Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Ana Lúcia Borges, Flávio Pessoa e Fabrício Marta

INCÊNDIO NO XUXA PARK

"A peregrinação noturna de Xuxa", copyright O Globo, 15/01/01

"São 23h de sábado. Xuxa chega mais uma vez ao hospital Barra D’Or, abatida, cabeça baixa. Os seguranças a cercam, tentando evitar a todo custo que ela seja fotografada. Os jornalistas tentam entrevistá-la, mas ela se cala. Caminha em direção ao elevador e, de repente, pára, ao avistar Emília Gouveia, mulher do chefe da sua segurança, Leonilson Oliveira. Ela a abraça, põe suas mãos no ombro de Emília, olhando-a com firmeza, e quer logo saber como está se sentindo o filho do segurança, Ruan Lucas, de 9 anos. Ouve que ele está firme e dá um conselho à Emília:

– Peça para ele rezar, que reza de criança tem mais força. Ele é um anjinho e a oração chega mais rápido a Deus – diz Xuxa.

Depois dessas poucas palavras, a apresentadora volta a se calar, sempre protegida pelos seguranças, que fazem um muro ao redor dela. A própria Xuxa já explicou à mulher de Leonilson o motivo de tão poucas palavras, às vezes nenhuma:

– Eu me sinto, em parte, responsável pelo que aconteceu. As crianças foram lá para me ver, a fada madrinha, e viver um sonho, não um pesadelo.

Médico diz que Xuxa parece estar anestesiada

Depois desse encontro emocionado, Xuxa vai até o segundo andar, onde fica o CTI. Ela encontra o médico Luiz Olímpio, pai de Flávio Luiz Olímpio dos Santos, de 16 anos. Ele se impressiona com a tristeza da apresentadora:

– Ela está consternadíssima, sentindo-se culpada por tudo, embora não tenha culpa alguma. Xuxa parece anestesiada. É isso, parece anestesiada. As pessoas imaginam que o ídolo não sofre, mas ela é antes de tudo uma pessoa muito humana – conta o médico.

Xuxa se apega a Deus e repete para Luíz Olímpio o que tem dito sempre aos parentes das vítimas:

– Deus abençoe todos vocês, estou rezando muito por vocês.

A tristeza de Xuxa, no entanto, não se confunde com falta de ação. Todos notam a maneira enérgica com que ela exige que sua equipe que não poupe esforços no auxílio às vítimas. Todo o staff da Fundaçào Xuxa Meneghel e mais dezenas de funcionários da TV Globo estão de plantão nos hospitais. Nada pode faltar: do apoio moral ao copo d’água. Na madrugada de anteontem não foi diferente. A seu guarda-costas, Marco Aurélio de Souza, ela dá instruções, firme:

– Toma conta de todo mundo aí. Fica à disposição, dê toda a assistência. Se alguém precisar de uma água, vá buscar. Se for necessário, leva as pessoas em casa.

Xuxa ouve o que lhe dizem e, em alguns momentos, interrompe a conversa para acionar amigos ou mobilizar influências que possam ajudar as vítimas. Flávio, o filho do médico Luiz Olímpio, sofreu queimaduras nas vias respiratórias ao salvar Mariana Resende, de 6 anos, que chegou a ficar em estado grave, mas agora começa a se recuperar e pode ter alta nos próximos dias. Xuxa pára a conversa com Luiz Olímpio e liga para amigos, tentando descobrir, por exemplo, que tipo de substância química foi inalada

A cada duas frases, contam os que conversam com ela, Xuxa chora. Apenas os mais próximos percebem ainda alguns momentos de leveza. Está sempre sem sorrisos, o que impressiona o segurança Marco Aurélio acostumado a gestos largos. Está preocupada com Sasha. A Marco Aurélio, ela contou:

– A Sasha pergunta muito pelo Leonilson, chama ele de meu cachinho de ouro. Ela me perguntou: ‘Mãe, os cachinhos dele queimaram? ‘.

A tarefa de ajudar as vítimas começou logo depois do incêndio. Ainda na noite da tragédia, Xuxa ofereceu apoio a Célia Maria de Araújo, de 41 anos, uma das feridas. Preocupada sobre com quem deixar a filha Ângela, de 10 anos, que nada sofrera, Célia ouviu incrédula a proposta de Xuxa: levar a menina até a Casa Rosa, residência da apresentadora em Vargem Grande, para passar algumas horas. Ontem, Ângela foi buscar a mãe no hospital quando ela recebeu alta. A menina é tímida e não quis conversar com os repórteres. Mas seu sorriso, flagrado pelos fotógrafos, dizia tudo. Ontem, Xuxa voltou a visitar vítimas. Chegou por volta das 11h30m à Clínica São Vicente.

Figura pública, a presença de Xuxa, querendo ou não, mexe com a rotina de todos. Não faltam nem mesmo momentos de tensão, como o que ocorreu anteontem de madrugada: um homem não identificado é reconhecido pelos seguranças como um fã que a persegue há algum tempo. Não conseguem retirá-lo do local. O Esquadrão Anti-bombas é acionado, mas é só um susto: está desarmado e é expulso.

Xuxa fica alheia à confusão. Tenta confortar Cristina Moura, mulher do palhaço Renato Ferreira da Silva, o Topetão. A mulher está deprimida e, às vezes, ver o marido internado aumenta a dor. Xuxa tenta convencê-la:

– Vem, sobe comigo – diz.

Quando Cristina resiste, Xuxa a tranqüiliza:

– Calma, se você não se sente legal, é melhor ficar do lado de fora. – E diz uma palavra de conforto:

– O Renato vai ficar bom. Ele é muito teimoso e forte. Ele vai superar tudo.

O mesmo que os fãs gostariam de dizer a Xuxa."

"Depois do pesadelo, o sonho ao lado de Xuxa", copyright O Globo, 15/01/01

"O pesadelo e o sonho estiveram ao lado de Ângela de Araújo Santos, de 10 anos, na noite de quinta para sexta-feira, curto período em ela viveu duas emoções opostas: a de terror, na hora do incêndio, no estúdio do Projac; e a de alegria, quando, de madrugada, Xuxa foi ao Hospital Barra D’Or, visitou sua mãe, a faxineira Célia Maria de Araújo – uma das vítimas da fumaça – e levou a menina para dormir em sua casa em Vargem Grande.

Órfã de pai há quatro anos – o marceneiro Alberto da Anunciação Santos morreu aos 35 anos, de infarto – a menina mora só com a mãe numa casa modesta, em Magalhães Bastos. Encarregada de serviços gerais de uma firma que presta serviços de limpeza à Rede Globo, Célia, de 41 anos, tinha levado a filha pela primeira vez assistir ao show. A faxineira foi intoxicada pela fumaça, teve alta anteontem à tarde e está convalescendo na casa de sua irmã Marli de Araújo Panzariello, em Bangu. Passa bem.

E Ângela, melhor ainda. A menina está deslumbrada com as lembranças da noite passada na Casa Rosa, de Xuxa. Seus amigos querem saber cada detalhe das emoções vividas pela garota na mansão da artista.

– Andei de carro junto com a Xuxa e fui muito bem tratada na casa dela. Antes de eu ir embora, a mãe de Xuxa (Alda Meneghel) me deu três camisetas com fotos de Sasha (filha da apresentadora) – contou Ângela.

A menina disse que ficou muito emocionada quando viu Xuxa entrar no quarto de sua mãe, no Hospital Barra D’Or. A apresentadora resolveu levar Ângela para sua casa, porque a menina não tinha com quem ficar naquela madrugada."

"Coppe propõe mudanças no Projac", copyright Jornal do Brasil, 16/01/01

"Os estúdios da Central Globo de Produções, o Projac, onde ocorreu o incêndio que deixou 28 feridos na última quinta-feira, deveriam ter, para cada cenário que fosse montado, um planejamento especial de emergência. O alerta é do pesquisador da Coppe Moacyr Duarte, doutor em planejamento de emergência. ”O que foi feito depois do incêndio no cenário do programa da Xuxa foi o convencional, que é a atuação da brigada de incêndio. Só isso não adianta. É preciso ter um estudo que oriente a brigada, uma vez que os cenários estão sempre se modificando”, disse ele.

Este plano, segundo o professor, deveria ser posto em prática pelos próprios funcionários. Ele seria constituído de uma série de medidas antes de qualquer gravação. ”Os responsáveis teriam que analisar o ambiente e as atividades que estão sendo realizadas, identificar os tipos de possíveis acidentes e os locais críticos, indicar os mecanismos de proteção e prevenção adequados e informar à brigada de incêndio sua conduta naquela situação”, explicou o professor.

Brigadas – Para Moacyr as brigadas de incêndio que atuam em locais como o Projac devem ser mais bem informadas e estar sempre se atualizando. ”Considerando que os cenários vão se modificando e se modernizando, a brigada também deve estar sempre mudando. Deve-se analisar, em cada novo local, se existem pessoas isoladas ou cercadas de uma grande carga de produtos combustíveis, as saídas em um possível acidente e a instalação de detectores de fumaça”, disse ele.

Público – Moacyr ressaltou que o Projac tem características singulares, por receber o público: ”É delicado lidar com pessoas que vêm de fora, que não têm nenhuma relação com o espaço e a empresa. O planejamento contra incêndio deve suprir carências naturais do público, como falta de conhecimento do local e inexperiência para uma situação de emergência.” O delegado da 32ªDP (Jacarepaguá), Zaqueu Teixeira, tem seis fitas do programa com as cenas do acidente e outra contendo instruções de como proceder em casos de incêndio. O delegado quer saber se as instruções da fita eram transmitidas para a platéia antes das gravações.

A brigada de incêndio do Projac será modificada. Ontem o Corpo de Bombeiros informou que fará uma vistoria nas instalações do Projac para definir como deverá funcionar o órgão. A informação é do diretor geral de serviços técnicos do Corpo de Bombeiros, coronel Eduardo Santana. Ele explicou que o documento que autoriza a instalação e a regularização da brigada de incêndio, conhecido como laudo de exigência, é dado em caráter permanente, não havendo, por parte do Corpo de Bombeiros, a responsabilidade de fazer vistorias no local. ”Só quando ocorrem acidentes vamos até o local da brigada fazer uma vistoria para definir como ela deve funcionar dali em diante”, explicou o coronel Santana.

Laudo – No início da tarde de ontem o coronel Jorge Lopes, da Assessoria de Comunicação do Corpo de Bombeiros, afirmou que o laudo de exigência do Projac era um documento público. Horas depois, informou que só o departamento jurídico da TV Globo poderia divulgá-lo. ”Estamos esperando a posição do departamento e pedindo que a Globo divulgue o laudo”, disse ele. O laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli ficará pronto até sexta-feira, mas a polícia já detectou componentes de alta combustão.

”As testemunhas explicaram que o uso de materiais inflamáveis nos cenários de estúdios é inevitável e que não teriam outro jeito”, afirmou o delegado Zaqueu Teixeira, que começou a ouvir ontem depoimentos dos funcionários do Projac sobre o incêndio. Das 11 testemunhas convocadas, entre elas a apresentadora Xuxa Meneguel e a empresária Marlene Mattos, apenas cinco foram à 32ªDP. O restante deverá comparecer até amanhã. Segundo o delegado Zaqueu Teixeira, Xuxa irá depôr na delegacia. ”Recebi ordens do chefe de polícia, Álvaro Lins, para que todos os depoimentos fossem prestados na polícia”, disse Teixeira.

As testemunhas de ontem, o gerente de projetos Alexandre Gama, o supervisor de operações Edilson Godoy, o diretor-executivo Edson Pimentel, o coordenador de infra-estrutura Márcio de Sá e o brigadista de incêndio Paulo Roberto Rodrigues foram acompanhadas pelo advogado das Organizações Globo, Alcione Barreto. Eles não deram entrevistas. ”Através dos depoimentos estamos apurando se o incêndio foi doloso, culposo ou se foi um acidente”, disse o delegado. A partir de quinta-feira serão ouvidas as vítimas e familiares."

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