CRISE NA IMPRENSA
Luciano Martins Costa (*)
A assessoria de comunicação do vice-presidente José Alencar comemorou, na semana de 1?-7/6, o alto índice de exposição obtido na mídia desde a última semana de maio. O vice conseguiu uma presença na imprensa apenas inferior à do próprio presidente da República, ficando tecnicamente empatado com o ministro da Fazenda Antonio Palocci. Mesmo assim, boa parte das aparições do presidente no período eram respostas a manifestações do seu vice.
José Alencar estava feliz com sua cruzada contra os juros altos. Nada mal para quem ocupa um cargo pouco mais que decorativo. Excelente exercício, como balão de ensaio para futuras incursões, quando o momento político for considerado oportuno pelos estrategistas do PL. O que a equipe do vice-presidente aprendeu com a experiência é que poderá contar, nas próximas oportunidades, com a influência das dificuldades econômicas sobre as decisões editoriais de alguns grandes jornais.
Basta acompanhar os textos das editorias de opinião e selecionar o tema da hora. O resto fica por conta do fluxo de caixa nos jornais: quanto maior o aperto dos credores, mais sensível o editor aos arautos do catastrofismo. Aliás, alguns temas já têm sido ensaiados em notas de colunistas e títulos esparsos pelas editorias de economia. Depois da rebelião dos radicais, afinal apaziguada dentro do partido do governo, a decisão do Conselho de Política Monetária sobre juros teve sua onda, seguida pela questão agrária, que se tornou a bola da vez.
A questão é: que importância isso tem? Em outros tempos, o chefe do governo teria corrido às redações, deixando de lado suas atribuições essenciais para apagar o incêndio provocado por uma declaração desalinhada. Seus porta-vozes marcariam aqueles almoços de boas relações, visitas apressadas seriam agendadas para que os emissários de Brasília pudessem apaziguar a mídia.
Mas nada disso aconteceu.
O presidente Lula seguiu fazendo suas frases de efeito, mandou alguém arranjar ocupação para o vice-presidente; Alencar esgotou o arsenal sem que os verdadeiros protagonistas da cena econômica lhe dessem bola; e os observadores observaram que os jornais mordem na editoria de economia e assopram na editoria de política, sem explicar a aparente desconexão entre o apocalipse amplamente noticiado e a persistente popularidade do presidente.
Declarações peremptórias
A aparente esquizofrenia nada tem de insanidade. Trata-se, na verdade, de um jogo de sobrevivência no curto prazo, que considera ao mesmo tempo a necessidade de apoiar a estabilidade e os tímidos sinais de retomada da economia sem, contudo, dar ao grupo político no poder expressões de apoio que não possam ser contraditadas em 2006. Afinal, com ou sem crise, a vida continua e as alianças circunstanciais não sepultaram as idiossincrasias que as dificuldades comuns aconselham dissimular.
Com a credibilidade que alcançou, principalmente no exterior, o governo poderia criar, em poucos meses, as condições para uma mudança radical no cenário da imprensa nacional. Apesar dos sopros de alguns analistas bem situados na universidade e com trânsito livre no Planalto ? que enxergam no momento de crise a oportunidade para a vingança contra a “imprensa burguesa” ? predomina no governo a opinião de que não convém romper o namoro. A hipótese de um “Promídia” foi descartada e ninguém se atreve a assoprar essa brasa.
Há uma convicção generalizada, no eixo entre os gabinetes de Luiz Gushiken, secretário de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, e Miro Teixeira, ministro das Comunicações, de que a crise na mídia é resultado do colapso de um modelo de negócio. O negócio de comunicação plantado sobre empresa familiar estaria condenado à extinção. Portanto, qualquer auxílio oficial apenas adiaria o processo de renovação natural do sistema.
Ou seja, o governo do PT se revela mais liberal que os arautos do liberalismo que estimulam nos bastidores uma operação de socorro às empresas de comunicação. As divergências seguem por conta do risco de desnacionalização da mídia, que poderia se acelerar na ocorrência de uma forte onda de investimentos estrangeiros, já farejada por analistas para o primeiro semestre de 2004. Um sócio com 30% e muito dinheiro no bolso vale mais de 50%, com ou sem restrição legal.
A esperança dos dirigentes de empresas de comunicação é a mesma do governo: que a tão esperada recuperação da economia se concretize em números no quarto trimestre de 2003, com uma boa safra de anúncios no final do ano que permita um fôlego para as negociações no ano seguinte. Depois, seria esperar pela estação da publicidade legal, com seus R$ 300 milhões a R$ 400 milhões em anúncios de balanços, para tirar pelo menos um pé da lama.
O problema é: que lições os anunciantes teriam tirado da crise? Quem garante que uma retomada da economia não acabaria estimulando a adoção de novas medidas de contenção de custos ? trazendo de volta o fantasma da mudança na legislação que obriga as empresas de capital aberto à publicação de seus resultados financeiros? Afinal, depois do estouro da bolha da tecnologia da informação, o que se viu foi uma virada radical nas estratégias de investimento em tecnologia, com a busca de custos menores reduzindo a pó milhares de fornecedores. E se a moda pegar? E alguém perguntar para que, afinal, serve a imprensa?
Não são poucos os fantasmas a rondar a cabeça dos estrategistas da mídia. A falta de uma visão mais clara de futuro, a relação inegável entre investimento e resultado ? no caso, investimento em logística, marketing, inteligência de negócio e qualificação editorial ? e a perda progressiva do poder de pressão política constituem um cenário mais do que tenebroso. A insegurança dos dirigentes se reflete diretamente nas redações. Faltam líderes, falta carisma, falta visão estratégica. Daí o jornalismo de varejo, recheado de declarações peremptórias de baixo conteúdo, para o qual resvalamos de vez em quando.
(*) Jornalista