Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Ana Maria Bahiana

INDÚSTRIA CULTURAL

“Três dias na Matrix”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 13/05/03

“A primeira inspeção é na entrada do estacionamento: dois guardas munidos de espelhos em longos cabos de aço (uma versão Schwarzenegger daqueles espelhinhos de dentista) verificam as rodas, embaixo do automóvel, a mala. Caixas de papelão lhes parecem suspeitas. Um dos guardas sugere que o outro abra uma delas, mas meu olhar fulminante pelo espelho retrovisor motiva uma pausa, que refresca. ?São fitas e DVDS?, eu explico, calmamente (os dois guardas estão armados). ?Fornecidos pelos estúdios. Inclusive o seu. Verifique os rótulos nas caixas?.

Meu carro passa a primeira inspeção.

A segunda inspeção me aguarda na saída do estacionamento. Uma segurança tão carrancuda quanto vasta (e também armada) está exigindo carteiras de identidade e verificando os dados numa longa lista. Duas jornalistas de mais idade, que não dirigem – uma argentina, a outra polonesa – estendem suas carteiras de imprensa. A segurança tem um ataque. ?Carteira de motorista! Carteira de motorista! Só aceitamos carteira de motorista!? Uma situação kafkiana se desenvolve nos minutos seguintes, com diálogo surrealista sendo trocado, até que um funcionário mais graduado intervém e explica à extensa segurança que uma carteira emitida para uso público, com foto e assinatura do portador, é um documento de identidade.

Estamos todos prontos para a terceira inspeção, no portão do estúdio, com direito a portais detectores de metal e apalpadas nos nossos bolsos. Os seguranças, ali também, estão armados. A jornalista argentina manda bem: ?Escuta, meu filho, quando tiver um terremoto daqueles, de que vai adiantar todo esse esquema??. O jovem segurança apalpa firmemente seu cassetete e sorri, amarelo.

Um kart de golfe guiado por um funcionário nos leva até a entrada do teatro. O jornalista inglês e a correspondente australiana que queriam andar os poucos metros até lá foram barrados – ?andar não é permitido?, um segurança informa, secamente. Na porta do teatro, é claro, há uma quarta inspeção: nossas bolsas, pastas e mochilas são esvaziadas e revistadas. Alguns telefones celulares – desses novos, com câmeras digitais – são confiscados, entre protestos veementes de seus donos.

Mais uma etapa da gincana me aguarda dentro do teatro – com um sorriso tão forçado que deve doer nos seus músculos faciais, uma divulgadora empurra uma planilha com um documento na minha direção. Antes de tomar meu assento eu tenho que assinar um papel me compromentendo a não revelar o conteúdo do principal motivo do evento até uma determinada data.

E isso porque eu fui convidada.

Dentro do teatro, no coração de um dos maiores estúdios de Hollywood, eu e um pequeno grupo de jornalistas nos juntamos a um mais vasto contingente de exibidores e distribuidores para, durante três dias, ver amostras dos lançamentos para os próximos meses. Os longos discursos que pontuam as apresentações fornecem uma esclarecedora moldura para nosso tratamento: eles enfatizam o quão precioso e custoso é o produto que o estúdio fabrica – e de fato, um ótimo texto do roteirista James Schamus no New York Times deste último domingo revela que o chamado ?negócio do copyright?, ou seja, filmes, programas de TV e videogames, é, hoje, o maior produto de exportação dos Estados Unidos.

E, igualmente importante, os discursos reforçam o quanto a indústria de cinema está determinada a, nas palavras de uma executiva, ?não seguir o destino da indústria do disco?. Com meus botões, penso: não se tornar obsoleta por não saber acompanhar a evolução dos desejos e necessidades do público. Não é isso que a executiva diz. Ela diz: ?deter na raiz a pirataria e o uso ilegal de nossos produtos.?

Rapidamente várias informações relampejam na minha cabeça, como nos estilosos filmes sci-fi que são o grande ponto de venda do estúdio: os distribuidores e exibidores não tiveram que passar por quatro inspeções; não tiveram que assinar o tal documento; a maior parte das cópias ilegais é obtida diretamente da sala de projeção, não da platéia; mas sou eu, e meus colegas, que estamos sob supeita, aqui.

Muito interessante. Uma metáfora perfeita para o complicado estado de coisas entre indústria do entretenimento e mídia: liberdade vigiada.

Continuamos semana que vem?”

 

TV SEM CERVEJA

“Ministro quer limitar publicidade de cerveja na TV”, copyright O Estado de S. Paulo, 14/05/03

“Depois do desgaste sofrido pela edição da medida provisória que alterou as regras de propaganda de cigarros, o ministro da Saúde, Humberto Costa, propôs ontem na Câmara dos Deputados um pacote de medidas anti-tabagistas e para reduzir o consumo de bebida alcóolica. Entre as sugestões estão a proibição de venda de cigarros em locais como supermercados, padarias e aeroportos e a restrição de propaganda de todas as bebidas alcóolicas na televisão entre 22 e 6 horas.

As propostas foram apresentadas durante audiência pública, convocada pelo deputado Custódio Mattos (PSDB-MG) para que o ministro explicasse a MP que alterou a lei de propaganda de cigarros. A medida, editada às vésperas do Grande Prêmio de Fórmula-1, realizado em São Paulo, permitiu que carros exibissem o logotipo de marcas de cigarro, patrocinadoras de várias escuderias.

Ao explicar a edição da medida, o ministro acusou a Federação Internacional de Automobilismo de chantagem. Segundo ele, caso os carros circulassem sem a propaganda de seus patrocinadores, São Paulo seria retirada do circuito de Fórmula-1.

A sugestão de Costa é de que alterações sejam incorporadas ao texto da MP, que deverá ser levada ao Plenário da Câmara na próxima semana. O relator da medida, Miguel de Souza (PL-RO), considerou as idéias boas, mas não garantiu que vai adotá-las na totalidade. ?É uma maneira de compensar o estrago que foi feito pela MP?, afirmou Mattos.

Além de medidas mais duras contra o cigarro, o ministro propôs que um projeto do deputado Valdemar Costa Neto (PL-SP) seja incorporado à MP. O projeto proíbe a propaganda de qualquer bebida com álcool durante o horário de maior audiência na TV: entre 6 horas e 22 horas. Hoje, comerciais de bebidas do tipo cooler e cervejas, com menor gradação alcoólica, são veiculados livremente.

O deputado Paulo Delgado (PT-MG) considera um erro a inclusão de bebidas alcoólicas na discussão. ?Não vamos permitir que essa medida seja fruto de oportunismos legais. A questão do remédio e da bebida alcoólica tem de ser abordada em legislação específica.?

Depois da audiência, Delgado afirmou que não se referia ao ministro ao falar de oportunismo. ?Ele apenas deu a idéia. Nós é que não podemos deixar esse assunto ser incluído. Medidas para reduzir o consumo de álcool têm de ser adotadas, mas depois de um amplo debate.?”

“Bebida representa R$ 8 bilhões de um mercado de R$ 20 bilhões”, copyright O Estado de S. Paulo, 14/05/03

“O mercado de bebidas alcoólicas gira por ano R$ 21 bilhões no País, dos quais R$ 8 bilhões em cerveja, líder disparada do segmento. Esse é um dos alvos da medida provisória que o governo pretende baixar para restringir a publicidade de bebidas alcoólicas.

Para um publicitário que atua no setor, esse tipo de medida dificilmente terá impacto sobre marcas tradicionais, mas afetaria as novas. Ele lembra que não houve grandes mudanças no mercado de cigarros após as restrições impostas pelo governo à propaganda de tabaco. ?As marcas tradicionais sobreviveram, as vendas não caíram e o que ocorreu foi o desestímulo a lançamentos e uma queda brutal na receita de publicidade das agências e dos meios de comunicação.?

Como cada ponto porcentual do mercado de cerveja equivale a R$ 800 mil – suficientes para comprar hoje 55 carros Uno Mile Fire a R$ 14.490, – a indústria começa a se movimentar. A AmBev, líder do mercado de cerveja, se antecipou e estréia hoje campanha em que recomenda o consumo responsável de cerveja.

Criado pela agência F/Nazca, o comercial mostra um casal jovem se divertindo numa discoteca. Em close, o rapaz toma cerveja. Ao sair, ele entrega as chaves do carro para a moça, que não bebeu. O slogan diz: ?Beber redondo é beber com responsabilidade.?

A campanha é da Skol, líder de mercado, com 33% do volume de vendas. O gerente de Marketing de Skol, Carlos Lisboa, disse que a empresa acompanha as discussões sobre a medida provisória, mas garantiu que a nova campanha faz parte da estratégia de ?marketing responsável? da AmBev. ?Verificamos o que fazem diversos países e decidimos adotar essa linha. Não se trata de antecipação a decisões ainda não divulgadas?, disse.

Atualmente a Skol tem como principais concorrentes Brahma (21%) e Antarctica (9%) – também da AmBev. Depois vêm as marcas Kaiser (9%), Bavaria (3%), da canadense Molson, e Schincariol (8%).”