Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Antônio Brasil

FANTÁSTICO

“Após sacudida, Fantástico celebra 30 anos”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 6/05/03

“O Fantástico, a sua revista eletrônica das noites de domingo, está prestes a comemorar 30 anos no ar. Quem diria? Trata-se de um verdadeiro recorde na turbulenta e competitiva história da TV brasileira. Uma longa trajetória com direito a altos e baixos que inclui alguns dos momentos mais brilhantes da nossa programação televisiva. Os últimos anos, no entanto, reservaram algumas surpresas desagradáveis. A longa trajetória do programa também foi responsável por uma acomodação perigosa que lhe rendeu uma série de derrotas humilhantes para os competidores do SBT.

Em matéria para a revista Veja publicada em janeiro de 2002, um diretor da Globo já reconhecia os problemas do velho programa: ?o cansaço da fórmula é flagrante. Faz tempo que o Fantástico requer uma sacudida?. E pelo jeito, com os novos quadros e inúmeras atrações parece que a ?sacudida? deu certo. Hoje, o ?show da vida? renasceu e, provavelmente, vive a sua melhor fase. A equipe do diretor Luiz Nascimento, um dos mais talentosos profissionais da nossa TV, resolveu enfrentar as ameaças da Casa dos Artistas com criatividade e ousadia. Foram pelo caminho oposto de muitos outros programas da emissora que simplesmente se renderam às conveniências de pesquisas apressadas que culpam o público pela queda de qualidade. É a famosa teoria de uma televisão que não respeita seu compromisso social e a tudo justifica como o famoso ?afinal, nós não somos culpados pelas baixarias. Só mostramos aquilo que o público quer e gosta de ver?.

Em caminho contrário a essa tendência de acomodação da nossa televisão, o Fantástico tem conseguido buscar alternativas criativas para a velha fórmula do programa com novos apresentadores e atrações. Esses quadros incluem ousadias de linguagem, que misturam ficção com inserções do noticiário. O melhor exemplo pode ser constatado em ?Dias de Glória?, com a excelente Denise Fraga em sua saga pelo amor do Ferreirinha, em meio aos desastres esportivos que envolveram a equipe do novo governo. Uma prova de que ficção, humor e jornalismo podem conviver em espaços claros e bem definidos da programação televisiva. O diário da vida real tem sido uma grata surpresa para todos os telespectadores do Fantástico. Deve-se destacar também as participações do Maurício Kubrusly, sempre em busca de curiosidades de um Brasil que a nossa TV insiste em ignorar ou mesmo desprezar. O Fanstástico também tem buscado informar e educar o público com o talento do Dr. Dráuzio Varela. Seu poder de comunicação e o carinho com que trata ou entrevista seus pacientes são inegáveis. O Fantástico sempre teve uma forte ligação com os assuntos médicos mas lhe faltava um personagem que demonstrasse segurança, credibilidade e mostrasse ao público que sabe do que está falando. Matérias de saúde na TV não precisam ser necessariamente sensacionalistas e causar pânico no grande público.

?Olhe bem, preste atenção?. Assim uma voz feminina anunciava a estréia do novo programa em 5 de agosto de 1973. Acompanho o velho Fantástico há muitos anos com um interesse todo especial. Ainda muito jovem, estudante universitário, louco por TV e cinema, tive o privilégio de fazer parte de uma equipe pioneira que viria a produzir o programa ?piloto? do Fantástico. Ainda não tínhamos uma idéia muito clara de como seria aquele novo programa surpresa da Globo para as noites de domingo. Sequer desconfiávamos que estávamos participando da própria história da TV brasileira. Tudo que sabíamos é que aquele novo programa era uma idéia do todo-poderoso Boni e que seria uma espécie de salada televisiva onde caberia de tudo. Um misto de programa de entretenimento com muita música, humor e variedades. Um programa que privilegiaria um novo jornalismo mais dinâmico, descontraído, popular, porém não menos denso e investigativo. Uma proposta revolucionária e inovadora para uma televisão brasileira, que sofria terrivelmente com o assédio dos militares, a timidez de seus produtores e os limites da censura. O desafio à frente de profissionais experientes como Augusto César Vanucci e Manoel Carlos era enorme. Afinal, enfrentar o desânimo e o tédio do público televisivo das noites dominicais sempre foi um dos maiores problemas para os produtores e programadores de TV de todo o mundo.

Além disso, aqueles eram tempos difíceis no Brasil. Entre encontros e desencontros, com bons e maus momentos, a televisão brasileira se consolidava como o nosso principal meio de comunicação. A memória da TV brasileira se confundia com a nossa própria história e com a ditadura. Mas uma coisa era certa. Após o lançamento do Fantástico, as noites de domingos dos brasileiros nunca mais seriam as mesmas. Algo de novo estava no ar.

A televisão brasileira já estava suficientemente madura e em condições técnicas apropriadas para lançar uma das propostas mais criativas e inovadoras da história da TV mundial. O Fantástico viria estabelecer novos conceitos de produção de shows para TV e criar uma nova linguagem para o meio que se tornaria referência para as demais emissoras. A TV brasileira estabelecia uma aproximação definitiva entre a linha de shows e o jornalismo, que garantiria um enorme sucesso junto ao público. Assistir ao fantástico se tornava o ?programa de domingo? dos brasileiros.

Para aqueles que não se lembram como eram as noites de domingo antes do Fantástico, ou simplesmente ainda não eram sequer nascidos, é bom lembrar do Raul Longras e o seu lacrimogênio ?Só o Amor Constrói?. Era um programa de auditório horroroso, ao vivo, que tentava unir casais simples e humildes na frente das câmeras durante as longas e intermináveis noites de domingo da Globo. Não tinha nada pior! O programa não só era muito chato, mas após anos de uma fórmula piegas e desgastada, mostrava sinais evidentes de decadência.

Nesse cenário, surgia o Fantástico, um verdadeiro show da vida. A revista semanal que iria quebrar todas as regras dos programas da TV brasileira da época. Uma revolução no meio!

Em tempos de tanta censura e enormes dificuldades, certamente algo de novo estava prestes a acontecer. Mas ninguém sabia muito bem o que seria. Ainda muito jovem, tive o privilégio de ser convocado pela chefia de reportagem do jornalismo para participar de uma equipe especial que viria a produzir algumas das melhores matérias do novo programa. A grande novidade é que o todo-poderoso Boni havia contratado uma das maiores estrelas da TV brasileira daquela época, a apresentadora, atriz e repórter-especial, a impagável Cidinha Campos. Ela já tinha participado de programas de sucesso da TV Record como a família Trapo, com Jô Soares e Ronald Golias, e do programa de entrevistas da Hebe Camargo. É isso mesmo, na televisão brasileira muito pouca coisa muda, nada se cria e tudo se copia.

Cidinha Campos seria a repórter-especial, a grande surpresa do novo programa que aproximava a atriz de sucesso da jornalista destemida. Ela já tinha uma grande experiência ao produzir excelentes matérias jornalísticas que exploravam a sua competência e popularidade em todo os recantos do país. Cidinha vinha se unir à equipe do novo programa para testar uma mistura inusitada e explosiva de descontração do entretenimento com o rigor dos objetivos jornalísticos. A proposta era criar um verdadeiro show de variedades onde cabia quase tudo, da ficção do teleteatro às transmissões de eventos ao vivo.

Contratada pela direção da Globo, Cidinha tinha uma grande autonomia para escolher as suas matérias, contava com uma equipe técnica de primeira e muitas mordomias impensáveis para a época. Já na primeira matéria embarcávamos em um avião particular que deveria ficar à nossa disposição durante todas as viagens pelo interior do país. E lá fomos nós, com muito entusiasmo e esperança, produzir a primeira matéria especial para o que deveria ser o ?piloto? de um dos programas de maior sucesso da TV brasileira. A pauta era delicada para a época e provavelmente já demonstrava uma certa ousadia ou irreverência criativa do programa. Deveríamos mostrar uma pequena cidade no interior de Minas que estava sendo dizimada por uma doença horrível, o mal de Chagas. A região era miserável e os insetos chamados ?barbeiros? sugavam o sangue de crianças que moravam em casebres de barro. A doença se alastrava em níveis assustadores e pretendíamos mostrar o descaso e o abandono em que viviam as populações rurais brasileiras em plena época de ?milagre econômico?. O novo programa nos acenava com a possibilidade de produzir um jornalismo de verdade na TV, apesar das restrições da ditadura. Quanta ingenuidade!

Não é preciso descrever a nossa surpresa com aquela pauta tão inusitada e ?corajosa? para o jornalismo da Globo durante os anos de chumbo. Mas, afinal de contas, o novo programa prometia ser inovador, ousado e diferente de tudo que conhecíamos na TV brasileira. Quem sabe, os tempos estavam realmente mudando? A matéria dos ?barbeiros? também deveria mostrar o contraste entre a miséria absoluta da população rural da zona da mata mineira com a enorme riqueza de um empresário-coronel que controlava a região. Em meio a tanta pobreza, ele vivia numa fazenda riquíssima com uma piscina gigantesca e possuía seu próprio aeroporto particular. O principal gancho da matéria sobre o mal de Chagas e os temíveis barbeiros era o fato da pequena cidade não possuir sequer energia elétrica, a não ser, é claro, na única boite local. O coronel-fazendeiro, em um momento de rara generosidade, resolveu instalar um poderoso gerador elétrico para iluminar e animar as ?noitadas? da cidadezinha miserável. Uma tremenda matéria, principalmente, se considerarmos a época e a emissora onde seria transmitida.

Infelizmente, a matéria dos ?barbeiros? do programa piloto do Fantástico jamais iria ao ar. O material foi considerado chocante e ?perigoso? demais para um show de variedades nas noites de domingo. Este também foi o primeiro de muitos outros atritos entre a jornalista Cidinha Campos e a direção da Globo. Ela ainda produziria importantes matérias internacionais para o novo programa, mas, como já era de se esperar, não permaneceria na Globo durante muito tempo. Ingressou na vida política, foi eleita diversas vezes e ainda é muito popular no rádio carioca.

Eu ainda viria a contribuir para a história de sucesso do Fantástico com muitas matérias nacionais e internacionais durante muitos anos. Mas jamais esqueci das belas promessas do novo programa de TV e da oportunidade de conhecer um Brasil tão diferente daquele que só conhecia na telinha. Aquela matéria que nunca foi ao ar mostrava um país miserável que não estávamos dispostos a exibir ou reconhecer. Um país com grandes injustiças e maiores desequilíbrios e que ainda condena tantos brasileiros a morrer com as mesmas doenças do passado. Após 30 anos de muitos investimentos em televisão e pouquíssimos recursos para a saúde, a fantástica miséria dos brasileiros ainda nos choca e surpreende. O Brasil dos ?barbeiros? ainda continua o mesmo. Mas devemos reconhecer que a televisão brasileira e o Fantástico, certamente, aprenderam algumas lições e mudaram muito.

Nesse último domingo, tivemos a oportunidade de assistir a uma das mais novas e criativas propostas de interiorização da televisão em nosso país, no quadro ?Brasil Total?. Criado pelo antropólogo Hermano Vianna e apresentado por Regina Casé, a série procura mostrar um Brasil pelo olhar único das equipes locais de TV. É uma oportunidade rara para que os brasileiros possam ver a capacidade de criação e produção das pequenas equipes de jornalismo do interior do Brasil. Tradicionalmente, elas são relegadas a um plano secundário nas grandes coberturas dos eventos nacionais. As equipes de jornalismo das emissoras afiliadas dificilmente têm oportunidade de demonstrar todo o seu potencial criativo. As sutilezas da cultura regional e os excessos de um sotaque diferenciado costumam desprezar as nossas diferenças em nome de um padrão de qualidade televisivo uniforme, externo e estranho, imposto a todos como necessariamente melhor.

A matéria do ?Brasil Total? desse domingo sobre os bodes e o bodódromo de Juazeiro na Bahia foi brilhante. Produzida por uma autêntica e legítima equipe baiana, teve direito ao lançamento de uma nova estrela do jornalismo brasileiro alternativo: a excelente repórter-travesti Loly da Caatinga. Uma demonstração evidente do quanto a televisão brasileira tem perdido por desprezar o potencial criativo das emissoras e equipes locais. A matéria tinha de tudo. Boa pauta, belas imagens, competência técnica e profissional, conciliando bom conteúdo jornalístico com descontração de linguagem, bom humor, edição moderna e muita criatividade.

Ao comemorar 30 anos do Fantástico, os baianos deram um verdadeiro show de criatividade na TV!

Mas se você está morrendo de inveja, não assistiu ao Fantástico desse domingo mas gostaria de ver ou rever alguns dos quadros, não se preocupe. As novas tecnologias também estão presentes no novo site do Fantástico. O Brasil Total com os bodes é realmente imperdível e a repórter baiana Loly da Caatinga é uma revelação do jornalismo global! Aqui entre nós, a Ana Paula Padrão que se cuide!”

 

XUXA vs. O DIA

“Xuxa depõe em processo contra jornal e pede R$ 3 milhões”, copyright O Estado de S. Paulo, 9/05/03

“A apresentadora Xuxa Meneghel prestou depoimento ontem na 41.? Vara Cível do Fórum do Rio. Ela processa por perdas e danos o jornal O Dia, que em 4 de julho de 2002 publicou fotos em que aparece nua. As imagens haviam sido tiradas em 1981 para uma edição da revista Ele&Ela.

?A autorização era para publicar apenas na revista e o jornal colocou uma foto na capa e outras dentro da edição. Algumas ocupando quase meia página?, disse o advogado da apresentadora, Luiz Claudio Moreira.

Xuxa reivindica pagamento de multa diária de R$ 500 mil pela exibição do material também na internet e ressarcimento por perdas e danos, em um valor equivalente a R$ 3 milhões. Na ação, a apresentadora informou que doará os recursos para a Fundação Xuxa Meneghel.

Na audiência de conciliação em outubro, o jornal ofereceu R$ 2 mil por mês, durante um ano. A oferta foi recusada. ?É uma quantia irrisória?, contou o advogado.”

 

TURMA DO GUETO

“Violência tira Netinho do ?Gueto?”, copyright O Estado de S. Paulo, 8/05/03

“Contrariando a idéia de que negro não gosta de ver negro na TV, Jos&eaceacute; de Paula Neto, o cantor Netinho, bancou e emplacou o seriado Turma do Gueto, que após seis meses se tornou um dos maiores sucessos da Record:

disputa cabeça a cabeça com o sofá reluzente de Hebe, na faixa dos 10 pontos de média no ibope. Mas o criador está desgostoso com os rumos do programa que, a pedido da Record, reforçou as cores da violência. Por isso, Netinho parte para novos projetos, como um filme e um seriado infanto-juvenil com elenco predominantemente negro.

Estado – Por que um anúncio da Record se gaba que no sofá da ?Turma do Gueto? há mais gente do que no da Hebe?

Netinho – As pessoas estão muito a fim de conhecer o que acontece de verdade na periferia e não só por meio do mundo-cão dos programas jornalísticos.

Onde vivem os pobres e negros não é um mundo só de violência. É isso que queríamos mostrar com a Turma do Gueto, do mesmo jeito que fizeram em Cidade de Deus, Cidade dos Homens e Carandiru.

Estado – Há um consenso na TV de que pobre não gosta de ver pobreza, você concorda?

Netinho – Quando fui fazer o Samba, Pagode & Cia. na Globo, eu e o Alexandre Pires ouvimos de um diretor que negro não assiste negro. Não é verdade.

Lancei o quadro da Princesa em que um negro vai buscar uma garota pobre na favela e é sucesso até hoje.

Estado – Por que no bolo da audiência do Turma há uma boa fatia das classes A e B?

Netinho – As pessoas querem entender o que acontece porque estão sendo agredidas por gente da periferia. Perceberam que não adianta se isolar e que é preciso conhecer essa realidade.

Estado – Qual é seu maior público?

Netinho – São as pessoas das classes C, D e E porque se identificam, porque só no programa é que se vêem de uma maneira real. No noticiário, negro e pobre só aparecem como bandidos.

Esta do – Mas na ?Turma do Gueto? a bandidagem tem dado o tom.

Netinho – Quando idealizei o programa queria bater mais nas questões sociais. Mostrar o sucesso de pessoas da periferia que lutaram e conseguiram. Mas a emissora pediu para enfocar a violência porque dá mais audiência. Isso me incomodou muito e por isso não vou mais fazer. Só participo dos dois primeiros episódios da terceira fase, que começa em junho, e me retiro.

Estado – Mas você é dono do programa?

Netinho – Sou sócio da produtora Casablanca e investi R$ 400 mil. Mas quero fazer outro seriado, sem violência, um infanto-juvenil com meus filhos.

Estado – Infanto-juvenil?

Netinho – As crianças negras sofrem muito no Brasil porque não se vêem em nada, muito menos na mídia. Quando começou a freqüentar a escola, minha filha Ágata me disse que não queria ser negra. Queria ser loira como a Xuxa.

A maioria das crianças negras cresceu vendo Xuxa, Angélica, Eliana, nenhum negro.

Estado – Onde você buscou os atores do seriado?

Netinho – Buscamos os atores em oficinas culturais da periferia. Nem eram tão bons atores, mas não são piores que os que têm trabalho nas novelas porque são filhos e sobrinhos dos diretores.

Estado – Você já foi discriminado?

Netinho – Claro, eu sou negro!”