PREÇO DA FAMA
"Tudo pela fama", copyright Carta Capital, 10/04/02
"A alagoana Marta Ferreira, 21 anos, descobriu o que é andar de avião no sábado 30. Professora primária numa pequena cidade vizinha a Arapiraca, ela desembolsou o salário de março para bancar a passagem aérea de Maceió para São Paulo. Sorriso recatado, roupa até que discreta e discurso de Poliana, garante que faria qualquer coisa para chegar ao sambódromo paulistano, no Anhembi, e disputar com outras 5.900 garotas o que acredita ser o passaporte para a fama:
– Acho que qualquer pessoa faria um sacrifício assim. Isto aqui pode ser a grande chance de minha vida.
A professora alagoana foi uma das 30 mil jovens que se inscreveram no concurso Popstars, do SBT. Por telefone, Marta recebeu a notícia de que havia passado pela primeira peneira que, de acordo com a emissora, deixou para trás 24 mil concorrentes. O que ela quer – e, a seu ver, todo mundo quer – é virar uma estrela.
– E quem não quer ser famoso hoje em dia? Quem não teria vontade de estar aqui e, de repente, aparecer na tevê?
Apesar de sua única ligação com o mundo artístico serem as aulas de canto que faz uma vez por semana, a jovem está à espera de uma brecha. Ela e todas as meninas que aguardavam, sob sol forte, numa fila que dava a volta no sambódromo, parecem ter transformado a fama em um objeto de consumo.
– Eu me inscrevi no Big Brother também, mas lá teve marmelada, né? Mesmo assim, vou continuar tentando porque sou muito determinada – explica Marta.
Conforme vai falando sobre televisão, fama e das duas horas e meia que passou na fila para entrar no sambódromo, a esperança só faz aumentar.
– Acho que pelo fato de eu ter sido selecionada para a primeira etapa, alguma porta já pode se abrir. Lá em Alagoas é superdifícil, sabe? Pra ser artista, acho que a pessoa tem de estar numa cidade grande, aparecer na tevê, gravar uma música, sei lá…
No script da fama descrito por Marta, o Popstars não falha em nenhum ponto. Co-produção do SBT com a produtora americana RGB Entertainment e realizado em parceria com a Sony Music, o programa que entupiu o Anhembi na semana passada será feito em 20 capítulos e acompanhará os bastidores da formação de um grupo musical integrado por garotas de 18 a 25 anos.
O formato, que mistura programa de calouros com reality show, já foi exibido em 16 países, com mais de 40 edições. Na Argentina, deu origem ao Bandana, um grupo que, desde o fim do ano passado, já vendeu mais de 200 mil discos.
No Brasil, as inscrições foram abertas no início de março e, para participar, bastava preencher uma ficha disponível nas agências do correio, pagar uma taxa de R$ 6 e enviar uma foto e uma música gravada em CD ou fita K7. O aspecto técnico da seleção está a cargo da Sony, que também responderá pelo marketing e pela produção do CD, do videoclipe e do show.
Dentre as 5.900 garotas que torraram sob o sol do sambódromo, 2 mil foram escolhidas para a segunda bateria de testes, que começou na quinta-feira 4 e se estende até o domingo 14. ?Na primeira etapa, nossa função era identificar o talento básico das garotas?, tenta explicar o produtor Liminha, vice-presidente artístico da Sony e coordenador do corpo de quatro jurados do Popstars.
O ?talento básico? era identificado em meio a grupos de 800 meninas que entravam na passarela e, todas juntas, entoavam meia dúzia de canções por cerca de 45 minutos. Suadas e vermelhas de sol, elas eram filmadas, uma a uma, por no máximo cinco segundos. ?Isso é suficiente porque depende da sensibilidade dos jurados. Lidar com arte é lidar com o desconhecido?, divaga.
Era tanta gente laçando a fama, que a primeira postulante cruzou os portões do Anhembi às 6h30 e a última depois das 10h30. Com o NIP (Número de Identificação Popstars) pendurado no pescoço, as garotas não podiam descuidar da pose e da animaç&atilatilde;o em nenhum momento.
A insistente frase ?Atenção, Popstar: você está sendo avaliada o tempo todo, pode ter sempre algum jurado te olhando? fez com que muitas cantassem e dançassem até as 17 horas. Algumas desmaiaram. Outras – apesar da advertência dos seguranças de que quem saísse seria desclassificada e de cochichos de que era proibido ir embora antes do final – zarparam com seus saltos e plataformas na mão. E aí já tinha gente revoltada.
– Isso aqui não é seleção coisa nenhuma. Só quiseram encher o Anhembi e fizeram todo mundo de palhaço. O pior é que agora não consigo achar minha mãe. Ai que ódio! – indignou-se a baiana Ana Paula, 19 anos, pela primeira vez em São Paulo.
Ana Paula veio de avião com a mãe. Marta encarou o vôo sozinha. Umas poucas viajaram até três dias de ônibus. Muitas pegaram o metrô paulistano. Uma minoria chegou de carro. Algumas, como as cariocas Érica, 22 anos, e Tatiana, 18, estudantes de Direito e Odontologia, tiraram o dinheiro da mesada e perderam a primeira ponte aérea porque foram dormir tarde na sexta-feira. Mas as três horas de atraso não fizeram diferença. Trajando azul e rosa, chamaram logo a atenção.
– A gente veio assim que é pra todo mundo reparar mesmo. Agora, tem menina aí que olha torto. Eu tenho estilo e vim aqui pra curtir, passear e, de repente, ficar famosa. Agora, também não ia me matar pra madrugar às 7 da manhã. Aí já é pagar mico demais! – desdenhava Érica.
A também carioca Natalie Pink, 23 anos, formada em Teatro e Turismo, aderiu a uma peruca cor-de-rosa na busca por notoriedade e muitas outras combinaram tops de Lycra, meias coloridas, óculos escuros e penteados pop num figurino que divertia os motoristas que passavam pela marginal do Tietê e pela avenida Olavo Fontoura naquela manhã. Só não eram provocadas as que estavam acompanhadas. Vanessa Marques, paulista da Indaiatuba, com seu 1,80 metro e uma saia minúscula, era uma das escudadas pelos pais.
– Nunca que a gente ia deixar ela vir sozinha. Eu dou a maior força, até porque sei que ela tem talento. Ajudei a arrumar o figurino e tudo, mas andar sozinha nessas coisas não é bom não, ponderava dona Maria, mãe de Vanessa.
Entre sainhas e saltos, o violão carregado por Keila, a cantora de Presidente Prudente que já tem um CD gravado, era uma das raras referências à música que se via por ali.
– Cada um tem de mostrar o que acha que tem de melhor. Eu não sou a bonitinha. Eu sei cantar e só espero que tenha oportunidade de mostrar minha voz.
Infelizmente, não teve. Antes de entrar na passarela do sambódromo, muitas garotas aqueciam a voz, mas, na hora ?h?, a saída foi improvisar coreografias ao som do grupo KLB. O importante era, mais que cantar, aparecer.
O diretor de marketing da Sony do Brasil, Alexandre Schiavo, garante que a confusão era própria da primeira eliminatória. ?A partir de agora, a avaliação será mais detalhada?, promete. ?E o forte mesmo começa quando o programa entrar no ar, porque é um formato que mexe com a emoção do espectador. Não por acaso, o Popstars gerou uma das maiores disputas que já vi entre gravadoras?, informa Schiavo.
O indício de que não se trata de balela está no próprio mercado. A Warner Music se acertou com o programa de calouros do Raul Gil e a Rede Globo adquiriu os direitos sobre o Operación Triunfo, criado pela Endemol – a mesma do Big Brother. No programa musical da Globo, a ?casa? dá lugar a uma espécie de ?academia?, na qual os escolhidos terão aulas de canto, teoria musical, coreografia e marketing.
Durante a disputa, eles serão eliminados conforme avaliação de jurados, dos próprios concorrentes e do público. Na Espanha, Triunfo foi o programa de maior audiência no ano passado: na final, cerca de 13 milhões de pessoas estavam à frente da tevê, quando Rosa, uma garota de 20 anos, bateu os colegas na preferência do público e ganhou o direito de gravar um disco.
No Brasil, uma velha fórmula também tem dado resultados. Alcançando até 25 pontos no Ibope, o programa de calouros de Raul Gil, na Record, levou à criação de um selo específico, o Luar, feito em parceria com a Warner. Robinson, o ex-office-boy da zona leste de São Paulo que cantava em cultos evangélicos, vendou quase 1 milhão de cópias em seis meses e conseguiu o que desejam todas as pretensas popstars. ?Num dia eu não era nada e no outro não podia andar na rua?, orgulha-se.
Para Raulzinho, filho de Raul e diretor do programa, o sucesso dos calouros evidencia uma nova tendência no mercado fonográfico. ?Até aqui, a bíblia era divulgar uma música e depois pensar no marketing do artista. Agora, está comprovado que muita gente quer mesmo é comprar o CD de determinado intérprete?, avalia. ?Tanto é assim que Globo e SBT estão copiando nossa idéia.?
Sérgio Affonso, presidente da Warner, diz que apostou nos calouros do Raul Gil pela espontaneidade do programa. ?Ali é tudo à flor da pele. É difícil acreditar que um artista possa se formar numa academia. Isso me parece um tanto quanto irreal?, analisa. O que os calouros do Raul Gil têm em comum com Popstar e Operación Triunfo é sua receita do ?gente como a gente?, da identificação dos espectadores com a história dos participantes.
Na opinião do psicanalista Jorge Forbes, programas desse tipo só são possíveis porque o desconfiômetro anda em baixa. ?Todo mundo se acha genial e pensa que pode virar alguma coisa, seja lá o que isso signifique. Na sociedade do espetáculo, a fama deixa de ser conseqüência para ser um valor em si?, explica. Forbes acrescenta que, hoje, qualquer pessoa pode ser famosa porque não há referências. ?Neste mundo desbundado, temos apresentadores de tevê que não sabem falar e cantores que não sabem cantar.?
Vem também do psicanalista Forbes a analogia que, lamentavelmente, reproduz o cenário do Anhembi no dia em que tantas meninas imaginaram ser popstars. ?Quem nutre a fama pela fama, como a Tiazinha, se transforma no bobo da corte da sociedade atual?, compara. Como toda a corte adora bobagens e como sempre haverá pessoas que se prestam a isso pelo puro prazer de ser vistas, a onda do ?tudo pela fama? deve durar muito mais do que boa parte de seus protagonistas."
"Famosos não admitem corrida pela fama.", copyright Carta
Capital, 10/04/02
"Lá se vão mais de 30 anos desde que o artista pop Andy Warhol vaticinou que, no futuro, todo mundo teria seus 15 minutos de celebridade. Pois bem, o futuro chegou. Mas o engraçado disso tudo é que quem conseguiu seu lugarzinho ao sol dos holofotes jura: nenhum deles correu atrás da fama, e sim o contrário.
?A fama caiu na minha porta?, diz a socialite carioca Vera Loyola, que começou a aparecer na mídia como a representante-mor dos ?emergentes? da Barra da Tijuca – novos-ricos oriundos de ramos empresariais considerados pouco nobres; no caso de Vera, uma rede de padarias.
Logo ela seria entrevistada em inúmeros programas de televisão até ganhar o seu, na CNT, que chegou ao fim esta semana. ?Não renovei o meu contrato?, diz a emergente, que para garantir mais do que seus 15 minutos já prepara o piloto de outra atração. ?A fama é uma coisa muito boa, minha filha.?
?Eu não busquei a fama, ela é que me buscou?, afirma o ator, ex-empresário de dançarinas de funk e ex-inquilino da Casa dos Artistas Alexandre Frota. ?Minha preocupação era fazer teatro?, conta. Daí, para ser visto por diretores da Globo e ser convidado para uma novela, diz, foi um pulo.
E daí para o anonimato, outro, até voltar à mídia graças à aparição na Casa.
?Nunca penso na fama, penso em trabalhar, e só sei fazer isso. Aparecer em revistas para mim é indiferente. Sempre vivi sem a Caras. Em nove anos da revista, nunca fui convidado e, quando fui, foi direto para fazer a capa?, esnoba.
Participantes dos últimos reality shows exibidos pela tevê, Cristiane Dantas, a Xaiane de Big Brother, e Mariana Kupfer, da segunda versão de Casa dos Artistas, tampouco assumem que almejavam a fama instantânea quando aceitaram o confinamento.
?O que eu queria era ter uma chance profissional?, diz Mariana, ainda ?assustada? com a proporção que os beijinhos na boca que deu na roqueira Syang tiveram do lado de fora. ?Não foi só para aparecer, queria conseguir um programa sobre esportes radicais. E se for na Globo, melhor?, sonha Xaiane.
A apresentadora Márcia Goldschmidt, da Bandeirantes, que se tornou conhecida após apresentar um programa sensacionalista no SBT, cita o vencedor do BBB para falar das agruras da fama. ?Perder a privacidade faz parte, como diria o Kleber. Mas a fama também confere poder.?
Curiosamente, a maior crítica vem daquela que sempre foi considerada a ?rainha? dos que fazem tudo para aparecer, a baiana Carla Perez. ?Se não fosse para manter o conforto da minha família já teria largado. Inventam muita mentira. Falaram agora que eu tive depressão pós-parto e eu nem sei o que é isso. Voltaria a estudar e faria Direito. O que eu queria mesmo era ser delegada.? Uma delegada famosa, claro."