TV DIGITAL
“TV digital brasileira: negócio da China!”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 31/10/03
“A notícia foi divulgada esta semana. Os chineses estão chegando. Eles nos oferecem uma parceria ?irrecusável? para desenvolvermos em conjunto um novo padrão de televisão digital sino-tupiniquim. Um verdadeiro negócio da China. No Ministério das Comunicações não se fala de outra coisa. Nos últimos meses, televisão digital passou a ser ?prioridade nacional?. Todo dia surge uma nova notícia sobre os milagres, benefícios e a própria inevitabilidade da nossa conversão digital. O Brasil não poderia ficar para trás, arriscar a perder o ?bonde da história? e perder uma grande oportunidade para mantermos uma duvidosa ?liderança? na produção televisiva internacional. Televisão digital parece ser a solução para todos os nossos problemas. Promete tudo. Até mesmo uma ?melhoria? considerável na nossa televisão. Em tempos de crise, com emissoras com o pires na mão do governo, assim como os empréstimos no BNDES, a novidade tecnológica bancada pelo contribuinte pode ?salvar a lavoura?.
Eu, no entanto, ouso perguntar: Por que e para quem uma televisão digital no Brasil? Como essa nova e caríssima tecnologia vai contribuir para melhoria da programação das nossas emissoras de televisão? Será que não corremos o risco de gastarmos muito dinheiro e continuarmos assistindo às mesmas ?baixarias? televisivas, mas com uma única diferença: imagem melhor, mais sofisticada e um controle remoto enorme com muitos botões que só nos oferecem ?outras? baixarias? Mas o mais importante, a quem ?realmente? interessa desenvolvermos uma televisão digital estrangeira, nacional ou ?sino-tupiniquim?? Por que tanta pressa e ainda mais dinheiro público para manter o brasileiro na frente da telinha analógica ou digital?
Sempre considerei que essa discussão não passa de uma grande perda de tempo e de dinheiro com benefícios limitados a poucos e poderosos interessados. Utilizar os recursos do FUST (Fundo Único de Sistemas de Telecomunicações) para desenvolver uma televisão digital brasileira é no mínimo ?irresponsável?. Televisão digital não garante acesso à Internet. A exclusão digital deveria ser combatida através de uma política que incentivasse o acesso público à Internet em escolas ou centros comunitários.
Em verdade, o Brasil e principalmente os nossos engenheiros de televisão parecem que adoram ?reinventar? a roda. Depois, é só mandar a conta para a viúva. Muitos preferem ficar calados e me dizem que não adianta reclamar. Televisão digital seria uma necessidade estratégica para a nossa política de comunicação. Assim como o futebol, o brasileiro não vive sem televisão e temos uma tradição e liderança a preservar. E os pobres dos contribuintes e consumidores que se virem. Acabam sempre pagando caro pelo inesgotável orgulho nacional.
Durante a ditadura, também aceitamos uma outra parceria internacional para o desenvolvimento de tecnologia para televisão. Naquela ocasião, o ?negócio da China? era alemão. O Brasil se lançava em mais uma aventura ousada, nacionalista genial. Só tinha um problema: era uma aventura pela metade. Explico. Ao invés de adotarmos o padrão alemão Pal com 625 linhas ou desenvolvermos um sistema totalmente novo, adotamos um sistema híbrido, meio alemão e meio americano. Nunca se sabe! Pais ?em desenvolvimento? não pode se arriscar a desagradar os velhos ?patrões?. Aqui entre nós o M de Pal M não é aquilo que você está pensando. M significa padrão P&B americano de 525 linhas. Em outras palavras, decidimos desenvolver um sistema novo, híbrido e único. Chiclete com banana ou Chucrute com Coca-cola. O nosso sistema teria a cara do Brasil. Seria único. Um sistema de TV a cores brasileiro tão bom, tão avançado que somente foi utilizado no Brasil. Nenhum outro país do mundo, nem mesmo a China, viria a adotar mais uma das nossas ?invencionices?. Obviamente, os defensores do sistema sempre insistiram que isso era um mero detalhe, uma grande injustiça ou ?coisas da vida de país em desenvolvimento. Mas a verdade é que essa aventura nos custou muito caro.
Nos anos 80, pequenos produtores de vídeo, como eu, lutavam para criar uma alternativa independente para a nossa indústria audiovisual. Sonhávamos em produzir programas de televisão, ou simplesmente tentávamos prestar serviços para as nossas emissoras de televisão com equipamento de vídeo compatíveis com os padrões profissionais de qualidade. O problema era o famigerado sistema Pal M. Tínhamos que nos submeter à ditadura daquele sistema único e pagar fortunas para conseguir equipamentos profissionais originais. O Brasil, mais uma vez, inventou a roda, mas não garantiu uma maneira para produzi-la no país. Protegeu os privilégios dos poderosos e abandonou os pequenos produtores à própria sorte. Desenvolvemos o sistema Pal M mas até hoje não produzimos equipamentos profissionais de gravação de vídeo em qualquer sistema. Ainda por cima, é difícil importar equipamento. A burocracia exagerada ou taxas alfandegárias exorbitantes condenam as iniciativas independentes e privilegiam as soluções ilegais ou ?alternativas?. O pequeno produtor brasileiro independente era penalizado duplamente.
Depois não sabem por que não produzimos bons filmes, vídeos ou programas de televisão. A produção independente brasileira é refém de muitas aventuras políticas, econômicas e tecnológicas. O mercado brasileiro de audiovisual é dominado por poucas e milionárias produtores de vídeo ou de cinema que se beneficiam muito dessas ?aventuras?.
Por outro lado, pagar mais pelo orgulho e pelos privilégios da nossa engenharia televisiva jamais foi problema para empresas poderosas como as grandes produtoras brasileiras de vídeo, emissoras de TV ou empresas estatais. A produção audiovisual brasileira não tem meio termo. Ou temos grandes produtoras que produzem comerciais e filmes milionários ou encontramos algumas produtoras ?nanicas? que lutam somente para sobreviver. A cara do Brasil.
Minha própria trajetória no mercado de produção independente no Brasil não poderia ser mais representativa dessas decisões irresponsáveis. Por duas vezes tive que ir até a sede da Sony no distante Jap&aatilde;o em busca do Santo Graal da produção de vídeo. Era uma tentativa desesperada de encontrar equipamentos profissionais de televisão originais no sistema único brasileiro, o tal Pal M dentro de ?sérias restrições orçamentárias?. O Brasil jamais fabricou qualquer câmera ou gravador no sistema Pal M. Produtores como eu, tinham que viajar muito e gastar pequenas fortunas para adquirir um ?meio de produção? único e essencial para a nossa indústria audiovisual independente. Muitos de nós acabariam simplesmente desistindo. Tudo isso seria simplesmente irônico, se não fosse tão trágico. Mais um exemplo de tantas decisões incompletas e apressadas em questões de implantação de novas tecnologias. O pior é que essas decisões acabam sempre beneficiando os mesmos poderosos de sempre. No passado, o desenvolvimento de um sistema ?único? de TV a cores brasileiro contribuiu bastante para as dificuldades da nossa produção audiovisual independente. O isolamento inevitável da nossa língua portuguesa, combinado ao sistema único de produção televisiva a cores, inviabilizava parcerias internacionais e onerava a exportação de programa. Para o pequeno produtor independente, traduzir a língua e transcodificar o sistema televisivo custavam muito caro.
A outra alternativa em termos de tecnologia era partir para o nosso ?jeitinho? brasileiro. Contar com a boa vontade e com os custos menores de alguns ?fornecedores informais? de equipamento de vídeo ou tentar a sorte ao ?engatilhar? equipamentos americanos – muito mais baratos, diga-se de passagem – que utilizavam o velho sistema a cores NTSC. Aquele mesmo sistema que, segundo os nossos técnicos, empresários e dirigentes, não era bom o suficiente para o Brasil. Já naquela época insistíamos nos mesmos erros.
E pelo jeito, a mesma história tende a se repetir. Vamos novamente partir para ?inventar a roda?. A diferença é que dessa vez não contaremos com a ajuda dos alemães. Em outros tempos a televisão já nos fez…?burros?, muito ?burros?…como os animais.
Hoje, ao discutirmos a implantação de uma nova televisão digital no Brasil estamos diante de novos desafios e de uma nova parceria, um verdadeiro ?negócio da China?. Resta saber… para quem?”
“Especialistas criticam projeto de TV digital”, copyright Valor Econômico, 31/10/03
“Especialistas reunidos pela Universidade de São Paulo (USP) ontem manifestaram preocupação com a maneira como o governo federal tem conduzido o processo de implantação da televisão digital no país. Eles acreditam que as discussões dentro do governo têm se concentrado de forma excessiva sobre os aspectos técnicos, deixando em segundo plano as implicações sociais e políticas que a mudança terá.
Para esses especialistas, falta definir melhor que tipo de serviço o governo pretende oferecer à população com a televisão digital e que estratégias ele vai adotar para garantir a adesão das pessoas às novas tecnologias. Representantes das emissoras de televisão e fabricantes de equipamentos eletrônicos e televisores têm manifestado ao governo o mesmo tipo de preocupação.
O ex-vice-presidente das Organizações Globo José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, afirmou que o governo deveria aproveitar a adoção da televisão digital para estimular a entrada de novas emissoras no mercado hoje dominado pela Rede Globo. É uma excelente chance que temos de renovar a televisão brasileira , disse Boni, hoje controlador de uma pequena estação regional, a TV Vanguarda, de Taubaté (SP).
A transmissão digital permite que o espectro usado hoje por poucos canais analógicos seja melhor aproveitado, abrindo espaço para um número maior de canais digitais. Mas isso depende das tecnologias que forem adotadas pelo país. Se o sistema escolhido pelo governo der prioridade à transmissão de imagens de alta definição, cuja transmissão exige a alocação de porções maiores do espectro, haverá menos espaço para outros canais.
Não é uma preocupação apenas de quem vê a televisão como um negócio. Canais comunitários, universitários e de utilidade pública, como os que transmitem as atividades da Câmara dos Deputados e do Senado, têm espaço garantido por lei no meio dos canais pagos da televisão a cabo e desejam estender esse benefício para a televisão aberta quando ela for digitalizada.
O governo ainda está longe de definir como vai lidar com essas questões. O grupo interministerial que estuda o assunto ainda está tentando acertar a formação de comitês que vão contratar pesquisas mais aprofundadas sobre o tema. Em vez de adotar um dos padrões estrangeiros que já existem, o governo estuda a viabilidade de criar um sistema brasileiro de televisão digital, com tecnologia desenvolvida no país.
Além de exibir imagens e sons de melhor qualidade, a televisão digital permite a oferta de serviços interativos e o uso de televisores comuns como meios de acesso à internet. Para as emissoras e seus anunciantes, as novas tecnologias criam várias oportunidades de negócio, como a associação do comércio eletrônico com a programação tradicional.
O que preocupa os especialistas é que, do jeito que o governo tem conduzido o processo, a escolha das tecnologias que serão adotadas tende a ser feita antes de uma definição mais precisa do tipo de serviço que poderá ser oferecido. Precisamos conhecer melhor as necessidades das pessoas antes de definir o que queremos , disse a professora Roseli de Deus Lopes, do Laboratório de Sistemas Integráveis da USP.
Com acesso à internet e programas de computador específicos, será possível usar os aparelhos de televisão digital para ter aulas à distância, marcar consultas médicas ou conferir extratos bancários. Mas ninguém sabe se alguém está interessado nesse tipo de serviço. As pessoas só vão comprar um televisor digital se acharem que ele vai realmente melhorar suas vidas , afirmou outra pesquisadora, Thais Waisman, da Escola do Futuro da USP.
Do tipo de serviço que será oferecido vai depender o custo dos conversores que serão usados no início para que os atuais televisores recebam sinais digitais. Se eles forem caros demais, será difícil promover uma transição rápida para a nova tecnologia sem subsidiar a população como empresas e governos têm feito na Inglaterra e na Alemanha. Se isso vai ser pago ou subsidiado, é uma discussão que ainda não fizemos , disse o subsecretário de planejamento do Ministério das Comunicações, Marcos Dantas.”
“Boni volta a defender democratização via TV digital”, copyright PAY-TV News, 30/10/03
“O empresário José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, participou nesta quinta, 30, do Seminário de TV Digital do Fórum de Políticas Públicas da USP, em São Paulo. Mais uma vez, Boni criticou o modelo de TV digital baseado na alta definição e na distribuição de freqüências de 6 MHz para que os atuais conessionários explorem o novo serviço. Para o veterano da TV, a alta definição não se mostrou um bom modelo de negócios nos países onde foi implantada. Quanto à canalização de 6 MHz transmitindo em definição standard, as emissoras passariam a ter quatro canais. ?CNT, Band e SBT, que não conseguem gerir um canal deveriam receber quatro??, ironiza. Segundo Boni, com a distribuição de vários canais para os mesmos empresários, passariamos a ter quatro canais evangélicos e quatro canais vendendo jóias. ?Não podemos entregar aos atuais concessionários todo o espectro, pois ele é finito?, afirmou.
Conteúdo
Quanto ao conteúdo da televisão, Boni diz que a regionalização é um trincheira, cavada em defesa da cultura local frente à globalização. O empresário diz ainda que a TV digital, com o aumento dos números de canais (o que só aconteceria com a divisão da freqüência de cada emissora por quatro), deve criar mais oportunidades à produção independente.
Já o apresentador e produtor Marcelo Tas comparou o advento da digitalização à popularização do vídeo no início da década de 80. Para ele, assim como naquela época, a nova tecnologia acessível deve criar novos talentos e, principalmente, trazer novos formatos de conteúdo.
“TV digital é opção para novas fontes de informação”, copyright Tela Viva News, 30/10/03
“O primeiro dia de debates do Seminário TV Digital, promovido pelo Fórum de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo, foi dedicado à questão da inclusão digital.
Para o presidente da Associação Brasileira de TVs Universitárias (ABTU) e diretor da TV PUC de São Paulo, Gabriel Priolli, a inclusão começa pelo acesso aos futuros canais digitais terrestres pelos canais de acesso público já existentes, que hoje apenas têm espaço na TV por assinatura. É o caso dos próprios canais universitários, canais locais, comunitários e os dos poderes Legislativo e Judiciário.
Para Rubens Glasberg, diretor da revista TELA VIVA, que também participou do debate, a questão vai mais além. Segundo ele, o ponto central no debate sobre TV digital é a democratização dos meios de comunicação. ?Estamos diante de uma oportunidade de mudar a política de acesso que foi criada durante vários governos no Brasil, abrindo a possibilidade de entrada de novas fontes de informação?, afirmou. Glasberg cobrou ainda de Marcos Dantas, secretário de Planejamento do Minicom, a Lei de Comunicação Eletrônica, engavetada desde o governo anterior. Dantas disse que com a TV digital terá que haver uma revisão de toda a legislação de comunicação, inclusive de telecomunicações.”
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“Transmissões analógicas serão mantidas por até 20 anos”, copyright Tela Viva News, 30/10/03
“Não há praticamente nada definido em relação ao sistema brasileiro de TV digital, mas uma coisa o sub-secretário de planejamento do Ministério das Comunicações, Marcos Dantas, adiantou à platéia do Seminário TV Digital, promovido pela Universidade de São Paulo, na manhã desta quinta, dia 30: as transmissões analógicas serão mantidas, após a implantação da DTV, por um período ?longuíssimo?, de 15 ou 20 anos.
A explicação é simples. Como dos 57 milhões de TVs instaladas no Brasil apenas uma porcentagem muito pequena recebe os sinais por cabo ou satélite, ou ainda teria condição de comprar um set-top box para a recepção digital, o sinal analógico terá que ser mantido até que os preços fiquem muito baixos e toda a população tenha condição de receber a TV digital. ?Para se ter uma idéia, só cinco anos atrás parou-se de produzir TVs em preto e branco no Brasil, embora as transmissões já sejam coloridas há trinta anos?, explicou Dantas.
O seminário, promovido pelo Fórum de Políticas Públicas, ligado ao Instituto de Estudos Avançados da USP, vai até nesta sexta, 31, no auditório da Escola Politécnica.”