Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Alberto Dines

ASPAS

ACM & JADER

"Piratas e corsários", copyright Jornal do Brasil, 14/4/01

"O café da manhã do premiê francês com o prefeito Cesar Maia, sábado passado, além das platitudes e promessas produzidas por esse tipo de visita, serviu para uma utilíssima incursão na história do Rio de Janeiro. O maire carioca, esquecido da França Antártica, da quase desaparecida Ilha de Villegaignon localizada em seus domínios e sede de uma das primeiras utopias instaladas neste país-utopia, lembrou apenas as invasões francesas de 1710 e 1711, que classificou como obra de piratas.

Jospin, cartesiano, corrigiu: eram corsários, nomeados e, em parte, financiados pelo rei. Hoje diríamos que os corsários eram o braço privado da Coroa, terceirização da grande disputa pelo domínio dos mares. Piratas agiam por conta própria. Corsários até exigiam respeito às leis da guerra. O desastrado Du Clerc rendeu-se e andou soltinho pelas ruas do Rio até que foi morto, acredita-se, por um marido enciumado. Du Guay Trouin, brilhante militar, destroçador de corações femininos, tomou conta do Rio, foi premiado com o título de Almirante, escreveu um inteligente livro de memórias, exigiu e conseguiu um fabuloso resgate das autoridades portuguesas. Mas não esqueceu de libertar dos conventos de Santo Antônio e do Morro do Castelo os quase 300 cristãos novos fluminenses que esperavam a frota para serem levados aos cárceres do Santo Ofício em Lisboa.

Sutilezas à parte, na essência, corsários e piratas são a mesma coisa: estão atrás do saque e do butim que, aliás, vem do francês butin. Distinção ínfima, quase protocolar, questão de formalidade e formatação. Piratas e corsários igualam-se: não respeitam a propriedade, direitos, tratados e convenções. À margem das leis, amigos do rei, dos vizires ou armadores, estão apenas interessados em seus próprios cofres e prazeres. O resto é semântica divinizada pelos franceses, embora grega de nascimento.

Jader Barbalho e Antonio Carlos Magalhães, senadores e vice-reis, também não se distinguem. Peças iguais dos mesmos jogos do poder. Instrumentos similares da nossa praxis política. Biografias díspares com resultados similares. No entanto, diferem na reação ao flagrante. E como quem flagra é a imprensa, o que os distingue na realidade é o relacionamento com a imprensa.

Luís Nassif, um dos cardeais do jornalismo econômico, também atilado observador da mídia, na Folha (terça, 10/4, p. B-3) examinou os estilos dos dois senadores, mencionando cautelosamente ?o carisma de ACM em meio à mídia? e a unanimidade anti-Jader na imprensa carlista e anticarlista.

Jader recebe trancos e revelações com o fair play de um bem nutrido faquir. ACM, acostumado a editar colunas, editoriais, manchetes e capas de revista, surpreendido com alguma denúncia sobre a qual não fora avisado, faz o seu número de esperneio pró-forma e, imediatamente, parte para os bastidores na operação-abafa.

A prova está nas espantosas revelações, aqui mencionadas, que a Folha foi buscar na Bahia e evaporadas num passe de mágica nos dias seguintes. Se insignificantes, n&atatilde;o deveriam merecer tamanho destaque. Se indevidas, exigiriam a devida errata. Proclamadas em página dupla e logo retiradas constituem duplo atestado: do desprezo ao leitor-cidadão e da proficiência de ACM em interromper qualquer seqüência de reportagens que o incomodem.

O senador baiano já foi jornalista (1943-1960) mas os segredos recônditos do ofício ele os aprendeu fora da redação, com o guru, general Golbery do Couto e Silva. Grande especialista em informação e contra-informação desde o tempo em que operava no Conselho de Segurança Nacional, Golbery sabia que um veículo jornalístico é produzido em diversas instâncias e que o importante eram as chaves dessas instâncias.

ACM tem todas. A moeda de troca são as informações exclusivas. Ou é a benesse da intimidade. Toma lá, dá cá: para o querido amigo vai a notícia em primeira mão e, em troca, ganha a eterna fidelidade. E como hoje a onda jornalística é o furo soprado (ou gravado) e não o trabalho demorado de investigação, ACM fez da imprensa brasileira um grande pool do qual é o pauteiro absoluto. E único beneficiário. Isto ao longo de duas décadas produz uma verdadeira Linha Maginot atrás da qual florescem a impunidade, a ousadia e um enorme lodaçal sempre amenizado pela tramitação da lei ?Aos Amigos, Tudo?.

ACM é um devorador de livros. Literalmente. Já conseguiu engolir três nos últimos 13 anos, sem que deles sobre traço algum. A saber: Jogo duro, de Mário Garnero (Editora Best-Seller, 1988); Memórias das trevas, de João Carlos Teixeira Gomes (Geração Editorial, 2000); e o recentíssimo As veias abertas do carlismo, de Maneca Muniz. Onde foram parar as revelações armazenadas nesses livros ninguém sabe, ninguém viu. Uma notinha desqualificadora aqui, uma suspeição acolá, um registro perdido no caderno dito cultural, alguns telefonemas para as pessoas certas e, num passe de mágica, teor e autor vão para o beleléu, ou calendas. Mesmo no caso de um sucesso de vendas como Memórias das trevas.

Nada disso é segredo e, no entanto, mantém-se em surdina, não é alcançado pela exposição pública. Cai na vala da desimportância, não repercute. Qual o parlamentar ? da oposição ou situação ? que ousaria discutir em plenário uma disfunção da mídia?

Se não sabe, ACM desconfia que jornalismo, em espanhol, é periodismo, processo gradual de acumulação de percepções e informações. Sem continuidade nada se fixa. Não cola. E ACM é mestre na ciência da descontinuidade.

Razão pela qual continuaremos. Como nas telenovelas, bom mesmo é a sensação de saber que tem mais."

A mãe das batalhas políticas, copyright Folha de S. Paulo, 10/4/01

"O extraordinário carisma de ACM em meio à mídia impediu uma avaliação mais isenta sobre o episódio que irá marcar definitivamente o jogo político daqui para a frente: sua decisão de jogar a toalha e retirar sua assinatura do pedido de CPI, na semana passada, sinalizou oficialmente o fim da era ACM na política nacional.

Ao mesmo tempo, chama a atenção para o papel desempenhado e para o perfil do presidente do Senado, Jader Barbalho. Jader está longe de encarnar qualquer virtude pública, mas há que se reconhecer nele características que até os inimigos mais acendrados admitem: uma intuição atilada, uma inteligência política viva, uma coragem pessoal e uma ousadia que roça a temeridade -ao lado de características absolutamente negativas.

A maneira como enfrentou ACM é um capítulo à parte na história do Parlamento brasileiro, nada dignificante -dadas as armas escolhidas pelas partes- mas um jogo de pôquer, uma guerra individual como raramente se viu em qualquer outro período da vida nacional.
Segundo fontes que conviveram com ele na época de sua eleição para o Senado, Jader assumiu planejando ganhar seu espaço político em cima da bandeira anti-ACM. Era o único dos senadores com fígado e valentia para enfrentar a fúria do baiano. Quando ACM lançou a CPI do Judiciário, retrucou com a CPI dos Bancos. Quando ACM defendeu o aumento do salário mínimo, apontou a inconsistência com as projeções do Ministério da Previdência.

Provocou a fera e foi a reação de ACM que o coroou como o anti-ACM. Nessa condição foi guindado à presidência do Senado. Eleito, dispondo de vastíssimo telhado de vidro, tendo contra si, com justa causa, a unanimidade da imprensa -da carlista à anticarlista-, enfrentou o maior tiroteio que um político suportou na história recente do país, não recuou e deu o xeque-mate que derrubou ACM: sua decisão de assinar a CPI, com a condição que fossem incluídos, nela, episódios relacionados ao seu arquiinimigo.

Em certo momento da refrega, parecia a histórica batalha entre Muhamad Ali e Joe Frazier, na qual os dois contendores chegaram ao último assalto arrebentados, sem que o público soubesse quem iria jogar primeiro a toalha. Frazier jogou, mas, se não jogasse, provavelmente Ali jogaria. Na luta-livre do Parlamento, ACM jogou a toalha depois que ficou claro que seu contendor bancaria seu lance até o fim.

Esse foi o segundo erro fatal de ACM. O primeiro foi supor que FHC não resistiria à pressão que montou por meio da mídia e recuaria como recuou em outros momentos recentes da política nacional. Avaliou mal. O FHC que recuava era o que dependia de dois terços dos votos do Congresso. E cada recuo era devidamente contabilizado e guardado na geladeira para a desforra. ACM trucou no momento em que não era mais fundamental e encontrou pela frente um animal político da sua envergadura, Jader Barbalho.

Na semana passada, já começaram os primeiros sinais de que começou o processo de sucessão nas bases carlistas. Há declarações unânimes de lealdade ao chefe mesmo porque, antes de consumada a transição, é ACM quem mantém o grupo coeso. Mas já começam as primeiras apostas em torno de duas lideranças emergentes e com luz própria, o senador Paulo Souto e o prefeito de Salvador, Antonio Imbassahy."

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