RISO & JORNALISMO
“Estratagemas do riso”, copyright Folha de S. Paulo, 12/10/02
“Raízes do Riso, Elias Thomé Saliba, Companhia das Letras, (Tel. 0/xx/11/3167-0801), 366 págs., R$ 39,50
Quem sou eu? De onde venho e onde o acaso me leva/ O destino fatal que os meus passos conduz?/ Ora sigo, a tatear, mergulhado na treva,/ Ora tateio, indeciso e ofuscado pela luz. // Quem és tu? Operário honesto da nação./ De onde vens? De casa./ Onde é que estás? No bonde./ Para onde vás? Não vês? Para a repartição.
Essa paródia de Bastos Tigre aos versos penumbristas de Eduardo Guimarães é um exemplo emblemático do humor dos anos da ?Belle Époque?, evidenciando como o riso é coisa séria… Aliás, sabem disso todos os profissionais do riso. Porque ele é tão sério, que o ter como profissão é coisa para poucos e competentes intelectuais. E nessa categoria estão muitos e variados intelectuais, desde aqueles que filosofam sobre o ato de rir até os que nos fazem rir por meio de livros, revistas, rádio, cinema, televisão etc.
Temos assim filósofos que nos ensinam que o homem é o único animal que ri, o que transforma o riso em atributo de humanidade, tornando-o um precioso instrumento de reflexão, expressão e crítica sociais. Fazer rir é difícil e pode ser perigoso, quer para aquele que provoca o riso, quer para quem simplesmente ri. Por isso, a figura do bobo da corte é tão paradigmática da ambiguidade que constituiu a atividade do cômico: ela é ao mesmo tempo ?poderosa?, porque pode dizer/ criticar o que outros não podem, e ?menor? pela própria natureza de sua forma de expressão. A grandeza e força do humor está assim, paradoxalmente, no fato de ser uma manifestação cultural considerada em ?negativo? pelo pequeno mundo dos intelectuais: não é séria, não é erudita.
É difícil ser um intelectual do riso, mas pode ser extremamente gratificante, inclusive para um historiador. Esse é o sentimento que o leitor terá ao se debruçar sobre o livro de Elias Thomé Saliba que agora participa desse diversificado conjunto, conseguindo nos fazer pensar sobre as relações entre o riso e o Brasil e também nos fazer rir com inúmeros e deliciosos exemplos de piadas, charadas, caricaturas, charges, histórias e poemas cômicos.
O título evoca o clássico do pensamento social brasileiro ?Raízes do Brasil?, de Sérgio Buarque de Holanda (1936). Entendo que Elias quis tratar o riso como uma das chaves possíveis para a compreensão da cultura do país, pois, como qualquer pessoa sabe, piada é algo muito ?nacional?, tanto que piada ?de gringo? às vezes não tem graça nenhuma. Logo, o riso, como o mito, é bom para pensar uma cultura. De toda forma, mesmo que se possa perguntar se o riso realmente tem raízes, posso garantir que ele dá flores e frutos quando cuidado pelo autor.
No texto, ele analisa as concepções e práticas humorísticas de um período da história, a chamada ?Belle Époque?, que abarca, grosso modo, as duas últimas décadas do século 19 e as três primeiras do 20. Um tempo de grandes transformações sociais no mundo e no Brasil, que então viveu a abolição da escravidão e a instauração da República, com todas as esperanças e frustrações que ambos os acontecimentos produziram.
Um período no qual o país começou a ser moderno, convivendo com novas tecnologias na área das comunicações, transportes e modos de vida. Os bondes elétricos, o telégrafo, o telefone, os fogões que não usavam lenha, as primeiras geladeiras etc. No circuito da mídia, ao lado do teatro, dos jornais e das numerosas e populares revistas ilustradas, surge o cinema, o rádio, os discos, a publicidade. A linguagem audiovisual, a velocidade e o conforto passavam a ser signos do progresso, povoando os desejos de consumo de muitos, especialmente daqueles que habitavam algumas das cidades do país, como o Rio de Janeiro, a capital federal, e São Paulo que, a partir dos anos 1910, inicia seu grande crescimento urbano-industrial.
Artistas do traço e das letras
São essas cidades que fornecem o cenário de atuação dos humoristas selecionados por Elias. Ele trabalha, o que não é comum, com intelectuais do Rio e de São Paulo com vínculos entre si, mas que têm características distintas pelo momento em que surgem com mais força e pelas próprias condições e tradições intelectuais que marcam cada uma dessas cidades. Por meio desses humoristas, o livro nos revela um rico e agitado mundo cultural, ainda pouco frequentado pelos estudos na área das ciências sociais. E quem são eles? No Rio, são homens de um novo jornalismo e teatro, como José do Patrocínio Filho, Raul Pederneiras, Bastos Tigre, J. Carlos, Storni e Calixto, cuja produção se afirma na virada do século 19 para o 20 e que, no caso de alguns, imprime sua marca até as décadas de 1940 e 1950. Em São Paulo, as maiores figuras são Belmonte, Bananére e Voltolino, entre outros, que explodem nas décadas de 1910 e 1920.
Esses humoristas são intelectuais de vanguarda, polígrafos e modernos sem serem modernistas, em sua maioria. Suas criações marcaram não apenas a história do humor no Brasil, mas também a história da arte, pois são fantásticos artistas do traço e das letras. Fantásticos, como nos mostra Elias, porque inovam e fazem crítica na melhor tradição do cômico, utilizando o conteúdo e a forma de expressão artística como seus instrumentos de fazer pensar o social. Uma atividade crítica que atinge as chamadas formas cultas da escrita, que ousa no uso da língua (bem antes dos modernistas) e que lança seus petardos no mundo político e intelectual.
Nada escapa à argúcia e ao talento dos humoristas, que introduzem termos do linguajar popular em seus textos, que fazem chacota de estilos literários, que inventam novas línguas (misturando o português e o italiano), que dão vida a personagens eternos (a Melindrosa de J. Carlos e Juca Pato de Belmonte), que fazem rir tanto com as esperanças que a política trazia, como principalmente com as frustrações que produzia. Fazem rir, no presente, pois, se a política brasileira mudou muito (e mudou mesmo), nesse humor há elementos de uma cultura política que permanece numa duração maior e que escapa ao evento e à conjuntura em que o produtor cultural se insere.
É portanto no marco da melhor história cultural que Elias trabalha, fazendo-nos entender a dinâmica e os estratagemas do riso (o solavanco mental, o poema piada) e o contexto de disputas em que viviam os humoristas. Isso porque não era sempre divertida a vida desses profissionais do riso. Foram muitas e duras as lutas que enfrentaram com os círculos de intelectuais ?sérios? e também com os políticos, todos eles desconfiados da popularidade dos humoristas e sempre prontos a transitar para a irritação com sua produção, taxada de menor, baixa ou, no dizer de hoje, politicamente incorreta.
Elias mostra como, ao longo desse período, estrutura-se uma imagem da produção humorística como algo menor; algo que precisa ser menosprezado para que uma hierarquia de produtos e produtores culturais seja sustentada. O humor era acusado de se voltar para um amplo público, de usar linguagens visuais e sonoras, e principalmente de não ter como suporte o livro, mas a revista ilustrada, os cartazes de publicidade, a encenação teatral etc. Ou seja, o humorserá associado ao popular e aos novos meios de comunicação, muito problemáticos para a ?séria? intelectualidade da época.
Por tais razões, os humoristas foram marginalizados pelos setores ?eruditos? de sua época e, mesmo posteriormente, continuaram a ser considerados ?perdedores? no interior do pequeno mundo intelectual. Elias destaca o fato, mas a meu ver ainda acompanha em parte esse diagnóstico que reconhece os humoristas como intelectuais, digamos, de uma outra categoria. Acompanha, embora forneça muitos elementos para uma visão distinta, que questione se esses humoristas realmente incorporaram essa ?pele de perdedores? e se tiveram e têm um lugar menor na produção cultural do país.
Senão vejamos. Os humoristas são intelectuais com enorme continuidade de atuação e com mobilidade entre as formas de expressão mais consumidas em seu tempo. E faziam grande sucesso, sendo reconhecidos, embora de forma diferenciada entre si.
É claro que isso ocorre em momentos distintos no Rio e São Paulo e que no caso dos humoristas paulistas a luta com os modernistas é imediata e dura. Isso é uma questão crucial de disputa por espaço, não só dentro do mundo intelectual, mas também dentro do próprio humor. No Rio, a situação foi diferente, mas mesmo havendo uma certa perda de status da boemia, os intelectuais humoristas sempre trabalharam muito. Sua produção não diminuiu ao longo de décadas, nem seu sucesso. Por isso, entendo que, mesmo atuando em veículos que não têm a duração do livro, os produtos culturais dos humoristas não são efêmeros, sobretudo considerando-se sua qualidade, continuidade e quantidade.
Por fim, a leitura do livro me convenceu, e convencerá aos que o lerem, que o humor e os intelectuais do riso são partes fundamentais da história cultural do Brasil e, dessa maneira, do processo de construção de identidade nacional, contribuindo com seu olhar crítico e sua ousadia artística de maneira decisiva. (Angela de Castro Gomes é professora de história do Brasil na Universidade Federal Fluminense e autora de ?Essa Gente do Rio… Modernismo e Nacionalismo? (Ed. FGV).)”
REDE GLOBO EM CRISE
“Net adia para o dia 28 assembléias que definirão a renegociação de sua dívida”, copyright Folha de S. Paulo, 10/10/02
“A Net S.A. (ex-Globocabo), empresa de TV por assinatura do grupo Globo, publicou ontem editais adiando de amanhã para o próximo dia 28 as assembléias que tratarão do fechamento da renegociação de seus débitos com os credores.
Com a renegociação, a Net deverá reduzir as dívidas a pagar em 2002 e em 2003 de R$ 924,9 milhões para R$ 130,4 milhões.
A informação oficial dada pela assessoria de imprensa da empresa é que o adiamento das três assembléias -duas de debenturistas e uma geral extraordinária- foi causado pelo atraso no preparo de parte da documentação a ser examinada.
Analistas do mercado ouvidos pela Folha avaliam que o adiamento pode ter sido causado pela necessidade de mais tempo para a empresa chegar a um consenso com os credores sobre os termos da renegociação.
Um dos pontos em questão seria o período do alongamento dos débitos. Segundo um analista, a Net quer que o novo prazo vá até 2006, mas, com a crise de liquidez do mercado internacional, haveria credores resistindo a aceitar prazo tão longo. A busca da adesão de um maior número de credores aos termos da renegociação seria outra provável causa do adiamento.
Na semana passada, a Net divulgou um comunicado ao mercado informando que parte da renegociação será garantida por 20% das receitas provenientes de assinaturas de TV a cabo.
A empresa informou que o total da dívida em processo de renegociação equivale a US$ 200 milhões. Neste ano, a Net obteve dos acionistas, incluindo o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), aporte de capital de cerca R$ 1 bilhão, o que lhe permitiu pagar fornecedores e reduzir a dívida de R$ 1,618 bilhão (em 30 de junho de 2002) para R$ 1,1 bilhão.”