Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Annette Levy-Willard


QUALIDADE NA TV

WASHINGTON vs. HOLLYWOOD

"Criticada por Gore, Hollywood contra-ataca", copyright Folha de S. Paulo/Libération, 17/09/00

"Existe entre Washington e Hollywood um fascínio recíproco, uma relação de amor e de ódio. No que diz respeito ao ódio, esta semana foi marcada pela denúncia unânime, feita por senadores democratas e republicanos, da violência na mídia – cinema, televisão, música, videogames.

O conflito foi deflagrado após a divulgação de um relatório da Comissão Federal do Comércio (FTC), que prova que a indústria do entretenimento não hesita em fazer a propaganda de filmes proibidos para menores de 17 anos em programas de televisão destinados a adolescentes de idade inferior a essa.

A classe política imediatamente subiu aos palanques em nome da proteção das crianças. Os candidatos democratas à Presidência e à Vice-Presidência, Al Gore e Joseph Lieberman, se atiraram de cabeça nessa briga, normalmente reservada aos conservadores.

Gore chegou a dizer que, se eleito, exercerá um controle mais rígido sobre a indústria do entretenimento caso ela não reduza a violência do marketing que faz de seus produtos.

O tema é um dos favoritos de Lieberman, que há muito tempo vem denunciando a ‘cultura tóxica’ de Hollywood, apesar do fato de o mundo do entretenimento fazer grandes contribuições para a campanha eleitoral democrata. A ofensiva democrata gerou elogios e críticas, não necessariamente nessa ordem.

A Disney prometeu combater a violência dirigida aos menores, mas os dirigentes dos estúdios de Hollywood não compareceram diante da comissão do Senado que estuda meios para proteger as crianças contra a violência existente na mídia. ‘Estamos ocupados demais’, explicou Jack Valenti, porta-voz da indústria cinematográfica norte-americana.

Enquanto a comunidade de Hollywood se refugia num silêncio prudente, Tom Pollock, um dos últimos magnatas do cinema e antigo presidente do estúdio Universal, produtor dos filmes de Spielberg – incluindo ‘Parque dos Dinossauros’ e ‘A Lista de Schindler’ –, aceitou tomar partido inequívoco na discussão.

Nesta última semana a classe política americana resolveu travar uma guerra com Hollywood. Isso o surpreende?

Tom Pollock – De maneira alguma. Estamos em plena campanha presidencial, e esse tipo de discussão ressurge a cada quatro anos. Em 1996 a polêmica girava em torno de um chip que seria inserido nos televisores e da denúncia de um anúncio de música rap da Time Warner.

A FTC sabe muito bem que o marketing dos filmes também atinge crianças que possuem idade inferior à autorizada para assistir às produções da indústria cinematográfica.

Por outro lado, Hollywood não deveria se surpreender com o fato de essa situação causar preocupação ao governo. O relatório do Senado sobre a mídia foi pedido por Bill Clinton após o massacre de 13 estudantes ocorrido no ano passado na escola de Columbine, no Estado de Ohio.

As indústrias do cinema e da música podem ser isentas de qualquer responsabilidade pela criminalidade nos EUA?

Tom Pollock – Os filmes não são responsáveis pela violência, e isso é demonstrado por números. Tomemos o exemplo de duas cidades: Windsor (em Ontário, Canadá) e, logo à frente dela, Detroit (Estado de Michigan). As duas cidades consomem exatamente a mesma (violenta) cultura americana. Seus habitantes assistem a exatamente os mesmos filmes e os mesmos programas de TV, compram os mesmos CDs de rap. É o mesmo caso de Buffalo, no Estado de Nova York, e Toronto, no Canadá. Ocorrem 20 vezes mais homicídios em Detroit que em Windsor e dez vezes mais em Buffalo que em Toronto.

A diferença entre essas cidades é que as armas de fogo são proibidas no Canadá e autorizadas nos Estados Unidos. Logo, não é possível estabelecer uma relação entre a mídia e a criminalidade.

Mas essa relação convém aos políticos e à NRA (National Rifle Association, o poderoso lobby norte-americano pró-armas de fogo). A única maneira de reduzir o número de vítimas de morte violenta neste país é proibir a venda de armas de fogo.

Todas as noites os jornais da televisão começam com pelo menos um ou dois assassinatos –verídicos, não falsos como no cinema –, mas ninguém cogita criticar a sacrossanta informação televisionada, sobretudo não em períodos eleitorais.

Em sua opinião, existe uma violência ‘boa’ e outra ‘má’ nos produtos culturais norte-americanos?

Tom Pollock – Antes de mais nada, essa é a diferença entre um filme bom e outro ruim. Eu me recordo de um filme no qual uma menina de 12 anos ateava fogo a uma velhinha, e era um filme feito pra crianças: ‘O Mágico de Oz’. É um filme muito violento, como são violentos ‘O Resgate do Soldado Ryan’ e ‘A Lista de Schindler’. Esses filmes tratam da violência da guerra, mas com o intuito de denunciá-la.

Já que Washington está preocupada em proteger as crianças, é o caso de colocar a seguinte questão: será que não é preciso estabelecer uma diferença entre a violência na música ou em filmes –experiências passivas – e a violência nos videogames – experiência ativa? Na maior parte dos games o objetivo único do jogador é matar. Quer se trate de ‘Zelda’ ou ‘Doom’, a criança precisa se transformar em assassina para ganhar -precisa matar o maior número possível de pessoas e o mais rapidamente possível. E os jogadores costumam ser pessoas de 12 a 20 anos de idade."

"Casa Branca ataca violência na tela", copyright Jornal do Brasil, 12/9/00

"Num ataque aparentemente coordenado, tanto o presidente Bill Clinton como o vice-presidente Al Gore, candidato do Partido Democrata às eleições presidenciais de novembro, abriram fogo ontem contra a indústria do entretenimento, condenando a excessiva violência a que o cinema, a TV e os jogos de computador (videogames) expõem o público infantil. O pretexto para o ataque foi a divulgação ontem de um relatório
encomendado por Clinton após o massacre ocorrido em abril do ano passado na Escola Columbine, no Colorado. Na ocasião, dois adolescentes, fascinados por armas e videogames violentos, mataram treze pessoas antes de se suicidarem.

Ao contrário de outras condenações mais gerais ao uso da violência pela mídia, o relatório da Comissão Federal de Comércio (CFC), apresenta documentos da própria indústria de entretenimento para denunciar que as empresas formulam estratégias de venda voltadas justamente para faixas de idade que não deveriam ter acesso àqueles produtos. Enquanto as
classificações determinadas pelas próprias companhias desaconselham filmes e videogames para menores de 17 anos, seus departamentos praticam um marketing agressivo, voltado justamente para as crianças.

‘Eles estão tentando vender seus filmes exatamente para aquelas pessoas que, segundo eles próprios, não deveriam ver aquilo’, criticou Clinton, falando no Centro da Comunidade Judaica de Scarsdale, onde participava de um ato da campanha ao Senado da sua esposa, Hillary.

TV Em entrevista ao New York Times publicada ontem e numa participação no popular programa de TV de Oprah Winfrey, Al Gore disse que daria seis meses à indústria para que seu marketing parasse de visar as crianças na venda de produtos violentos. Se recusar, a indústria enfrentaria novas leis mais rigorosas, advertiu Gore. ‘Já é complicado o bastante criar os filhos hoje em dia para que a indústria de entretenimento torne as coisas ainda mais difíceis’, disse Gore.

‘Estamos apelando para auto-regulamentação da indústria, não para a censura’, disse o vice-presidente na TV, propondo um ‘cessar-fogo’ imediato em relação a esse tipo de marketing. Se as empresas continuarem com as mesmas estratégias de venda, poderiam, segundo ele, ser acusadas de propaganda enganosa ou submetidas às investigações da CFC.

O estudo preparado pela Comissão não tenta estabelecer uma relação direta entre violência nas telas e o crime nas ruas. O texto reconhece que a maioria dos especialistas considera que é pequena a contribuição desses produtos para o problema. ‘Mesmo assim, achamos que é razão suficiente para que nos preocupemos’, disse Robert Pitofski, presidente da CFC. ‘Exposição a
esse tipo de material está relacionada a atitudes violentas e insensibilidade em relação à violência.’

Cinema Como em outras ocasiões, representantes da indústria cinematográfica responderam às acusações contra Hollywood. ‘Se estivéssemos provocando a decadência moral deste país, estaríamos vivendo uma explosão dos índices de criminalidade’, disse Jack Valenti, presidente da Associação Americana de Cinema. ‘É exatamente o oposto o que está acontecendo.’ Em
discurso no mesmo evento em que o presidente Clinton falou, sua esposa Hillary, em campanha para o Senado, classificou de ‘ultraje’ a atitude das companhias e queixou-se do atual esquema de classificação, ‘uma confusa sopa de letras’ que usa sistemas diferentes para rotular filmes, videogames e CDs."

"Hollywood e a política", copyright Jornal do Brasil, 12/9/00

"Não é à toa que o candidato republicano George W. Bush acusou tanto Al Gore como o presidente Clinton de hipocrisia nas suas críticas a Hollywood, uma vez que ambos teriam recebido milhões em doações de estúdios e astros do cinema para suas campanhas.

É famosa a preferência de personalidades de Hollywood pelo partido de Clinton. De acordo com o jornal The New York Times, os candidatos democratas ao Congresso teriam recebido das indústrias de entretenimento até agora cerca US$ 13,6 milhões em contribuições, comparados com apenas US$ 8,6 milhões para os republicanos. Mas Bush preferiu calar sobre os seus próprios números: ele também recebeu US$ 725 mil da indústria do cinema, soma razoável, ainda que inferior às doações feitas à campanha de Al Gore: US$ 928 mil.

O romance entre os democratas e Hollywood enfrentou sua primeira crise este ano com a escolha do vice na chapa de Gore, Joseph Lieberman: o senador democrata tem se destacado no Congresso por suas críticas ao abuso da violência no cinema e na TV, tirando a bandeira dos ‘valores familiares’ das mãos da direita republicana.

A indústria do cinema por sua vez não parece resignada a assumir o papel de saco de pancadas dos políticos durante a campanha. Jack Valenti, o todo poderoso presidente da Associação Americana de Cinema, promete rebater as acusações feitas no relatório da CFC amanhã, durante uma sessão dedicada ao tema no Senado americano."

"Marketing visa até escoteiros", copyright Jornal do Brasil, 12/9/00

"O relatório da Comissão Federal de Comércio (CFC), encomendado pelo presidente Clinton e divulgado ontem, mostra que, apesar do sistema de classificação por idade adotado voluntariamente pelas empresas, as indústrias de cinema, videogame e música vêm se esforçando para fazer com que crianças comprem produtos que, pelas cotações que receberam, seriam inadequados para o público infantil. Fazem isso plantando anúncios em publicações e horários de TV preferidos pelas crianças.

Pelo sistema adotado por Hollywood, os filmes que recebem a cotação R são considerados impróprios para pessoas com menos de 17 anos. Só que os técnicos da CFC descobriram que 80% desses filmes eram anunciados deliberadamente em veículos para um público abaixo dessa idade. Certos documentos internos das empresas analisados pelo estudo estabelecem alvos
específicos, como grupos de escoteiros ou de bandeirantes. A estratégia de marketing traçada para um filme com a cotação R chega a definir como meta ‘fazer com que todo mundo entre 12 e 18 anos seja exposto à fita’.

Já determinada produtora de videogames dirige todo seu marketing para filmes com a classificação M para meninos entre 12 e 17 anos, exatamente a faixa de idade desaconselhada pela cotação. Dos 118 videogames com a cotação M, 70% têm seu marketing voltado para crianças com menos de 17 anos. Na indústria do disco, a situação não é diferente: das 55 músicas com conteúdo classificado de ‘explícito’, todas eram ‘vendidas’ para um público abaixo de
17 anos."

"Ameaça de Gore passa dos limites", in Multimídia, copyright Folha de S. Paulo, 13/09/00

"O jornal (New York Times) publicou duras críticas a Al Gore pelas ameaças que o candidato democrata à Presidência dos EUA fez anteontem à indústria do entretenimento – acusada em relatório do governo de promover seus produtos de forma violenta, atingindo as crianças.

Gore afirmou que defenderá formas de controle mais duras se os produtores não recuarem. ‘Ao ameaçar estabelecer punições à indústria do entretenimento, Gore cruzou uma linha que nenhum candidato à Presidência deveria cruzar’, afirmou o editorial.

‘Seu partido é um tradicional protetor da liberdade de expressão. Gore e Joseph Lieberman, seu companheiro de chapa, traíram essa tradição ao defenderem formas de censura oficial.’"

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