Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Alessandra Araújo e José Leomar

CARIRI & MÍDIA

"Não deixo meu cariri", copyright Istoé, 21/11/01

"Quem vê os jovens André Cordeiro, 13 anos, Mêires Moreira, 18, e Luciano Brito, 18, discutindo seus programas de rádio pensa que está mesmo numa redação. Na verdade, eles fazem parte da escola de comunicação da Fundação Casa Grande, no município de Nova Olinda, na região do Cariri, sul do Ceará. Estão entre as 70 crianças e adolescentes que aprende a comunicação, desde a Pré-História até as telecomunicações, num projeto considerado o mais criativo do Ceará e o melhor na área de educação pelo Unicef e pela Federação das Associações dos Jovens Empresários (Fajece), recebendo o Prêmio Criatividade Patativa do Assaré, no lançamento do selo Município Aprovado, em 2000. A escola de comunicação é apenas um dos projetos da fundação, que recebe até crianças de dois anos para atividades recreativas.

No museu Memorial do Homem Cariri, eles aprendem a respeitar a história dos homens que habitaram a região na Pré-História, sua cultura e seus costumes. ?Eles estudam os utensílios, formas de impressão da pedra lascada e polida e aprendem as lendas?, explica Alemberg Quindins, músico e diretor da fundação. A casa que abriga o museu foi a primeira construída na cidade, em 1717, e servia de pousada para os comboios movimentados pelo ciclo do couro. ?Meu avô comprou essa casa em 1932. Antes de montar o projeto, passei dez anos viajando e colhendo objetos, lendas e músicas da região?, conta Quindins. E foi exatamente o museu que despertou a curiosidade da meninada, que foi chegando pouco a pouco. A idéia inicial da Casa Grande não era trabalhar com crianças, mas resgatar a origem do homem cariri, na Chapada do Araripe. ?Quando a gente se deu conta, eles estavam falando para os visitantes do museu tudo direitinho como tinham ouvido?, diz orgulhoso o diretor. Resultado: passaram a ser os recepcionistas do museu, relações-públicas e até guias mirins nos sítios arqueológicos.

O leque de opções da fundação é de fazer inveja a muitos cursos universitários de comunicação social. A Casa Grande FM chega a cinco municípios vizinhos, atingindo um raio de 25 quilômetros. São 14 horas de programação feita exclusivamente pela criançada. A rádio, autorizada pela Anatel, ensina produção, operação e locução de rádio. No laboratório da TV Casa Grande, eles produzem programas para os visitantes. As crianças são os produtores, roteiristas, câmeras, repórteres e auxiliares. E já lançaram um jornal, uma revista em quadrinhos, entre outros trabalhos. ?A revista em quadrinhos era sobre lendas da região. Também fizemos o material pedagógico para a escolinha, com temas sobre sexualidade, drogas, etc. Aqui passamos por todos os setores. A equipe que está hoje na produção da editora pode estar amanhã na TV?, ressalta Mêires, que é também gerente da editora. Um dos grandes feitos da meninada foi o trabalho ?Todos Contra o Fumo?, que virou um vídeo, e outra revista em quadrinhos. O material será enviado para todas as escolas do Estado. Mêires explica que os alunos de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC) sempre oferecem oficinas aos jovens escritores. ?Tudo é feito pelos meninos. Nós, os adultos, só estamos aqui para não deixar eles brigarem?, brinca o diretor da Fundação.

Até mesmo a administração da ONG é composta pelas crianças e pelos adolescentes. Dessa forma, desenvolvem também o senso administrativo e financeiro. Com uma renda média familiar de R$ 120, cada menino ou menina da Casa Grande já sabe de cor o que é dinheiro curto, o que facilita o trato com os recursos. Apesar de a região ser rica, a maioria das famílias vive do plantio de subsistência ou da mineração. ?Antigamente, a criança ia para a agricultura para aumentar a renda familiar. E acabava tendo acesso ao álcool?, afirma Quindins. Ao mesmo tempo, os pais são capacitados pelo Sebrae para montar seu próprio negócio. Já existem quatro pousadas domiciliares para receber os turistas, que somam mais de três mil por mês. Para agradá-los, a cidade ganhou cara nova com uma mãozinha infantil. O paisagista Ricardo Marinho foi contratado pela prefeitura para trabalhar com os alunos no laboratório de programação visual e recuperar a fachada das casas.

Dinossauros – Outra preocupação da Casa Grande é com o ecossistema. O projeto Lixossauro, coordenado por Luciano, associa o tempo de decomposição de alguns materiais com os dinossauros, que viveram na Chapada do Araripe há 100 milhões de anos. ?Para conscientizar as crianças, criamos figuras como o chicletossauro, que demora cinco anos para se decompor?, explica o adolescente – um dos primeiros a entrar na Casa Grande, em 1992.

Funcionando há nove anos, a fundação surpreende por ter conseguido desenvolver tantos projetos com tão pouco. Nos quatro primeiros anos de existência, a Casa Grande sobreviveu com apenas R$ 200 por mês. Hoje conta com o apoio do governo do Estado, da Universidade Regional do Cariri (Urca) e do Instituto Ayrton Senna. O novo desafio desses meninos e seus orientadores é construir um teatro e formar atores. Alguém duvida que eles consigam?"

 

UNIVERSIDADE & IGNORÂNCIA

"Entrevista polêmica: ?pesquisa é uma inutilidade pomposa?", copyright Folha Dirigida (www.folhadirigida.com.br)

"Fundador da Universidade ESTÁCIO de Sá, João Uchôa Cavalcanti Netto aborda COM FRANQUEZA temas polêmicos e diz que A ignorância pode ser uma opção que tem de ser respeitada

Os conceitos sobre educação do fundador da universidade que mais cresceu no país nas últimas três décadas são, no mínimo, polêmicos. Juiz de formação e discípulo do banqueiro Amador Aguiar, de quem foi office boy e ?pajem?, João Uchôa Cavalcanti Netto, 68 anos, acha que a ignorância é um opção que deve ser respeitada e que a pesquisa é uma ?inutilidade pomposa?. Entretanto, está à frente de uma universidade que tem 90 mil alunos e 30 unidades espalhadas pelo país, número que, em março de 2002, estará defasado, se o projeto de implantação de uma filial da Estácio de Sá além das fronteiras brasileiras obtiver êxito.

Quem tem formação apurada não chega ao topo do comando de sua universidade, uma gigante do ensino fundada em 1970 com 160 alunos de Direito e que, hoje, abriga uma comunidade de cerca de 150 mil pessoas, entre alunos, funcionários e professores. ?Na cúpula da Estácio quem tem mestrado e doutorado não entra. Isso é uma regra?. E esta é apenas uma, das muitas tiradas de impacto de Uchôa, um empresário que atribui o êxito à sorte e que, sem rodeios, admite seu desinteresse pela educação, pela cidadania e pelo Brasil. ?Eu estou interessado é na Estácio?.

FOLHA DIRIGIDA : O MEC inaugurou sistemas de avaliação nos dois últimos governos que têm dado uma nova diretriz, novas referências para o ensino superior. Qual o impacto do Provão sobre as universidades?

JOÃO UCHÔA : Eu acho que o Provão é uma avaliação que precisava ser feita. Alguém precisava avaliar. Eles escolheram o Provão. É o melhor critério? Se não for, com o tempo vai ser aperfeiçoado. Agora, que não existia critério nenhum de aferição, não existia, e agora existe, o que é muito bom. A melhor coisa que o setor privado pode querer é ser sempre avaliado pelo setor público, pois quando o MEC avalia o nosso trabalho, ele está nos prestando um serviço, que é o de fiscalização. Eu preciso de um fiscal, o MEC é de graça, e ele está fiscalizando para mim. É o melhor critério? Não, deve haver 10 mil critérios melhores e 20 mil piores. Mas é um critério e, para quem não tinha nenhum, é um passo. É muito comum a gente ser negativo e destrutivo. Onde não existia nada e passa a existir alguma coisa é melhor do que quando não existia nada. Sobretudo quando a gente gostaria de ser fiscalizado, como é o nosso caso.

FOLHA DIRIGIDA : Qual o principal problema enfrentado hoje pelas instituições privadas de ensino?

JOÃO UCHÔA : Eu acho que o problema é o de qualquer ramo da atividade privada, que é melhorar a qualidade do produto, ser cada vez melhor. O que eu acho que está havendo mesmo é que, num mundo que está todo ele em transformação, o ensino também está em transformação, mesmo que a gente não queira e não saiba para onde ele está se transformando. Mas esta é a dificuldade normal de quem faz alguma coisa. Quem faz alguma coisa tem que encontrar alguma dificuldade e nós encontramos a dificuldade da natureza. Eu diria que são dificuldades da natureza. Nós precisamos melhorar o ensino, que é o nosso produto, e adequá-lo a um mundo que muda todo dia. Como fica difícil todo dia ter uma coisa adequada, esta é a dificuldade do ensino.

FOLHA DIRIGIDA : E como a Estácio tem feito para se ajustar ao ritmo imposto pela novas tecnologias?

JOÃO UCHÔA : Trabalhando 24 horas por dia. Trabalhando sábado, domingo, todo mundo trabalhando intensamente. A hora que você chegar vai estar todo mundo trabalhando. É a única coisa que a gente podia fazer: prestar atenção e trabalhar. É o que a gente tem feito.

FOLHA DIRIGIDA : Em qual dimensão as novas tecnologias têm auxiliado a Estácio no desenvolvimento de seu trabalho?

JOÃO UCHÔA : Eu não tenho computador, eu não tenho telefone celular, eu não tenho aparelho de som sofisticado, eu não tenho fax. Eu não tenho nada disso porque não gosto, mas a Estácio tem. Aqui dentro da minha sala eu não gosto, não uso e não acho necessário.

FOLHA DIRIGIDA : A tecnologia não faz falta no desenvolvimento do seu trabalho à frente de uma grande universidade?

JOÃO UCHÔA : Eu não só acho que não faz falta. Eu acho que atrapalha. Eu acho que é muito ruim. Eu acho que quando eu era moço a dificuldade era colher informação. A gente não tinha muito onde se informar. Hoje, que eu estou ficando velho, a dificuldade é eliminar informação. Há uns caras aí com computador que têm um bilhão de informações para ele, só que ele não precisa. Quando vem a informação que ele precisa mesmo, não tem mais espaço na cabeça dele. Está tudo lotado. Então eu acho que não precisa disso. É claro, eu preciso de um computador para cadastrar gente, e isso eu tenho. Aliás, eu acho que a Estácio, no Rio de Janeiro, é a instituição de ensino que tem os mais sofisticados equipamentos. Acho que nenhuma faculdade é igual à nossa em sofisticação. Eu acho que para execução, para operação, essa tecnologia é importante, até para o ensino. Para o uso diário, para a administração superior, eu acho que é daninho, é ruim. Quando eu vou conversar com outro empresário e ele abre um laptop, eu já acho que ele é de segundo time.

FOLHA DIRIGIDA : O desempenho do Brasil é muito baixo nos indicadores educacionais e ainda há um volume preocupante de analfabetos. O que pode ser feito para mudar esse quadro?

JOÃO UCHÔA : O analfabetismo não é um problema com o qual eu lide. Por exemplo, eu acho que se o Brasil amanhã começar a ter muita gente fazendo mestrado, doutorado, pós-doutorado, MBA, eu acho que vai ser muito. Acho que é péssimo para o país e para as pessoas. É um mito que todo mundo precise estudar. Isto não é verdade. A pessoa pode ser analfabeta e ser uma pessoa muito expressiva, muito inteligente, muito bem sucedida. E pode ser um pós-graduado e ser uma besta completa. Eu não acho que seja necessário esse estudo todo.

FOLHA DIRIGIDA : A educação não faz falta?

JOÃO UCHÔA : A educação mínima ofertada faz falta, mas não para todos. Eu trabalhei com o Amador Aguiar, que fez o Bradesco e não tinha o segundo grau. Para ele não fez falta.

FOLHA DIRIGIDA : Não são exceções?

JOÃO UCHÔA : Mas exceção existe, também conta. E se ele tivesse o segundo grau? Talvez não fizesse o Bradesco, fosse advogado do Bradesco. Eu acho que essa questão de educação é muito exagerada. Teve um menino em São Paulo, estudante de Medicina, que pegou uma metralhadora e metralhou todo mundo num cinema. Aí foram interrogar o pessoal na rua, vira uma senhora e diz ?enquanto não houver educação no Brasil..? O cara fazia Medicina. Eu acho que já é um jargão. Educação, saúde, transporte… Há frases que as pessoas ficam falando e não sabem por quê. Se você chega no Nordeste, em certas regiões, tem um menino trabalhando com 12 anos, e minha origem é de lá, aí vem o cara com a educação e diz que ele tem que ir para o colégio. Não tem que ir para o colégio não. Ele pode não ir para o colégio e estar muito bem.

FOLHA DIRIGIDA : O analfabeto é analafabeto porque quer?

JOÃO UCHÔA : Não, não é analfabeto porque quer, como às vezes, a gente também não é advogado porque quer. Como é o meu caso, eu não me formei advogado porque quis, eu arranjei emprego no Fórum e acabei indo para Direito. Mas, se em vez do Fórum, fosse para o Ministério da Marinha, talvez hoje eu fosse um oficial da Marinha. Esse livre-arbítrio é muito relativo. E acho que o cara não é ignorante porque quer, mas quem disse que ele quer ser culto? Ele pode não querer ser culto e a gente vai lá e quer obrigar que ele seja culto. E se ele não quiser? Nós temos que impor, porque ele tem que querer. Onde já se viu não querer estudar? Mas o cara tem direito de não querer estudar. Eu tenho quatro filhos e só um que se formou, três não se formaram, não senti nada, não aconselhei nenhum a estudar. Se nenhum quisesse estudar, para mim também era muito bom. O cara está aí para levar a vida que ele gosta, para ser feliz do jeito que ele gosta, a realidade da vida não é estudar. Estudar é uma opção, quem quiser faz, quem não quiser não faz e não fica pior porque não fez.

FOLHA DIRIGIDA : As pesquisas de desenvolvimento também revelam que muitas doenças letais estão associadas à falta de educação.

JOÃO UCHÔA : O que eu conheço de escravo com 120 anos, a maioria é tudo ex-escravo, 120 anos. Outro dia no Peru tinha um com 156 anos, um índio peruano. Agora, o que tem de empresário morrendo aos 40 anos de enfarte… É uma mentira. Essa pesquisa é mentira. Quem o enfarte mata? Cara bem-sucedido. Não acho que dá mais doença no pobre do que no rico, nem acho que o rico se trate melhor do que o pobre, porque eu acho a Medicina tão ruim hoje, que o rico não leva vantagem nehuma. Cada um tem sua cabeça e eu estou sendo franco dizendo a você o que eu penso.

FOLHA DIRIGIDA : Em 30 anos a Estácio passou de 166 alunos para 90 mil e, hoje, é uma das universidades que mais crescem. Qual é a receita deste sucesso?

JOÃO UCHÔA : Eu acho que a gente trabalha muito e tem um regime de trabalho com muita independência, muito pouco centralizado. Eu acho que ela cresce porque eu não centralizo. Eu acho que essa distribuição do poder dentro da Estácio faz ela crescer. Aqui não tem um comando central, é muito distribuído. Temos uma maneira de trabalhar que é muito peculiar da Estácio. É possível que tenha sido isso que fez a gente crescer, ou então, pode ser que seja sorte.

FOLHA DIRIGIDA : Qual o significado da palavra sorte no dicionário dos negócios?

JOÃO UCHÔA : Existe sorte em tudo, nos negócios, na saúde. Pode ser o nosso caso. Pode ser que a gente tenha crescido por acaso. E aí eu fico atribuindo a essa ou aquela causa. Pode ser por uma causa que eu ignoro, pode ser que a gente cresça por uma coisa que eu nem sei direito por que foi, mas a verdade é que cresceu mesmo e foi a que mais cresceu.

FOLHA DIRIGIDA : O que levou o senhor a transferir seu campo de interesse da Justiça para a educação?

JOÃO UCHÔA : Eu não me interessei pela educação e nem acho que eu seja uma pessoa muito interessada em educação. Eu sou interessado na Estácio de Sá, isso é que é importante. Estou interessado no Brasil? Não, não estou interessado no Brasil. Na cidadania? Também não. Na solidariedade? Também não. Estou interessado na Estácio de Sá.

FOLHA DIRIGIDA : A Estácio de Sá não é cidadã, não é solidária, não é brasileira?

JOÃO UCHÔA : A Estacio de Sá é uma instituição que quer dar o melhor ensino possível às pessoas, para elas fazerem desse ensino o uso que quiserem. Isso é a Estácio de Sá.

FOLHA DIRIGIDA : As universidades privadas não se destacam em pesquisa. Por quê? Como são as relações da Estácio com a pesquisa?

JOÃO UCHÔA : As pesquisas não valem nada. A gente olha todo mundo fazendo tese, pesquisa e tal, mas não tem nenhuma sendo aproveitada, raríssimo, é uma inutilidade pomposa, é uma perda de tempo federal. Aquilo ali vai dar um monte de título para o cara, ele vai arrumar um emprego bom e vai trocar cartãozinho com o outro que pesquisa também e fica aquela troca de reverência, para um lado e para o outro, mas a pesquisa em si não vale nada. As faculdades privadas não fazem pesquisa porque não querem jogar dinheiro fora. Estou hoje trabalhando muito, a gente estava com 137 pesquisas em andamento, não tinha uma que prestasse. Parei todas elas e vamos começar a fazer pesquisa útil. E o que é pesquisa útil? É aquela que pode ser aproveitada pelo homem comum."