ACM
"Uma vocação tirânica", copyright IstoÉ, edição 1634
"João Carlos Teixeira Gomes é um intelectual baiano de fala empolgada. Gosta de contar histórias, passar em revista seus guardados. Membro da Academia de Letras da Bahia, o biógrafo de Glauber Rocha só muda o tom quando o assunto envolve o arbítrio pós-golpe de 1964 e um dos seus principais representantes, Antônio Carlos Magalhães. São exatamente esses dois temas que norteiam Memória das trevas – a essência perversa da opressão, que chega às livrarias neste fim de semana pela Geração Editorial (leia o encarte com os principais trechos da obra). Teixeira Gomes esteve no front de uma guerra travada por ACM contra o Jornal da Bahia, com a intenção de destruir o veículo. A luta de seis anos, que teve início em 1969, pós-AI-5, colocou o escritor no banco dos réus de um tribunal militar. No mesmo momento, nascia o estilo malvadeza de ACM, hoje conhecido em todo o País.
ISTOÉ – Como surgiu a idéia do livro?
João Carlos Teixeira Gomes – Escrevi Memória das trevas para alertar as consciências democráticas para o perigo de um político como Antônio Carlos Magalhães chegar ao poder absoluto. Ele foi criado e nutrido pela ditadura, velho perseguidor de desafetos, jornalistas e jornais. Se tal desastre ocorrer algum dia, teremos no Brasil um novo reinado de arbítrio e intimidações. Ele suprimiria todas as garantias individuais e agrediria a Constituição. É uma autêntica vocação tirânica.
ISTOÉ – Memória da trevas é o relato de uma resistência?
João Carlos – Canalizei para o livro a traumática experiência de quem enfrentou Antônio Carlos durante seis anos consecutivos, de 1969 a 1975, quando ele, então prefeito de Salvador e governador da Bahia – biônico em ambos os casos – tentou esmagar o Jornal da Bahia, do qual eu era redator-chefe, e me lançar na cadeia, usando a Lei de Segurança Nacional. Ele queria ser meu carrasco. Não conseguiu. Resisti até o fim e o derrotei.
ISTOÉ – O que mudou de lá para cá no estilo de ACM?
João Carlos – Trinta anos depois das perseguições contra o JBa, ele usa hoje os mesmos métodos para silenciar outro jornal, A Tarde, o mais influente da Bahia. Ele esmaga com bloqueio publicitário, numa perseguição insidiosa. Quando não se reza na cartilha dele, parte para a destruição.
ISTOÉ – Como ACM se tornou todo-poderoso na Bahia?
João Carlos – Ele nasceu depois do golpe de 1964. Antes disso, era um deputado absolutamente secundário. Não tinha expressão política até porque vivia dependendo do Antônio Balbino, do Juracy Magalhães e do Edgar dos Santos. Pós-golpe, consegue adesão de Castelo Branco e se transforma no preferido do militar para ser o prefeito de Salvador.
ISTOÉ – O sr. teve dificuldade de encontrar uma editora disposta a publicar o livro?
João Carlos – Terrivelmente. O Brasil está mergulhado num estado de pusilanimidade moral. Consultei grandes editores do País e eles mostravam medo, muito medo, de publicar Memória das trevas porque Antônio Carlos manda no Brasil. Agora, como manda nas editoras eu não posso imaginar. Espanta-me também ver a cobertura que lhe dão certos jornais e jornalistas do eixo Rio-São Paulo, cegos à sua trajetória truculenta ou pagando favores.
ISTOÉ – ACM não é o reflexo da política brasileira?
João Carlos – É difícil conceber um homem que persegue tão tenazmente jornalistas e a imprensa ter tão grande cobertura. Ele mandou, com timbre do Senado, uma carta para o chefe de ISTOÉ em Brasília (Tales Faria) para chamá-lo de filho da puta. Ele usa sistematicamente a intimidação e um grupo de jornalistas, bastante expressivo, dá cobertura e guarida a esse homem. A vocação autoritária do Antônio Carlos é tão espantosa e irrefreável que ele, um coronel do PFL, pensa poder coagir o PMDB a escolher o candidato que ele quer, no caso José Sarney, para presidir o Senado. Nunca se viu no País absurdo político igual.
ISTOÉ – O sr. acredita que ele ainda tem o mesmo poder?
João Carlos – Acredito que a sucessão na presidência do Senado está sendo bastante desgastante para ele. Afinal, trata-se de um cacique do PFL querendo ditar normas ao PMDB. É inacreditável que ainda tenha jornalista que trate uma posição dessa natureza com seriedade.
ISTOÉ – ACM não é para ser levado a sério?
João Carlos – A imprensa brasileira é servil, com pouquíssimas e raras exceções, aos interesses de Antônio Carlos. Ele iniciou sua carreira à base de troca de favores e conseguiu uma adesão espantosa. Antônio Carlos, no fundo, é um tiranete de aldeia. Ele construiu toda sua carreira intimidando jornalistas e desafetos. É um homem sem ética na política e ainda consegue respaldo como se tivesse condições morais de vetar alguém.
ISTOÉ – Como ACM se tornou um homem de comunicações?
João Carlos – Conto no livro que, diante da reação popular, fracassa, em 1976, a investida de Antônio Carlos, através de um testa-de-ferro, para a compra do JBa. Ele conseguiu, com esse mesmo grupo que se apropriaria do jornal, ajuda para comprar o Correio da Bahia. Começa, então, o domínio que passou a exercer na comunicação. Inicia-se a invasão ao mercado jornalístico da Bahia dentro de um projeto de controlar a opinião pública. O episódio da NEC foi fundamental para que ele conseguisse a programação da Globo, da maneira que todo mundo conhece no Brasil. Ele usou o cargo de ministro na época para favorecer uma empresa privada. Foi uma troca óbvia, um ato de corrupção.
ISTOÉ – No livro, o sr. diz que ACM gosta do lado malvadeza…
João Carlos – Gosta quando dizem que é violento, agressor, que persegue e não respeita. Ele tem um problema psicológico. Tem uma frustração machista juvenil e se sente gratificado quando caracterizado como valente. O grande telhado de vidro que ele teme ser apedrejado é o problema da corrupção, embora os fatos mais recentes, como ISTOÉ tem revelado, mostrem que Antônio Carlos tem uma vida pessoal muito questionável. São aplicações, como as denunciadas por Ciro Gomes, nas Ilhas Caymann. Seguem na mesma linha as vinculações com Ângelo Calmon de Sá e com o Banco Econômico.
ISTOÉ – O sr. está fazendo uma ampla pesquisa sobre tirania que vai virar um livro. ACM é sua inspiração?
João Carlos – Não. Mas a luta que tive pessoalmente com um homem cuja organização psicológica é a de um ditador me estimulou o desejo de entender melhor esse fenômeno. O porquê de um homem se arrogar o direito de dobrar a consciência de outros, de impor tiranicamente sua vontade sobre a sociedade. Creio que se trata de um processo de morbidez político-psicológica. Isso me estimulou o desejo de aprofundar meus estudos sobre a tirania.
ISTOÉ – Com a publicação do livro, o sr. não teme retaliação?
João Carlos – Há uma preocupação de familiares e amigos, como houve durante a luta no passado. Já recebi ameaça, já tive um carro destruído ao sair de um restaurante. Lutei, e luto, com muita consciência contra um tirano que queria destruir a liberdade de imprensa. Não era possível um tiranete destruir isso."
"Nenhum político baiano tirou mais proveito do golpe militar de 64 do que Antônio Carlos", copyright IstoÉ, edição 1634
"O livro Memória das Trevas – A devassa na vida de Antônio Carlos Magalhães, do escritor e jornalista João Carlos Teixeira Gomes, está baseado nos fatos que marcaram sua resistência às perseguições de ACM ao extinto Jornal da Bahia. Narra as retaliações do polêmico político baiano contra os numerosos desafetos que colecionou, sobretudo após a ditadura. Teixeira Gomes dirigiu o Jornal da Bahia por 20 anos. O livro, editado pela Geração Editorial, tem 765 páginas e é dividido em sete capítulos. O jornalista conta ainda sua passagem pela secretaria de comunicação do governador Waldir Pires, e lembra suas viagens a trabalho, como quando se livrou da cadeia no Chile durante o golpe de Pinochet.
Malvadeza – (…) Nenhum político baiano tirou mais proveito do golpe de 64 do que Antônio Carlos (…) Na época, ele era apenas um deputado federal sem qualquer ressonância popular (…)
(…) Ao assumir a prefeitura de Salvador, ele já era comentado nos meios políticos pelas explosões de seu temperamento (…) Na condição de simples redator da Assembléia Legislativa, numa atitude insólita, interferiu nos debates e envolveu-se em atritos com um deputado juracisista, João Carlos Tourinho Dantas, que ele próprio acabaria agredindo. (…) Poderia ter sido punido com demissão sumária. Não foi, pois dispunha de poderosos protetores.
(…) Em virtude da sua capacidade de retaliação, acabaria recebendo a alcunha de ‘Toninho Malvadeza’, cuja autoria ele atribuiu ao general Golberi, mas na verdade foi criada na Bahia por desafetos (…) A propensão para o confronto, indicativa de temperamento impulsivo, já se manifestara em Antônio Carlos desde a adolescência, quando frequentava uma turma de jovens no Campo da Pólvora, antigo bairro histórico de Salvador (…) Esses jovens deixaram triste fama, conhecidos pelas arruaças que ali promoviam entre meados da década de 40 e início da de 50, versão provinciana da juventude transviada simbolizada no cinema por James Dean.
(…) Numa frase bastante comentada e que deve ser transcrita em sua crueza, quando, então, expõe o seu sentido real, ele disse, de certa feita, a um repórter: ‘Quando eu quero agradar, sou pior do que uma puta!’ Jamais desmentiu tal afirmação, muito divulgada na Bahia.
Empreiteiro – Entre Antônio Carlos e Antonino Casais (vereador) cresceria um clima de graves desavenças (…) A briga entre os dois culminaria com uma agressão sofrida por Casais na sede do Poder Judiciário na Bahia. (…) Em discurso, havia denunciado que Antônio Carlos recebera ‘20% de empreiteiros’ por obras realizadas no subúrbio de Periperi.
Escuta – (…) Comentava-se que o apoio de Castelo ao então deputado decorrera de um sistema de escuta, que teria gravado uma conversa por ele mantida telefonicamente com Juscelino Kubitschek, informando-o de que seria cassado e justificando a posição do marechal. Uma versão muito difundida, na época, foi a de que Antônio Carlos defendera a inevitabilidade do ato presidencial ardorosamente, sabendo que as ligações para Juscelino estavam controladas (…) De concreto, houve a nomeação para a prefeitura, a generosa liberação de vultosa verba federal para Salvador e a gratidão do novo prefeito, colocando em seu gabinete uma foto em que aparecia com o seu benfeitor, marcada por calorosa dedicatória. (…)
Jornal da Bahia – (…) Sua posse (ACM) ocorreu em 13 de fevereiro de 1967 e tempos depois se revelaria desastrosa para o Jornal da Bahia, pois foi ainda como prefeito que ele iniciou, em 1969, as sistemáticas perseguições destinadas a submeter ou silenciar o matutino.
(…) Antônio Carlos, amparado pelo governo Médici, chegou, enfim, ao governo do Estado, após breve trégua havida entre ele e o jornal. (…)
(…) Ele já havia ordenado a supressão da publicidade oficial em nossas páginas e começou a intimidar os anunciantes particulares (…) Um dos meios eficientes utilizados para obter a submissão dos anunciantes era empregar a fiscalização tributária sobre o caixa das empresas. (…) ‘Para intimidar, use os cachorros; se não der certo, use a polícia; se fracassar, use o fisco.’
LSN – (…) A reportagem do JBa ‘A falsa austeridade do governador – Magnesita: o cúmulo do favoritismo’ (…) o atingiu em cheio naquilo que era o bordão preferido das suas falas: a presumível honestidade com que administrava. (…) Ficou de tal sorte abalado que, depois de uma explosão de raiva, não conteve abundante choro. E logo reuniu sua assessoria jurídica (…) Convenceu-se de que o melhor caminho seria usar contra o jornal a Lei de Segurança Nacional. Caiu em minha cabeça. (…) Tratava-se de uma matéria fastidiosa, sem grande apelo popular, cheia de números e transcrição de atos fazendários, além da reprodução de documentos, provando que o Estado havia concedido tratamento muito especial à firma Magnesita S/A. (…) Agindo com incomum benevolência, numa época em que constrangia todos os empresários com o arrocho fiscal, firmou então com a Magnesita um ‘Termo de Acordo e Compromisso’, pelo qual concedia os 50% de abatimento às dívidas e se comprometia a não voltar a autuá-la por débitos passados, enquanto não se resolvesse uma pendência existente na Justiça. (…) Para agravar o quadro, a firma era contemplada com a redução, pela metade, de débitos não pagos (…)
(…) Produziu-se um resultado (no Tribunal Militar) considerado fantástico: eu derrotara Antônio Carlos pela histórica goleada de 4 a 1. Pela primeira vez, a prepotência na Bahia fora vencida não só como força política devastadora, mas junto às próprias fontes que a sustentavam, ou seja, os guardiães e patrocinadores do regime ditatorial. (…) A imprensa de todo o País deu grande destaque ao resultado.
ACM por ‘Ataíde’ – (…) Certo dia, durante o nosso expediente noturno, o secretário Rafael Pastore Neto, tapando o telefone com a mão, chamou-me, ofegante, para dizer que do outro lado da linha estava o governador do Estado. (…) ouvi do outro lado da linha a voz rouca e característica de Antônio Carlos. Preparei-me para uma enxurrada de impropérios (…) Novamente fui tomado de surpresa quando ele, sem conseguir dissimular a voz, identificou-se apenas como ‘Ataíde’, explicou que era redator do Correio da Manhã, no Rio, e queria saber como andava a campanha do Jornal da Bahia contra o governador do Estado, o que preparava nossa edição.
Medo – (…) Numa época em que os militares apregoavam o combate à corrupção, o que Antônio Carlos mais temia era ser acusado de improbidade. Já a fama de violento nunca o molestou e as agressões, na versão dos aúlicos, foram caracterizadas apenas como fruto de um ‘estilo’. Sempre se jactou de suas brigas e alardeou ter enfrentado inclusive o temível Tenório Cavalcanti (político fluminense, que sempre andava armado com uma metralhadora a qual chamava de Lurdinha) no Congresso, fato negado pelo ex-deputado Nei Ferreira, que o acusou, em suas memórias, de proclamar ‘uma coragem física e moral que não possui’ para blefar ‘no pôquer político’. Ferreira assegura que Antônio Carlos ‘tremeu’ diante de Tenório e foi salvo pela interferência de dois deputados.
(…) Antônio Carlos não era apenas o governador imposto pela ditadura à Bahia. Ele era a própria ditadura. Assumiu seu papel como nenhum outro governante civil no tempo dos militares. Cresceu com o obscurantismo e dele obteve o seu viço. Sem o empurrão dos fardados, não teria passado de um deputado menor (…) No início da sua carreira, mal conseguia eleger-se. (…) Dele, como parlamentar, jamais se conheceu um único projeto. (…)
Reinado – (…) Somando os seus períodos na prefeitura de Salvador e no governo estadual, que totalizam quase 20 anos, Antônio Carlos foi o político baiano com o maior tempo de permanência no poder. (…) Desfrutou, além disso, de condições de apoio favoráveis, inclusive financeiras, na área federal. Eventualmente fora do poder baiano, nele colocou homens da sua inteira confiança, delegados seus, sujeitos a asfixiante dependência. Reina há quase 30 anos.
(…) A partir de 1986, com a ajuda da Rede Globo, passou a controlar com mão de ferro todo o processo da comunicação social na Bahia, não só usando os seus próprios meios – TV, jornal, rádio, etc. – como, igualmente, contando com a cobertura do poderoso sistema que ajudou a montar, através das concessões de rádio e TV no governo Sarney. O que resta verificar é se, no seu conjunto, as obras que realizou, muitas das quais de prioridade discutível e sempre embaladas por custosa propaganda, justificam o seu dilatado tempo de permanência no poder ou se, ao contrário, estão muito aquém do que deveria ter sido feito em tão largo período.
(…) De tal forma ele sempre se julgou dono da Bahia, que mandou incluir nas placas públicas seu nome acima dos nomes do governador e do prefeito, colocados invariavelmente em posição secundária, meros coadjuvantes de um esquema autoritário e concentracionista, que fez da Bahia um enclave político particular.
Econômico – Principal acionista do tradicional Banco da Bahia S.A., Clemente Mariani (em 1973) estava passando o controle do estabelecimento ao Bradesco. Antônio Carlos era contra a transação, porque pretendia que o comprador fosse o Econômico, do seu velho amigo e parceiro Ângelo Calmon de Sá. Mariani não cedeu e teve o desprazer de ver a sua antiga casa objeto de um decreto de expropriação. Antônio Carlos alegava desejar transformar o imóvel numa ‘escola para deficientes mentais’ (…) e afirmou que daria à escola o nome do pai do desapropriado.
Correio da Bahia – (…) Ele precisava urgentemente de um jornal para crescer na Bahia. (…) Num impulso realista não muito próprio do seu temperamento, desistiu, assim, do Jornal da Bahia e, ajudado por seus apadrinhadores, partiu para fundar o Correio da Bahia. (…) Foi apoiado por Antonio Balbino, que lhe deu alta soma através de cheque emitido para um banco mineiro, o Nacional. A idéia de utilizar o Econômico de Ângelo Calmon de Sá foi evitada porque o banco estava envolvido no escândalo, abafado pela ditadura, dos cheques administrativos sem cobertura.
NEC – (…) Para favorecer Roberto Marinho, das Organizações Globo, e receber o a programação da emissora para sua tevê, Antônio Carlos (na época ministro das Comunicações de Sarney) levou o empresário Mário Garnero, que detinha o controle acionário da NEC no Brasil, poderosa empresa da área das telecomunicações, a uma situação de insolvência, suspendendo-lhe os pagamentos de altas importâncias devidas pelo governo (…) Garnero foi forçado a ceder o controle acionário da NEC a Roberto Marinho (…) Pouco depois, a programação da emissora passaria a ser retransmitida pela TV Bahia (de ACM), interrompendo-se assim, abruptamente, um contrato de 18 anos com a retransmissora original, a TV Aratu. (…)
Waldir Pires – (…) Na sua TV, já manipulada como arma política e com a audiência favorecida pela programação da Globo, Antônio Carlos, ex-colega de Waldir Pires no ministério (das Comunicações), dizia aos baianos que o governador ‘só se contentava com peixe de rabo aberto’, numa insinuação claramente perversa e dúbia. Sempre que podia, voltava a desrespeitá-lo sem o menor escrúpulo, qualificando-o como ‘esse governador de fala fina, que vive com os olhinhos fechados’ .
Concessões – (…) Foi o mentor e o condutor do pródigo processo de concessão de emissoras de rádio e TV (…) ‘Entre 17 de março e 11 de junho deste ano, o governo fez oitenta concessões de estações retransmissoras à TV Bahia – que pertence ao filho, ao cunhado e ao genro do ministro Antônio Carlos Magalhães, ampliando a sua rede’. (…) Isso significou um noticiário encharcado de má-fé e despudoradas mentiras. (…)
Rede – (…) Com o passar dos anos, Antônio Carlos ampliaria o controle também sobre essa área (Comunicações). Criou a Rede Bahia, integrada pela TV do mesmo nome, TV Norte, TV Subaé, TV Santa Cruz, TV Sudoeste, TV Oeste, Bahiasat, Bahia Cinema e Vídeo, Globo FM, FM Sul, Gráfica Santa Helena, Bahianews e Correio da Bahia, anunciada como ‘extensa malha de comunicação composta por seis emissoras de TV afiliadas à Rede Globo, TV por assinatura, vídeo, rádios, gráfica, provedor de internet e jornal’. Um anel se fechando em torno da consciência do povo baiano, agindo dia e noite em autêntica lavagem cerebral, a serviço do carlismo – e contando com a ajuda de outros veículos, muitos derivados das famosas concessões da era Sarney. (…)
Violência – Agostinho Muniz, em outro documento, denunciava o clima de opressão reinante, ao afirmar que ‘na Bahia começam a haver mudanças em uma fase mais violenta contra a liberdade de imprensa, que se iniciou sobretudo a partir de 1991 (ano em que Antônio Carlos se empossou no governo) e estendeu-se até 1998. Nesse período, foram assassinados, no interior do Estado, 10 trabalhadores e empresários de comunicação social, principalmente jornalistas e radialistas. Até hoje – enfatizava o documento – nenhum dos homicídios foi devidamente esclarecido (…)
A Tarde – (…) Restaurando os mesmos métodos usados contra o Jornal da Bahia de 1969 a 1975, nos últimos anos Antônio Carlos Magalhães desenvolvia uma campanha para silenciar o jornal A Tarde, pelo bloqueio publicitário.
Judiciário – No dia 23 de abril de 1988, o ministro das Comunicações voltou a usar a sua TV para atacar pessoalmente o governador (Waldir Pires), com a habitual agressividade. Enviei carta ( João Carlos era secretário de Comunicação do governo) solicitando o direito de resposta (…) Como sempre, porém, o ministro se considerava acima da lei e ordenou à TV que não tomasse conhecimento do fato. (…) O governo foi forçado a recorrer à Justiça para exigir o cumprimento da lei (…) A juíza da 12ª Vara Crime de Salvador, magistrada Maria Gabriela, corajosamente acolheu o pedido (…) A TV entrou com um mandado de segurança, acolhido pelo desembargador Trindade, das Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça. (…) O mais espantoso, porém, estava para acontecer: a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia negou provimento à ação, alegando ilegitimidade da Procuradoria-Geral do Estado para promovê-la.
Sérgio Carneiro – (…) Magalhães jamais vacilou em recorrer aos métodos mais constrangedores para desmoralizar os adversários. Em seu terceiro governo, ordenou que um deputado da sua confiança, Ariston Andrade, exibisse no plenário da Assembléia Legislativa da Bahia uma rutilante e enorme cueca ‘samba-canção’ que havia recebido de presente de aniversário do deputado Sérgio Carneiro, filho do ex-governador João Durval, com o qual já se havia atritado. A cueca era mostrada de todos os ângulos pelo submisso correligionário (…) O deputado Andrade ficou conhecido como o ‘porta-cuecas’ do governador, que devolvia o presente (…) juntamente com uma carta, em que dizia que já não tinha intimidade com o deputado Sérgio (ex-PFL e então filiado ao PSDB) para ficar com o presente.
Nilo Coelho – No final do seu mandato, em cujo transcurso atritou-se violentamente com o ex-governador Nilo Coelho, ao qual chamava repetidamente de ‘ladrão’, (…) Antônio Carlos tomou uma atitude ainda mais insólita: ordenou a delegados de polícia que libertassem ladrões de pequenos delitos, alegando que era uma forma de protesto contra a morosidade da Justiça para julgar ações contra o desafeto. (…) No final do governo, Nilo havia condecorado e atribuído medalhas a figuras que desejava homenagear, como era da tradição da vida pública. Eleito governador, Magalhães quis exigir que os homenageados pagassem os custos das comendas e medalhas recebidas. Nunca se viu despautério igual no Brasil.
Roberto Santos – (…) Em seu segundo governo, por ódio político, havia inviabilizado, pelo abandono propositado, a utilização popular do Parque Metropolitano de Salvador. Tratava-se de obra destinada a funcionar como uma espécie de pulmão ecológico. (…) Mais grave ainda foi a atitude de Antônio Carlos protelando o funcionamento do Hospital Geral do Estado, outra obra fundamental, relegada ao abandono, talvez porque tenha levado o nome do seu desafeto.
Juca Valente, o genro – A Procuradoria-Geral manifestava-se a favor da reabertura do processo para investigar as verdadeiras causas da morte do jovem Juca Valente, genro do ministro (ACM), que aparecera baleado nas escadarias do edifício em que morava, no bairro da Barra, em 24 de janeiro de 1975. A família de José Fernando Valente, o Juca, não se conformava com as conclusões do inquérito policial apontando suicídio, e o advogado a quem ela confiara o caso, José Carlos Baleeiro, escreveu o Quem ‘suicidou’ Juca Valente? A idéia de suicídio fora logo afastada por um médico amigo da família de Juca, pressionado depois a silenciar. O fato de a arma estar no coldre, que lhe ocultava inclusive o gatilho, desfazia obviamente a versão. Além disso, conforme Baleeiro provava, Juca apresentava uma lesão na cabeça, como se houvesse sido agredido antes de morrer. Ele se tinha atritado, com grande alarde, nos jardins do palácio de Ondina, com sua mulher, antes de ali abandoná-la. (…) A hipótese de um confronto pessoal entre o jovem Valente e a segurança do governador foi estimulada pela ocorrência anterior de episódio igualmente traumático (…): em novembro de 1971, um adolescente, que se chamava Wilson Paulo Coutinho Lima, voltava da praia com cinco amigos – cujas idades variavam entre 16 e 18 anos – quando, na orla marítima de Salvador, resolveu ultrapassar em alta velocidade o carro em que Antônio Carlos viajava, em companhia do seu amigo Barbosa Romeu. O carro de Wilson foi perseguido e metralhado por agentes de segurança do governador, que o atingiram na cabeça, pelo fato de não ter parado o veículo, numa ação excessiva e perversa.
Gozinho e Paes Mendonça – (…) Em quatro de dezembro de 1984, o jornal do ministro, Correio da Bahia, publicou um anúncio forjado, anunciando a venda de um suposto romance, As aventuras de seu Gozinho e sua mulher, com insinuações de tórridas cenas sexuais. Na verdade, era uma agressão contra um inimigo político, causando escândalo, na época, a grosseria do expediente, por atingir-lhe a família. (…) Não tendo conseguido atrair outras redes para a Bahia e considerando Paes Mendonça inimigo, mascarou a vindita com uma simulação de benemerência popular, usando as vantagens oficiais para vender gêneros alimentícios por preços um pouco menores. Mas a verdadeira intenção da iniciativa é amplamente conhecida na Bahia: represália. O grupo Paes Mendonça não se identifica com o carlismo, que, assim, agiu para prejudicá-lo.
Aposentadorias – Os partidários do governo da mudança, (…) lembravam que Antônio Carlos, pregoeiro de um moralismo soi-disant, era beneficiário, entre outros fatos – como suas ligações com a empreiteira do seu genro, a OAS, batizada ironicamente de ‘Obrigado Amigo Sogro’ pelo suposto favorecimento de obras públicas -, de múltiplas aposentadorias, uma das quais como professor da Universidade Federal da Bahia (nomeado por Edgar Santos), sem que jamais houvesse dado uma aula sequer na faculdade de medicina, onde fora lotado. Grande parte das investidas dos deputados de Waldir Pires contra Antônio Carlos se concentrava sobre a fortuna pessoal que este acumulara, tendo vivido exclusivamente dos vencimentos auferidos na carreira pública.
Bens – ‘Denúncia do deputado Élquisson Soares sobre o patrimônio de Antônio Carlos Magalhães, em matéria inicialmente divulgada pela Tribuna da Bahia de 13 de novembro de 1982 e quase dois anos depois transcrita pelo Jornal do Brasil, em 15 de setembro de 1984: ‘As denúncias baseiam-se nas declarações de bens de Antônio Carlos quando empossado prefeito de Salvador, ao assumir o governo do Estado, em 1971, e ao deixar o governo em 1975. Em 1980, quando iniciou as denúncias, Élquisson lembrou que o governador, ao assumir pela segunda vez o governo, em 1979, não declarou seus bens, o que foi feito uma semana depois no Diário Oficial de 19 de junho (…) Élquisson Soares destaca como alterações mais significativas entre as duas declarações o apartamento da rua Euclides da Cunha e as ações do Banco do Brasil. Ao deixar o governo, em 1975, novas alterações são incluídas na declaração de bens de Antônio Carlos (…) Com relação a esta última declaração, Élquisson observa que, ao assumir, o governador declarou 55.980 ações do Banco do Brasil – ‘certamente adquiriu-as no curso do mandato de prefeito’. Mas, deixando o governo, afirmou que o apartamento da Vieira Souto teria custado um milhão e 300 mil cruzeiros, sendo que desse total 800 mil cruzeiros foram pagos mediante a venda de 68 mil ações preferenciais do Banco do Brasil. O deputado considera isto perfeitamente viável, visto que as ações dão filhotes. (…) ‘É que S. Excelência possuía 55.890 ações no BB, vendeu 68 mil para comprar o apartamento na Vieira Souto e, na declaração ainda constam 193.663 ações no mesmo banco’. Outro detalhe que não escapou ao deputado: as 6.400 ações da Petrobras se transformaram em 425.324 ações. Élquisson pede explicações também sobre a origem de outros imóveis, como a incorporadora Santa Helena, a Construtora MRM e o jornal Correio da Bahia, ‘com suntuosa sede própria localizada, aliás, em área desapropriada por Vossa Excelência para o Centro Administrativo da Bahia’.
Pasta Rosa – (…) as apurações policiais ampliavam-se (pasta rosa e cheques fantasmas de supostas contribuições eleitorais). (…) Aconteceu, então, um fato inacreditável: Antônio Carlos telefonou para Wilson Romão, diretor-geral da Polícia Federal, ameaçando prender o delegado Roberto Chagas Monteiro, destacado pela PF para investigar o caso na Bahia. (…) Aconteceu o inverossímil: as investigações foram suspensas, o delegado Monteiro retirado da Bahia e excluído do inquérito, sendo, depois, remetido para Buenos Aires na condição de adido à nossa embaixada."
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