Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Amor e ódio entre dois poderes

DEVER DE CASA

Fabiana Siqueira (*)

"A mídia pôs e depôs Collor" ? verdade absoluta ou sofisma da repetição popular? Não existe dicotomia entre o poder político e o midiático desde o fim da ditadura. Aliás, foi aí que o primeiro descobriu que seu fortalecimento dependia do segundo. A barganha consiste em notícias de destaque por destaque nas notícias. E nesta troca lasciva de favores perde o país em desenvolvimento e a profissão jornalística em ética.

Foi o que aconteceu no caso Collor. Já virou jargão popular dizer que o presidente impedido foi concebido e "assassinado" pela mídia. Será verdade? A mídia não criou Collor. Ela comprou o personagem que ele criou para si mesmo quando percebeu que "dava notícia". E já que todo bom brasileiro gosta de uma quimera, a mídia inventou sua novela e a ofereceu ao povo, que aceitou e gerou a audiência esperada.

Mas, afinal de contas, que mídia é essa? Veja, Folha de S. Paulo, IstoÉ, Jornal do Brasil, entre outros meios de participação secundária mas não menos importante. Collor estabeleceu contatos amistosos com estes poderes, promoveu sua imagem, engordou os noticiários e alcançou seu alvo ? ser presidente.

Flores, bombons e pérolas

A Globo, ao contrário do que se pensa, apenas veiculou (sem inocência alguma, é claro), o que os meios citados haviam pautado e produzido. A despeito disto, as acusações de parcialidade e manipulação não afetaram em nada o poder irrefutável da "senhora da comunicação".

E, quando o então presidente deixou de ser produtivo em termos jornalísticos, o que a mídia fez foi apenas divulgar seu caráter putrefato, realimentando o noticiário. Não deixou de ser uma relação. Com direito a um divórcio bem dolorido, em que o poder midiático obteve maior lucro. Mas tudo bem, afinal ceder (mesmo que obrigatoriamente) é saudável em qualquer relacionamento. Mesmo para este, que de saudável mesmo só teve as caminhadas televisionadas de Fernando Collor.

Afirmar que a culpa pela ascensão e queda de Collor é exclusivamente da mídia é atribuir a ele a característica de incapacitado. Sob certa ótica, Collor foi empreendedor e sagaz. Faltou-lhe ética, competência administrativa e idoneidade, perspicácia, não. Porque manter uma relação tão intensa com a mídia não é para qualquer político. E que o digam os atuais presidenciáveis que ainda lhe enviam flores, bombons e pérolas. Muitas pérolas.

Parla, Globo

Ninguém conseguiu desvendar ainda o voto secreto da Globo. Nas últimas eleições para presidente sua posição política foi de novo indiscutível: ganha o Fernando!

Desta vez o Jornal Nacional montou um verdadeiro espetáculo para encobrir as preferências de Roberto Marinho. Para denotar imparcialidade ? entrevista com os candidatos. Para transparecer objetividade ? notícias sóbrias. Para transmitir seriedade ? críticas contidas ou distribuídas de maneira igualitária. Qual será o plano desta vez?

Quem sabe desta vez a Globo esteja promovendo a bestialização do eleitor de forma subliminar? Poucos percebem. Ou, talvez, ainda não tenha chegado a hora de revelar seu favorito. Prudência. O fato é que esta imagem de informação na íntegra e isenção total não combina com a Globo. Seus jornalistas parecem estar amarrados, ansiosos por abrir a boca. Cedo ou tarde William e Fátima vão para o confessionário e nos contam sobre os eliminados do patrão. Ah, desculpe! Confundi com o reality show…

(*) Aluna do 3? ano de Jornalismo do Centro Universitário Adventista (Unasp)