Arrow, que serviu como meteorologista na Segunda Guerra Mundial, conta que o Alto Comando encomendou, certa vez, ao departamento onde ele trabalhava uma previsão com um mês de antecedência. Não havia satélites meteorológicos, nos anos 40, mas os homens ainda usavam chapéu. Os previsores responderam que um prognóstico para o mês seguinte seria tão aleatório quanto sortear um número no chapéu. Assim mesmo, os militares insistiram. Precisavam de uma previsão a fim de fazer o planejamento.
Sempre foi assim. Os gregos recorriam aos oráculos para administrar o risco e tomar decisões. De forma parecida, toda vez que um ano começa, os pais-de-santo sorteiam os búzios na Bahia. As autoridades monetárias, por sua vez, dão declarações em Brasília para dizer, solenemente, qual será, nos 12 meses seguintes, o comportamento da economia.
Tudo são palpites. Keynes observou que, nas estações tempestuosas, os economistas só conseguem prever uma coisa: que o oceano estará calmo quando a tempestade passar. Foi o caso de um presidente dos Estados Unidos, Herbert Hoover. Ao ser eleito, em 1928, ele disse que seu país estava mais perto de derrotar a pobreza do que qualquer outra nação na história. No final de 1929, já na recessão, ainda insistiu em que a crise era passageira: ?Estamos às vésperas da prosperidade?. Resultado: a produção caiu 9,3% em 1930 e 8,6% em 1931. Em junho de 1932, o PIB americano estava 55% abaixo do seu pico em 1929. Resultado: Hoover perdeu para Roosevelt ao disputar a reeleição.
Não se sabe até hoje o que desencadeou a Grande Depressão. Perturbações desapercebidas provocam muitas vezes expansões ou cracks imprevistos. Com base na teoria do caos, basta que um elétron mude de posição na orla da Via Látea, em função do campo magnético, para alterar o resultado de um jogo de bilhar em Cachoeira de Macacu. Ou, como se costuma dizer, uma borboleta que bate suas asas mais depressa no Havaí desencadeia, sem querer, um furacão no Caribe.
Prever exige imaginação. De todas as previsões para o ano que começa a mais curiosa é uma retrospectiva antecipada de 2004 que o jornalista americano Joseph Kahn publicou no Boston Globe do dia 31, com o subtítulo ?Não dá para inventar estas coisas?. Em resumo, a situação se complica, nos Estados Unidos, quando a promotora especial Janet Reno começa a investigar os laços entre a empresa Halliburton e a Casa Branca após uma série de denúncias do Washington Post sobre contratos suspeitos no Iraque e pagamentos para importantes autoridades ministeriais.
Em agosto, confirmando os rumores de envolvimento no escândalo, o vice-presidente Dick Cheney renuncia ao mandato ?por motivos pessoais e pelo bem deste grande país?. Diante disso, o presidente Bush, candidato à reeleição, escolhe como companheira de chapa Condoleezza Rice, aquela sua conselheira de Segurança Nacional. Em novembro, Bush vence em todos os Estados, menos Massachussetts, mas as investigações sobre o caso Halliburton o atingem pessoalmente. Intimado a depor, o presidente renuncia, para evitar o impeachment, declarando-se ?medicamente incapaz de continuar no cargo depois de uma operação malsucedida no joelho?. Os americanos terminam 2004 sob o governo de uma negra.
Já que tudo é inventado, não custa acrescentar que às vésperas de 2005 um grupo da Al Qaeda seqüestrou George Bush quando o ex-presidente entrava sozinho no banheiro de um MacDonald de Houston, no Texas.
Osama Bin Laden aparece na televisão dizendo: ?Nós o pegamos!?”
“Um ano maluco como outro qualquer”, copyright No mínimo (www.nominimo.com.br), 03/01/04
“A demissão de Pedro Bial no Big Brother Brasil, o casamento de Eduardo Suplicy, a conversão de Chiquinho Scarpa ao islamismo e um rumoroso escândalo sexual na Festa Literária de Paraty são favas contadas na prospectiva de 2004.
Ninguém precisa ser vidente, pai-de-santo, astrólogo ou cientista político para prever que este será um ano maluco como outro qualquer. Pode ser até que nada de estranho aconteça a Pedro Bial, Eduardo Suplicy, Chiquinho Scarpa e aos intelectuais reunidos em Paraty, mas isso é um detalhe que não muda em nada a irrelevância dos fatos que estão por acontecer.
Não será surpresa para esta coluna se, em 2004, Roberto Carlos lançar um disco para Maria Rita ou se Yasser Arafat for de novo barrado na Missa do Galo em Belém. Mas nem só de notícia velha viverá a imprensa no ano que começa. Repara só:
Lula lança logo nos primeiros dias de janeiro o programa Melancia no Lixo Zero
Michael Jackson será condenado a prestar serviços comunitários na casa de Ozzy Osbourne
Ricardinho Mansur vai namorar Daniella Cicarelli
Romário terá problemas na virilha
Gwineth Patrow vai engravidar, mas ainda não será dessa vez que Ney Latorraca realizará o sonho do filho independente
Eduardo Suplicy vai se casar com uma moça da periferia de São Paulo
Lula achará Nova Dhéli um mimo de cidade
Gerald Thomas será indiciado por sonegação de impostos
Algo marcante acontecerá com Luma de Oliveira no Carnaval
Maluf subirá nas pesquisas após divulgação pelo seu comando de campanha de um dossiê sobre Luis Favre
Rosinha Garotinho fará papel de garça dourada em espetáculo beneficente de dança
A posse de Marco Maciel promete ser um dos espetáculos mais chatos da temporada
Heloísa Helena passará por uma transformação radical
O torcedor do Botafogo sentirá saudades da segunda divisão
Fernandinho Beira-Mar fugirá da cadeia e será encontrado escondido em Bangu 1
Nova York viverá um dia de cão
O PFL vai tentar obstruir a votação da reforma política no Congresso
A Venezuela será admitida como membro associado do Mercosul
Roberto Carlos lançará um disco no final do ano com cinco canções para Maria Rita
A primeira-dama Marisa Letícia começará a dar os primeiros sinais de cansaço no exercício do cargo. Sua ausência será notada em cerimônias oficiais no Palácio do Planalto
Um rumoroso escândalo sexual entre dois escritores famosos abalará a Festa Literária de Paraty
A torcida não dará trégua a Parreira
O mordomo de Lady Di contará toda verdade sobre o mordomo do príncipe Charles
A bursite voltará a incomodar Lula
Os muros do estádio do Morumbi amanhecerão pixados com a palavra de ordem ?Fora Rivaldo!?
Marlene Mattos vai dar uma virada na carreira de Monique Evans
O PMDB deixará o governo escandalizado com as práticas da turma do PT
Caetano Veloso concederá nova entrevista exclusiva a Geneton Moraes Neto, que promete dessa vez não fazer nenhuma pergunta sobre o Lobão
Pedro Bial vai se recusar, em cima da hora, a apresentar o Big Brother Brasil 4. Anunciará sua decisão ao vivo na estréia do programa
A Bahia conhecerá, boquiaberta, a nova namorada de ACM
Chiquinho Scarpa se converterá ao islamismo
Gisele Bündchen e Leonardo DiCaprio vão ser fotografados de mãos dadas no Corcovado
Lula dirá que em 2005 nenhum brasileiro vai precisar catar melancia no lixo
Yasser Arafat não vai à Missa do Galo em Belém
Enfim, será um ano divertido. Aproveite!”