ELEIÇÕES NA FRANÇA
Antonio Fernando Beraldo (*)
"Jornalistas e cidadãos comuns franceses entraram ontem com uma ação judicial contra quatro dos principais institutos de pesquisa do país, exigindo que eles expliquem seus métodos e divulguem as margens de erro que utilizam em seus trabalhos. Antes do primeiro turno da eleição presidencial, as pesquisas mostravam um avanço de Jean-Marie La Pen (extrema direita), mas não indicaram que ele pudesse bater o premiê Lionel Jospin, que estava em segundo lugar."
A nota acima, da Reuters, diz que os institutos Ipsos, CSA, Ifop e BVA serão acionados com base em uma lei que proíbe a difusão de "informações falsas" (Folha de S.Paulo, 27/4/02).
É, colega, eles também têm este tipo de problema ? e têm mais é que botar a boca no trombone (ou, que tal, aprender um pouco de estatística). Nas vésperas do primeiro turno, uma pesquisa Libération-CSA previa 31% de nulos, brancos e abstenções, dava 19% para o Jacques Chirac, 18% para Lionel Jospin, e 14% para o Jean-Marie Le Pen. Assim mesmo, todo mundo embolado, embora nem sinal de margem de erro, tipo de amostragem ou nível de confiança, mas em algum canto do jornal estava publicado que os franceses não estavam nem aí para a campanha eleitoral (54% declararam ter pouco ou nenhuim interesse pelas eleições), que um segundo turno entre Chirac e Jospin seria 50% a 50%, e que Le Pen vinha com uma evolução ascendente (olha o perigo…).
Daí que o resultado podia ser muito bem o que foi: em primeiro lugar, madame Abstention, com 28%, Chirac em segundo, com quase 20% cravados e, em terceiro, Le Pen com 17% ? um pouco acima do sr. Jospin, com 16%. A diferença entre Jospin e Le Pen foi de 218 mil votos (0,77% dos votos válidos). Qual é a surpresa?
A França, que "dormiu chorando", acordou com o pesadelo da possibilidade de ter um presidente de ultra-direita, e passou a semana com a míiacute;dia ultra-engajada gritando NON a Le Pen. Na terra da liberté de la presse a mídia fez de sua parcialidade explícita uma tradição.
Em 1789, surgiram mais de 130 periódicos; nos dois anos seguintes, mais de 600, o que nos faz deduzir que correu mais tinta no papel do que sangue na guilhotina, e que ser dono de gráfica em Paris era um ótimo negócio. As pequenas tipografias tiravam em torno de 300 cópias por hora, os jornais eram vendidos nas ruas ou enviados para assinantes ? o recordista L?Orateur du Peuple, antijacobino e antiterrorista, tinha 15 mil assinantes! Além disso, os jornais eram lidos em grupo, em voz alta, nas praças e nos bistrots, para que os analfabetos soubessem da última fofoca enlameando "a austríaca" (Maria Antonieta).
E tinha jornal para todos os gostos e desgostos: desde L?Ami du Peuple, de Marat, e Révolutions de France, de Desmoulins, que achavam que o rei deveria ter sido decapitado mais vezes, até a Gazette de Paris, de Du Rozot, que solicitava a reposição da realeza (com as cabeças de volta aos pescoços). A linguagem empregada não era exatamente a de Victor Hugo, ou de Zola, mas funcionava, e como: a palavra "libelo" vem do francês libelles (livrinhos). Infelizmente, quase todos estes jornais tiveram sua circulação bruscamente interrompida, dado que os "formadores de opinão", seus editores, tiveram que fugir ou passaram a residir no cemitério.
Dever de cidadão
No Floréal de 2002, a ira da turbamalta descontrolada, na falta de uma Bastilha ou de uma Maria Antonieta, se volta contra os institutos de pesquisa. E estes se defendem, junto com os jornais ? alguns, inclusive, decidem não publicar pesquisa alguma de intenção de voto, com os mesmos argumentos batidos ad nauseam que temos ouvido por aqui: as pesquisas são manipuladas, os resultados incitam sua replicação, as pessoas são extremamente influenciáveis, as cifras falsas "animam" os eleitores do Le Pen etc. etc. etc…
Agora mesmo (sábado, 27/4) o Libération informa que está circulando um e-mail apócrifo (un panphlet cybernetique?) que sussurra que o Reinsegnement Généraux (uma espécie de SNI deles) teria feito uma pesquisa que dava 42% para o sr. Le Pen no segundo turno, com possibilidades de crescer, e que madame l?Abstention subiria para 35%, e coisa e tal. Que nada, os últimos números são 30% para Le Pen e 70% para Chirac. Isto sim é que é alarmante ? Le Pen pular de 17% para 30%.
Que fique claro: intenção de voto é evolução de intenção de voto. Se causa tanto estupor a ascensão de pessoas como Le Pen, que tal os espantados eleitores, mesmo tapando o nariz, esquecerem dos números, fazerem seu devoir de citoyens e comparecerem às urnas?
(*) Engenheiro, professor do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Juiz de Fora